Banana-comprida, pacova, pacovã, pacoba, pacovão, banana-da-terra. Pão de banana
Comida Saudável

Banana-comprida, pacova, pacovã, pacoba, pacovão, banana-da-terra. Pão de banana


Ela faz parte do imaginário coletivo amazônico. Junto com os coquinhos gordurosos e frutas cheirosas de grandes caroços, a banana-da-terra segue inabalada mesmo depois do surgimento do freezer que nos impede de ver a fruta in natura. Para o bem e para o mal, tudo vira polpa congelada. Cupuaçu, açaí, taperebá, murici, bacuri. Para o bem porque não é todo mundo que tem tempo para ficar tirando polpa de cupuaçu na tesoura. Para o mal porque há polpas tiradas sem nenhum cuidado higiênico e há aquelas feitas com mais água que fruta.  


Mas como banana congelada não presta para suco ou cremes (aquela fórmula inváriável: 1 lata de creme de leite, 1 lata de leite condensado e 1 lata de qualquer fruta ácida - que pode ser mudada, acredite), ela segue ainda seu caminho primordial nos mingaus puros ou com tapioca, quase sem açúcar, deliciosos, ou em toletes cozidos pra servir de pão. Nas ruas, chips de banana, em casa, dourada na manteiga para comer com mel ou farinha, assada na brasa, no forno, cozida no vapor. Deu pra perceber sua força em Manaus, Belém, Ilha do Marajó e agora em Rio Branco e Acrelândia. Pra onde se olha tem lá um cacho de banana-da-terra,  que recebe outros nomes como banana-comprida, no Acre ou pacovã em Manaus.  É gente levando na moto, trocando por material de construção, presenteando o vizinho, trazendo da colônia. Ela só não é muito vista nos supermercados e, quando há, está junto com maçãs e peras, meio morta, encruada e enegrecida, em salas refrigeradas.  


Bem, eram estas as nossas bananas, bananas-da-terra, quando os homens chegaram. As outras, de comer cru, chegaram depois.  Veja aqui a descrição dos viajantes Léry e Gabriel Soares de Souza.


Homem carregando bananas na garupa

A pacoére [Pacobeira] é um arbusto que tem em geral de dez a doze pés de altura [...]. O fruto, a que os selvagens chamam pacó [...] tem mais de meio pé de comprimento e se assemelha ao pepino, sendo como este amarelo, quando maduro [...]. A fruta é boa; quando chega à maturidade tira-se-lhe a casca como figo fresco e sendo gomosa como este parece que se saboreia um figo [...] é verdade que são mais doces e mais saborosos do que os melhores figos de Marselha. Deve portanto a pacova figurar entre as frutas melhores e mais
lindas do Brasil [...]" 
1557 / Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
LÉRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil (1555-1557). São Paulo, EDUSP/ Biblioteca Histórica Brasileira/ Martins Editora, 1972. p. 129-30

"Pacoba é uma fruta natural desta terra [...] tem um palmo de comprido e a grossura de um pepino, as quais tiram as cascas [...] e fica-lhes o miolo inteiro almecegado, muito saboroso. Dão-se estas pacobas assadas aos doentes em lugar de maçãs, das quais se faz marmelada muito sofrível, e também as concertam como berinjelas, e são muito gostosas; e cozido no açúcar como canela são estremadas, e passadas ao sol sabem a pêssegos passados. Basta que de toda a maneira são muito boas [...] a estas pacobas chama o gentio pacobuçu, que quer dizer pacoba grande. Há outra casta, que não são tamanhas, mas muito melhores no sabor [...]. Há outra casta, que os índios chamam pacobamirim, que quer dizer pacobapequena, que são do comprimento de um dedo, mas mais grossas; estas são tão doces como tâmaras, em tudo mui excelentes. As bananeiras têm árvores, folhas e criação como as pacobeiras, e não há nas árvores de umas às outras nenhuma diferença, as quais foram ao Brasil de São Tomé, aonde ao seu fruto chamam bananas [...] as quais são mais curtas que as pacobas [...] e o miolo mais mole, e cheiram melhor [...] e não são tão sadias como as pacobas. Os negros de Guiné são mais afeiçoados a estas bananas que as pacobas, e delas usam nas suas roças [...]" 
1587 / Recôncavo, Bahia / SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil (1587). São Paulo, EDUSP/ Companhia Editorial Nacional, 1971. p. 188-9

