Comida Saudável
Acrelândia 2012. Cupuaçu e pão de cupuaçu com cúrcuma e castanhas
Não me lembro de outra vez, nem mesmo no Marajó, de ter visto tanto cupuaçu junto. Havia feito uma pré-programação para as oficinas em Acrelândia, mas chegando lá, tudo mudou. Assim que cheguei à casa, mal coloquei as malas no quarto, fui fazer uma inspeção no quintal para ver o que tinha de novo e se haviam nascido as plantas que tinha plantado durante a primeira estadia lá. Só a cúrcuma vingou - mas ainda é pouca, para as oficinas usei cúrcuma da vizinha Vera. Embaixo do pé de manga, dezenas de caroços com brotos. O pé de cupuaçu estava minguado, não se sabe porque, e o de acerola, igual. Mas quando olhei para o quintal da vizinha, fiquei espantada. Estava espiando sobre a cerca na hora em que a dona da casa, Oliete, apareceu, me deixando sem-graça. Eu não a conhecia. Ela é cabeleireira, trabalha de sol a sol e não sobra tempo pra bate-papos na cerca. Mas ali, diante de tanto cupuaçu caído na sombra da árvore, nos apresentamos e eu já fui mostrando interesse no desperdício.
Logo eu já estava com uma cesta para acolher os presentes. Pode pegar quanto quiser, eu não tenho tempo para tirar a polpa, teria dito. Aprendi que só se colhem os frutos caídos e que para saber se ainda estão bons, se estão frescos, basta arranhar a casca com a unha. Se por baixo da penugem marrom o risco do arranhão for verde, é porque está bom. Se marrom, esqueça.
À medida em que as atividades foram acontecendo, os cupuaçus foram sendo usados, graças à paciência nipônica da Fernanda Cobayashi, companheira de projeto, que se sentava à mesa da cozinha ou na varanda e tirava baciadas de polpa. Primeiro entraram em suco, depois no pavê de pão que levamos para o piquenique com as crianças, no curry de banana e no pão doce. Para este, usei muito cupuaçu, pois precisei pensar numa receita e ir aperfeiçoando até que ficasse com o sabor que ficou, uma massa azedinha e aromática, como um panetone.
Precisei pedir cupuaçus para Oliete mais duas vezes e sempre levei a ela um pão como agradecimento. É que nos mercados não há cupuaçu para vender. Em compensação, há pés de cupuaçu (assim como de jambo) espalhados por toda a cidade, assim como temos pitangas e amoras em São Paulo. É difícil haver um quintal sem cupu. Nesta época do ano, estão carregados, mas como não é o tipo de fruta que se come como veio ao mundo, caso das jabuticabas, pitangas, amoras ou jambos, o aproveitamento fica por conta da disposição de cada família para aproveitar a safra - tirar a polpa, congelar, fazer geleias, doces, sorvetes, bater com leite para dar às crianças e, por que não, colocar na massa do pão.
É trabalhoso, mas o sabor da fruta é tão maravilhoso e tão persistente a despeito do frio, do calor, da desidratação ou de qualquer outra técnica utilizada, e o fruto é tão nutritivo, que o esforço vale cada tesourada. Só ainda não se deram conta disso porque há fartura. Se tivessem, como nós, como única opção aquelas polpas aguadas, batidas e congeladas dos supermercados, certamente tratariam a fruta como ela merece.
Para quem acha sempre que está perdendo alguma coisa quando faz um trabalho artesanal, basta se sentar no sofá, com um pano e uma bacia no colo, ligar a tevê e ir tirando a polpa com tesoura. Não perde a novela nem desperdiça a fruta. Ou ainda: chegou uma visita daquelas que não vão embora nunca. Manda ela entrar, faz um café, puxa a cadeira da cozinha, uma tesoura pra cada uma, uma bacia no meio, papo vem, papo vai, e no final vai até achar a visita interessante.
Se você não sabe, o cupuaçu é parente do cacau (Theobroma grandiflorum), porém com polpa muito mais gostosa, com aroma e sabor muito marcantes (o perfume é tão forte a ponto de não se recomendar viajar de avião). As sementes, no entanto, tem composição parecida com as do cacau e delas também pode se fazer produto similar ao chocolate.
Mas, por enquanto, vamos ao pão:
Pão doce de cupuaçu com cúrcuma e castanha
500 g de polpa de cupuaçu ou (2 e ½ xícaras de polpa in natura, tirada com tesoura)
1 e ½ xícara de água
1 colher (sopa) de fermento seco para pão
1 ovo inteiro
½ xícara de açúcar
4 colheres (sopa) rasas de manteiga ou óleo
2 colheres (sopa) de casca de laranja e limão ralados
1 colher (sopa) de cúrcuma fresca ralada (ou use 2 de chá de pó)
1 pitada de sal
Mais ou menos 1 quilo de farinha de trigo
1 xícara de uvas passas
100 g de castanha-da-amazônia picada (castanha-do-pará)
Misture o fermento com a água e espere dissolver (aproximadamente) 5 minutos. Bata no liquidificador a polpa de cupuaçu e a mistura da água com o fermento. Junte o ovo, o açúcar e bata mais. Passe para uma tigela e junte as cascas, a cúrcuma e o sal (se quiser, bata tudo no liquidificador, apenas diluindo antes o fermento). Acrescente a farinha aos poucos até o ponto de sovar. Junte a uva passa e metade da castanha e misture tudo. Sove bem a massa, juntando mais farinha à medida que amassa, até formar uma massa homogênea, lisa, modelável, que se solte das mãos. Cubra com plástico ou um pano. Espere crescer até dobrar de volume (caso não tenha experiência com pães, faça uma bolinha com a massa e deixe num copo com água em temperatura ambiente ? quando ela subir à superfície, a massa certamente estará no ponto). Divida a massa em três ou quatro e molde os pães compridos ou redondos. Espalhe as castanhas sobre uma superfície lisa, uma porção para cada pão. Molhe os pães com água e role-os sobre as castanhas picadas. Coloque-os numa assadeira grande, untada e polvilhada, deixando espaço entre eles. Deixe crescer novamente por cerca de meia hora ou até os pães dobrarem de volume. Faça cortes com lâmina afiada (bisturi, estilete ou lâmina de barbear são melhores que faca), leve ao forno pré-aquecido bem quente e deixe assar por 10 minutos. Abaixe o fogo e deixe assar por cerca de 50 minutos. Os pães devem ficar bem dourados.
Rende de 3 a 4 pães
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