Comida Saudável
Almoço baiano: vatapá com quiabo da Eliana e acarajé à minha moda
Hoje voltei do almoço, satisfeita, leve, feliz. Isto, apesar do menu: acarajé com vatapá. Eliana viu o camarãozinho seco que comprei semana passada e logo lembrou do vatapá, cuja receita foi presente da filha da Dona Dalva, uma vatapazeira talentosa da sua cidade, Santa Luz, na Bahia. Ela mostrou como se faz, Eliana aprendeu, me ensinou e eu divido com vocês. Quando me chamou para ver fazer, os ingredientes já estavam caprichosamente cortados e arrumados. Ela, que dizia não saber cozinhar, aos poucos está se revelando. Mas para o seu vatapá, você tira a pele do tomate?, perguntei. Não, mas aqui sei que vai ficar mais caprichado, respondeu. Confirmando agora o nome da sua cidade, chamei-a para ver o lugar no Google Maps. Olha lá, olha lá, olha lá o estádio. Ali é a casa do prefeito. Meu Deus, é a estradinha do meu povado. Vai, vai, sobe mais. Entra aí. Olha a escola. Esta é a fazenda que cria cabras caras de quinhentos reais. Ó lá o pé de tamarindo na porta. A plantação de sizal. O açude, o tanque de pedra. Anda mais. Aí o povoado Lagoa do Boi. Meu Deus é a minha casa com telhado pretinho. Olha o pé de juazeiro. Vamos pra casa do pai. Pega esta estradinha de terra aí. Vai embora. Entra aí, entra aí. Ah, a casa do pai.... , a rocinha de feijão, a plantação de palma, que saudade .... Bem, meu e dela, olhos marejados.
Já vi muitas versões de vatapá - não sei quem era o espessante ancestral e dúvidas ainda pairam sobre sua origem. Se o prato é brasileiro o espessante poderia ser a mandioca ou o milho. Se africana, quem sabe o quiabo? Acho que já li a respeito, mas vai saber onde e em que canto da memória a informação se encapsulou. Contribuições são bem-vindas. A questão é que vatapá engrossado com farinha já tinha visto, inclusive o do Pará é feito assim. Mas, com quiabo complementando, não conhecia. E é assim a receita da Eliana, já também, é claro, adaptada em relação ao que aprendeu. A espécie de pirão ganha uma leveza surpreendente com o legume, que confere a ele uma fluidez sedosa. E, com fibras e mucilagens do quiabo, não pesa e não é indigesto apesar dos ingredientes gordurosos. Também levou pouco dendê e nenhuma pimenta. Não leva pimenta?, perguntei. Não, porque geralmente é comido também por crianças. Eu mesma, não fosse tão solidária com os que vêm jantar, voltaria à cozinha agora para comer a sobra. Que caberia, caberia. Ela fez e eu só anotei. Como teria vatapá, nada mais justo que comê-lo com acarajé, o nosso falável dourado. Tinha aqui, por sorte, um pacotinho de feijão fradinho já descascado e triturado, uma espécie de farinha instantânea para os bolinhos, que veio de brinde com um vidrinho de dendê puro. A verdade é que o brinde era o azeite, porém foi o único puro que encontrei naquela banca onde comprei os peixes secos. O resto era misturado com óleo de soja. E mistura por mistura, prefiro fazê-la aqui com o meu óleo ou azeite de oliva. E nem era tão instantâneo assim, pois tem que ficar de molho durante 3 horas com água batida com cebola. De qualquer forma, faz um ótimo acarajé. Só economiza o tempo de deixar o feijão fradinho de molho, tirar as peles e olhinhos e pilar. Fritei em óleo misturado com um pouco dendê, só o suficiente para que tingisse a gordura. Teria aumentado a proporção se tivesse mais azeite, o que não era o caso mas não também não era impeditivo. Os bolinhos ficam leves e deu para comer uns cinco. Como o vatapá não levou pimenta, fiz um molhinho à parte para colocar em cima. Ah, ainda bem que daqui a pouco já é hora do jantar! E vamos ao que interessa:
Em cima, os ingredientes. Vejam que ela usou coentro-do-pasto ou coentro-da-índia (a chicória-do-pará) em vez do coentro comum - ambos têm o mesmo sabor. Do lado, o quiabo batido sendo adicionado ao pirão. Embaixo, o vatapá pronto. Vatapá com quiabo, por Eliana Santiago
150 g de camarão seco limpo300 g de quiabo sem os cabinhos, cortados em pedaços 2 tomates médios bem vermelhos, sem pele e sem sementes (220 g) 3 cebolas pequenas (120 g) 1 pimentão vermelho pequeno picado (120 g) 1 colher (sopa) de gengibre picado4 folhas grandes de coentro-d0-pasto (coentro-da-índia, coentro caboclo ou chicória-do-pará) - ou 4 colheres (sopa) de coentro comum picado4 colheres (sopa) de salsa picada2 colheres (sopa) de cebolinha picada1 xícara de amendoim torrado e sem pele (160 g) 3/4 de xícara de castanha de caju picadas ou xerém (100 g)1 xícara de farinha de trigo (120 g) Água 1 colher (chá) de sal ou mais, se necessário3 colheres (sopa) de azeite de dendê1 xícara de leite de coco (240 ml)