Assim como as outras bananas, a banana-da-terra também tem sabor adstringente quando a fruta está verde e isto se deve à presença de taninos. À medida que o fruto amadurece o sabor adstringente desaparece, embora o tanino ainda esteja presente mas na forma insolúvel. O sabor continua sendo adstringente por muito mais tempo que as outras bananas e só regride quando sua casca já está quase completamente preta. Nas bananas comuns também ocorre, com a maturação, a transformação do amido em açúcar. Com a banana-da-terra o mesmo não se dá na mesma proporção.   Por isto, mesmo quando madura, ela ainda é muito mais rica em amido que em açúcares e é mais gostosa e melhor digerida quando cozida. Então, seja pelo tanino, seja pelo amido, será sempre melhor cozida, sendo aproveitável desde verdolenga a bem madura. 


Apesar da produção farta deste tipo de banana no Acre, não vi um aproveitamento à altura. Chips, frita, cozida ou em mingau - não vai além disso e, mesmo assim, mais em Rio Branco que em Acrelândia. Por isto fiquei morrendo de vontade de passar um tempo por lá só inventando moda com as bananas compridas (como são grandes aquelas bananas!). Sopas, purês, bolos e bolinhos, pamonhas, doces de corte, sorvetes, cremes. Por aqui, uma banana pequena custa R$ 1,00 no Mercado da Lapa. Em Acrelândia, são quatro ou cinco enormes por um real.  Dado  o pouco tempo para experimentações, apenas recheei tapiocas e fiz um pão com castanhas-do-pará (do Brasil, da Amazônia) que levei no dia da oficina com as merendeiras.  


Pensei num pão de mandioca e substituí um ingrediente pelo outro. Quanto às castanhas, é difícil atualmente avistar uma castanheira naquelas terras, mas afinal ali seria o lugar delas. Nos supermercados, não encontrei, mas consegui algumas com a Dona Maria Concebida que faz umas tapiocas com castanhas com um contraste incrível de texturas - elástica da tapioca e crocante das castanhas.  Mas, chega de enrolar, vamos à receita do pão:

Em vez de panos, usei folhas de bananeira para embalar os pães quentes
Pão de banana-comprida

30 g de fermento biológico fresco ou 10 g (1 colher de sopa) de fermento biológico seco
1,5 xícara de água (360 ml)
500 g de purê de banana-da-terra (cozida com casca na água até ficar macia, descascada e amassada)
2 colheres (chá) de sal
Cerca de 800 g de farinha de trigo (a quantidade pode variar com o teor de umidade da banana)
1 ovo
100 g de manteiga em ponto de pomada ou óleo
200 g de castanha triturada 

Numa tigela grande, misture o fermento com a água, o sal e a banana. Se preferir, bata estes ingredientes no liquidificador até obter uma massa bem lisa. Junte metade da farinha e misture bem com colher de pau. Acrescente o ovo e a manteiga ou óleo e mexa bem. Vá juntando farinha de trigo aos poucos. Quando ficar difícil de mexer, junte as castanhas - reserve 1/4 da quantidade para polvilhar sobre o pão. Passe a massa para uma superfície de trabalho enfarinhada e comece a trabalhar com as mãos, juntando farinha à medida que amassa, até formar uma massa homogênea, lisa, modelável, que se solte das mãos. A massa deve ser colocada novamente na tigela, coberta com plástico ou um pano. Espere crescer até dobrar de volume (caso não tenha experiência com pães, faça uma bolinha com a massa e deixe num copo com água em temperatura ambiente ? quando ela subir à superfície, a massa certamente estará no ponto). Divida a massa em três ou quatro e molde os pães compridos ou redondos  e coloque numa assadeira grande, untada e polvilhada, deixando espaço entre eles. Umedeça os pães com água e role-os sobre as castanhas picadas reservadas. Deixe crescer novamente por cerca de meia hora ou até os pães dobrarem de volume. Faça cortes com lâmina afiada, leve ao forno preaquecido bem quente (280 ºC) e deixe assar por 10 minutos. Abaixe o fogo para 230 ºC e deixe assar por cerca de 50 minutos. Os pães devem ficar bem dourados.
Rende: 3 a 4 pães 

Nota: se não tiver castanhas, tudo bem, vai dar certo do mesmo jeito. Polvilhe os pães, antes de fazer os cortes, com farinha de trigo - peneire a farinha sobre eles, sem precisar umedecê-los. 




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