Amendoeira-da-praia ou sete copas. Resposta à charada do post anterior
Comida Saudável

Amendoeira-da-praia ou sete copas. Resposta à charada do post anterior



Pois é, leitor ou leitora, desculpe-me o atraso. Queria ter postado mais cedo a resposta, não deu. Mas também que graça teve esta charada? Estou ficando muito previsível. Todo mundo sabia. Devia ter aberto o fruto e exposto só a castanha ou a castanha descontruída em pétalas. Aí queria ver tantos acertos assim.
Brincadeira à parte, fico feliz de saber que muita gente conhece a amendoeira-da-praia ou sete-copas. O que não se vê muito por aqui é o uso da polpa e da amêndoa do fruto da amendoeira da praia ou Terminalia catappa.
Por fim, o dia está caducando e tudo o que fiz foi um video apressado com as fotos só porque não consegui sintetizar todo o material que encontrei mundo afora. É muito assunto. Então, não vou falar mais nada hoje, só mostrar.
Vou falando e mostrando melhor nos próximos dias. Ou tudo de uma só vez amanhã. Vai depender do tempo e do trabalho. Mas agradeço a todos que responderam, pois assim fiquei conhecendo mais alguns nomes para este fruto de bichos que homens também comem. Gosto azedinho, doce, bom para sucos, marmeladas, geleias. Tem do verde e do vermelho. Um lembra pera verde e o outro, jambo, no aroma. O difícil concorrer com os morcegos e as maritacas. Mas falo mais amanhã da árvore, dos frutos, das folhas vermelhas e das receitas que fiz.
Por enquanto, fique com o vídeo e com o lindo texto do Drummond indicado pela Ana nos comentários, que eu vou preparar o jantar, louca que estou para usar as orelhas de pau que encontrei hoje fresquinhas depois das chuvas de primavera.





Fala, amendoeira
Esse ofício de rabiscar sobre as coisas do tempo exige que prestemos alguma atenção à natureza - essa natureza que não presta atenção em nós. Abrindo a janela matinal, o cronista reparou no firmamento, que seria de uma safira impecável se não houvesse a longa barra de névoa a toldar a linha entre o céu e o chão - névoa baixa e seca, hostil aos aviões. Pousou a vista, depois, nas árvores que algum remoto prefeito deu à rua, e que ainda ninguém se lembrou de arrancar, talvez porque haja outras destruições mais urgentes. Estavam todas verdes, menos uma. Uma que, precisamente, lá está plantada em frente à porta, companheira mais chegada de um homem e sua vida, espécie de anjo vegetal proposto ao seu destino.
Essa árvore de certo modo incorporada aos bens pessoais, alguns fios eléctricos lhe atravessam a fronde, sem que a molestem, e a luz crua do projetor, a dois passos, a impediria talvez de dormir, se ela fosse mais nova. Às terças, pela manhã, o feirante nela encosta sua barraca, e ao entardecer, cada dia, garotos procuram subir-lhe o tronco. Nenhum desses incómodos lhe afeta a placidez de árvore madura e magra, que já viu muita chuva, muito cortejo de casamento, muitos enterros, e serve há longos anos à necessidade de sombra que têm os amantes de rua, e mesmo a outras precisões mais humildes de cãezinhos transeuntes.
Todas estavam ainda verdes, mas essa ostentava algumas folhas amarelas e outras já estriadas de vermelho, gradação fantasista que chegava mesmo até o marrom - cor final de decomposição, depois a qual as folhas caem. Pequenas amêndoas atestavam o seu esforço, e também elas se preparavam para ganhar coloração dourada e, por sua vez, completado o ciclo, tombar sobre o meio-fio, se não as colhe algum moleque apreciador do seu azedinho. E como o cronista lhe perguntasse - fala, amendoeira - por que fugia ao rito de suas irmãs, adotando vestes assim particulares, a árvore pareceu explicar-lhe:
- Não vês? Começo a outonear. É 21 de Março, data em que as folhinhas assinalam o equinócio do outono.Cumpro meu dever de árvore, embora minhas irmãs não respeitem as estações.
- E vais outoneando sozinha?
- Na medida do possível. Anda tudo muito desorganizado, e, como deves notar, trago comigo um resto de verão, uma antecipação de primavera e mesmo, se reparares bem neste ventinho que me fustiga pela madrugada, uma suspeita de inverno.
- Somos todos assim.
- Os homens, não. Em ti, por exemplo, o outono é manifesto e exclusivo. Acho-te bem outonal, meu filho, e teu trabalho é exactamente o que os autores chamam de outonada: são frutos colhidos numa hora da vida que já não é clara, mas ainda não se dilui em treva. Repara que o outono é mais estação da alma que da natureza.
- Não me entristeças.
- Não, querido, sou tua árvore-da-guarda e simbolizo teu outono pessoal. Quero apenas que te outonizes com paciência e doçura. O dardo de luz fere menos, a chuva dá às frutas seu definitivo sabor. As folhas caem, é certo, e os cabelos também, mas há alguma coisa de gracioso em tudo isso: parábolas, ritmos, tons suaves... Outoniza-te com dignidade, meu velho.
Carlos Drummond de Andrade - Fala, amendoeira (1957)




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