Lave bem o camarão e deixe de molho por três horas, trocando a água duas vezes neste período. Escorra bem e reserve. Coloque o quiabo numa panela e cubra-o com água. Leve ao fogo e cozinhe por cerca de 20 minutos ou até ficar bem macio. Escorra (guarde a água para usar na receita, junto ou no lugar da água quando solicitada). Coloque no liquidificador os temperos: tomate, cebola, pimentão, o gengibre e ervas. Bata até ficar cremoso. Se precisar, junte um pouco de água (ou a água do quiabo). Tire a mistura do liquidificador e coloque no copo o amendoim. Junte um pouco de água só para conseguir bater até virar uma pasta cremosa. Tire do liquidificador. Bata agora as castanhas com um pouco de água até virar uma mistura cremosa. Despeje junto com o amendoim. Bata agora o camarão com um pouco de água. Despeje numa panela grande, junte o amendoim, a castanha e o camarão. Leve ao fogo, mexendo. Enquanto isso, bata no liquidificador a farinha com uma xícara de água e despeje na panela. Cozinhe, sem parar de mexer, até a mistura ficar espessa. Bata o quiabo no liquidificador até virar uma pasta e junte à mistura. Mexa bem até ferver. Junte o azeite e misture bem. Por último, coloque o leite de coco e deixe ferver. Prove e corrija o sal, se necessário. Sirva com arroz, peixe em molho, frango. Ou com acarajé.
Rende: 12 porções (12 conchas de 160 g)
Acarajé à minha moda (a receita básica veio no rótulo)
2 xícaras de água (480 ml)
1,5 colher (chá) de sal
1 pacote de 500 g de feijão fradinho moídoPara fritar: 2 xícaras de óleo + 1/4 de xícara de azeite de dendê + 1 cebola pequena
No liquidificador bata a cebola com a água e o sal e junte à farinha de feijão fradinho. Misture bem e deixe em repouso por 3 horas. Bata bem até ficar uma massa leve e fofa. Num tacho pequeno, aqueça a mistura de óleo até ficar bem quente (sem deixar esfumaçar). Coloque a cebola pequena inteira na panela (enquanto há umidade junto da gordura, a temperatura se mantém estável). Faça bolinhos usando duas colheres, moldando como se moldam queneles. Frite até ficar dourados, virando para dourar por igual. Sirva com o vatapá, vinagrete, salada, molho de camarão e de pimentas.
Rende: cerca de 3o unidades
Nota: para o molho de pimenta, refoguei 1 cebola pequena em 2 colheres (sopa) de azeite de dendê. Juntei 3 pimentas ardidas fatiadas (2 verdes e 1 vermelha), desliguei o fogo, polvilhei sal e pronto.
Sobre o faláfel e o acarajé, por J. A. Dias Lopes. Do texto O pai do acarajé baiano, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, Caderno Paladar. Para ver o texto completo, clique aqui. A receita do bolinho acompanhou as invasões dos árabes, inclusive as que eles empreenderam à África Ocidental, na qual estiveram centenas de vezes entre os séculos 7º e 19. Agora, encontram-se na região, entre outros países, Camarões, Daomé, Nigéria e Togo. Ali, segundo se diz, o falafel ingressou na culinária de algumas etnias, a começar pela dos iorubás. O que o nosso acarajé tem a ver com isso? Simplesmente, eram iorubás muitos contingentes de negros trazidos como escravos para a Bahia. Eles nos transmitiram o candomblé e, reforçando a dedução de Leila Kuczynski, também o filho do falafel. Com o ingrediente básico já trocado pelo feijão fradinho, chamavam-no akkrá. Até hoje é conhecido por esse nome em Camarões, conforme o livro The Essential African Cookbook (Anness Publishing, Londres, 2001), da chef e pesquisadora guiana Rosamund Grant. No Brasil, o bolinho chegou batizado de acará ou acarajé (acará, bola de fogo; jé, comer), com função sagrada no candomblé. Para o generoso e sensual rei Xangô, comandante dos trovões e da justiça, oferecem-se os maiores, enquanto os pequenos e redondos se destinam a Iansã, uma de suas mulheres, guerreira incansável, orixá dos ventos e das tempestades. Axé pelo legado precioso, bravo e sofrido povo iorubá!
J. A. Dias Lopes
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