Comida Saudável
Despescando o curral
Seu Brito, com o puçá - este dia foi fraco
Enquanto aqui, diariamente, acompanhamos com apreensão as cheias sem motivo aparente de estradas e avenidas, na Ilha do Marajó todas as atividades são regidas anualmente pelas estações bem marcadas; mensalmente, pela lua e diariamente, pela maré. Como um ciclo respiratório em que cada inspiração ou expiração dura em média 6 horas, os igarapés, como alvéolos, se enchem e se esvaziam em movimentos suaves. De água em vez de ar. Movimento conhecido e alternado, diferente do de carros, imprevisível. Não sei, depois de tanta má noticia nas últimas semanas sobre o trânsito insolúvel, o otimismo da indústria automobilística e o fluxo de movimento bloqueado, hoje me deu saudade da paz do Marajó, onde as pessoas ainda vivem segundo as regras ditadas pela natureza, onde vão de lugar a outro sem impedimento via bike ou búfalo, de canoa ou charete, sem pressa. E mesmo assim, as coisas fluem, vem e vão, têm ritmo, movimento constante, respiram e expiram.
A trilha para o curral - mangal
Igarapé Tucumandubinha (nome por causa da fartura de tucumãs)
O curral durante a cheia. Ainda não é hora de coletar os peixes.
Boca da Glória
O curral na vazante. É agora.
À tardinha a gente saía para despescar o curral, uma estrutura labiríntica feita com bambu-taboca (Guadua sp) e talas de marajá (Bactris sp), amarrados com cipó-titica (Heteropsis sp), todas as espécies típicas da Amazônia. A construção tem uma arquitetura peculiar, pois é feita de um jeito que o peixe entra durante a maré cheia e fica preso na maré vazante. Para poder captura-los a água tem que estar bem baixa, por isto, chegamos lá por terra (se é que podemos chamar um mangal de terra) durante a vazante. Assim cortamos caminho e estávamos no local por volta das 5 horas da tarde, quando ainda é dia e a água não vazou totalmente. Quando a maré está cheia, podemos alcançar o mesmo curral - mas é fundo pra pegar os peixes-, pegando um barco no igarapé Tucumandubinha, passando pelo Tucumanduba e chegando na Boca da Gloria por onde já se entra no marzão sem fim da baía do Marajó - um glorioso encontro de águas doces e salgadas. Só para entender: a Baia do Marajó é formada pela foz dos rios Pará e todos os outros que lhe dá vazão - Anapu-Pacajá, Jacundá, Araticu, Cupijó, Tocantins, Moju, Acará e Guamá, abrigando, portanto, água do Oceano Atlântico e a doce dos rios que ali desaguam. Limpa e de baixa salinidade, esta água é um prato cheio para um mergulho refrescante.
Mas, voltando à despescagem: Seu Brito, pai da minha amiga Kátia, o dono da fazenda, passa se esgueirando de lado pela entrada estreita do curral e logo sai com o puçá cheio de peixes que estavam lá a esperar numa piscininha. Tem dias de sorte com muito siri, pitu, piramutaba, carataí, tainha, pescada amarela e camuri (robalo flexa). Outros com muitos cascudos, bagres e baiacus que se incham todos e viram de ponta cabeça arreganhando a boquinha quando o tiramos do molhado. Todos, é claro, são devolvidos à água (sabem por lá que podem prepará-lo para tirar o veneno, mas, com tanta variedade, para que arriscar?). Acontece ainda de alguns espertinhos chegarem de barco, vindos por outras vias de acesso, antes do dono do curral. O mangal, a praia e os principais igarapés de acesso pertencem à fazenda São Jerônimo. Mas, sim, há piratas por lá. Ladrões de galinha, ops, de peixes.
Descrever o sabor dos peixes e pitus pescados assim e preparados pela dona Jerônima logo depois, no calor da lenha? Eu não sei, não. Não consigo. É demais para meu arsenal de adjetivos. Basta dizer que nenhum peixe comprado no Ceagesp, Mercadão ou feiras-livres de madrugada terão aquele sabor. Só indo lá para experimentar. Ou fiquem a sonhar.
A fazenda tem uma pousada cinco suítes para até três pessoas cada uma. Com Tv e ar condicionado na privacidade e muita emoção e liberdade ao redor.
Siri
Baiacu começando a se encher
O mesmo baiacu cheio como um balão
Peixes vivinhos
Pitus gigantes
Fazenda São Jerônimo
www.marajo.tk
(91) 3741-2093
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