Bacuri da Ilha do Marajó vira doce de cortar
Comida Saudável

Bacuri da Ilha do Marajó vira doce de cortar



Aqueles bacuris que a Jerônima me levou ao Terra Madre foram devidamente roídos até o osso - ou os caroços que, infelizmente são muitos e são grandes. O espaço destinado à polpa branca, ácida e algodoada é ínfimo. O melhor é o tal do filhote, que é como se fosse uma polpa sem caroço que, talvez por falta de espaço, se atrofia no desenvolvimento (nossa, que chute botânico!). O fato é que esta polpinha comestível in natura representa cerca de 4 a 30% do peso do fruto. Grande parte do peso está na casca grossa, amilácea e resinosa. Mas lá no Terra Madre ouvi de orelhada, não me lembro mais de quem, que a casca também pode ser usada para fazer doces. E que geralmente é cozida em latas que possam ser desprezadas pois a resina que solta é tão grudenta que inutiliza a panela. Pensei: se for como a da jaca não tem segredo.
Bem, não deu outra, cheguei aqui e comi de imediato o que interessava. A polpa lembra o mangostão, de quem é parente, mas consegue ser ainda mais gostoso. Lavei bem as cascas e cortei em pedaços grandes. Cobri com água e levei ao fogo para ferver. Dei três fervuras com novas águas, para eliminar o máximo possível da resina que se solta, conforme aprendi neste comunicado técnico.
Cozinhei por cerca de meia hora, quando deve estar bem macio, com textura de batata cozida. Escorri a água e de fato a panela estava coberta de resina. Não adianta passar sabão, bucha, quanto mais passa água, mais ela fica elástica e grudenta. Usei a mesma técnica que uso no caso da resina de jaca - óleo. A resina é lipossolúvel e se dissolve facilmente quando passa um papel seco com qualquer tipo de gordura. Seque bem e lave normalmente. Simples assim. Não tinha ideia de como poderia ficar o doce, nem a textura nem o sabor. Fui pela intuição e achei o resultado muito bom, bem azedinho.
Quem não aprecia doces ácidos talvez prefira juntar a ele alguma outra fruta sem acidez, como a banana ou o caqui, por exemplo. Deve ficar bom. Pena que só tinha duas frutas para testar. O interessante é a ótima proporção de carboidratos, especialmente pectina, que se nota assim que a polpa é batida com água. Aliada à boa acidez, a massa vira doce denso rapidamente. Ainda vou fazer algumas experiências com o doce já pronto, aguarde. Por enquanto, a receita dele:

É mais fácil cozinhar primeiro e depois tirar a película externa, puxando com a faca
Para limpar a resina que fica grudada na panela, basta passar papel com óleo
No ponto certo, o doce desgruda do fundo da panela

Ótimo rendimento e uma forma barata de enriquecer a dieta das crianças e inventar combinações gostosas (imaginei o desperdício de cascas na indústria de polpa congelada - será que aproveitam?)
Doce de bacuri
500 g de casca já cozida e sem a película (cozinha primeiro e tira depois)
2 xícaras de água
250 g de açúcar
Bata no liquidificador a polpa, que foi cozida até ficar bem molinha, com a água. Coloque numa panela com o açúcar e leve ao fogo. Cozinhe por cerca de 20 minutos em fogo brando, até começar a se soltar do fundo da panela, como uma polenta. Despeje num recipiente de vidro e espere esfriar. Tampe e guarde na geladeira. Pode ser desenformado, se quiser. Use para recheio, para comer com queijo ou junto com doce sem acidez, como compota de abóbora, por exemplo.
Aqui com geleia de pimenta e queijo de leite de búfala de Soure, da Ilha do Marajó
Sobre o bacurizeiro
A espécie Platonia insignis Mart. é uma arbórea nativa da Amazônia, com seu centro de diversidade genética provavelmente sendo o estado do Pará. Hoje pode ser encontrado também nos estados do Maranhão e Piauí. No Pará é um dos frutos mais apreciados e que atinge maior preço no forte mercado de polpas. Os pomares comerciais são raros (Jerônima tem cerca de 100 pés na fazenda dela, em Soure, na Ilha do Marajó, mas isto não é comum). Geralmente os frutos vêm do extrativismo. A planta demora para frutificar e a polpa é ínfima, mas agora já sabemos que a casca também pode ser aproveitada porque é nutritiva, azedinha, cheia de aroma e com alto percentual de pectina.
Mas não é só a casca e a polpa que são úteis nesta planta. Dos caroços também se extrai óleo e li que pode ser comestível como castanhas ou amêndoas. A ver. E a madeira do bacurizeiro é muito cobiçada. Tanto que na Ilha do Marajó, segundo minha amiga Jerônima, há 20 anos havia muito bacurizeiro por lá. Hoje, são pouquíssimos pés descontando os dela. Diz que vende cada fruto a R$ 1,00, o que quer dizer que quem gosta paga caro pela fruta. Ainda assim, dá-lhe motossera nos bacurizeiros porque a madeira vale mais e parece ser uma alternativa atrativa para a população de lá, mas, claro, não é sustentável. Tomara que acordem, façam mudas e repovoem os quintais e as matas com bacurizeiros.




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