Geléia de mocotó
Comida Saudável

Geléia de mocotó



Deixei as casquinhas na gelatina para enfeitar, mas na hora de comer, é só lamber e dispensar. Enfeitei com laranja pera, lima-da-pérsia, tangerina e limão siciliano.


Quase terminando o assunto mocotó, só mais algumas coisinhas.

Minha mãe aprendeu a fazer geléia de mocotó com minha avó Maria, paterna, a vó gorda. Que deveria se chamar gelatina de mocotó - a gelatina primordial. Nem meu pai nem minha mãe nem ninguém da minha família conhecia outra coisa chamada geléia que não fosse este tipo. Não era coisa de caboclo da roça que falasse em nhengatu e não tivesse ascendência européia muito próxima. Com as frutas, no máximo saíam umas compotas e doces em pastas - que, no entanto, é herança de portugueses. O melhor mesmo era comer fruta no pé, porque, uma ou outra, sempre havia.

Ora, meu pai era caipira e só conhecia a tal geléia de mocotó, que se comia bem temperada com casquinha de limão, canela e suco de laranja. Em porções individuais, em copos, de colherada. Minha mãe nunca a desenformava. Então, na primeira sexta-feira depois do primeiro salário bom como operário de uma multinacional, quis fazer um agrado à família. Nas sextas de pagamento o mimo costumava ser doce de bar - de abóbora, batata doce roxa e amarela em forma de coração, maria-mole, doce de leite, pé-de-moleque, embrulhados em papel cor de rosa. Mas aquele era um dia especial. Passou no supermercado e viu lá uns copos de vidro. No rótulo, desenho de frutinhas e nome de geléia. Destas geléias comuns - apenas fruta e muito açúcar. Nada de mocotó. Só que ele não sabia. Pensou: se geléia de mocotó com laranja já é bom, sô, imagine estas com frutas todas. Seu Toninho comprou um sabor para cada um. Cinco filhos, pai e mãe, sete copos diferentes. Uva, morango, laranja, amora, goiaba, jaboticaba e maçã ou coisas assim. Acho que da Cica. Depois da janta, cada um pegou seu sabor predileto, catou uma colher, correu para a sala, se espremeu no sofá, com a boca cheia de doce esperando a novela acabar. Na primeira colherada, hum, nham, nham....; na segunda, han?; na terceira, argh. Um a um, copos e colheres açúcaradas foram deixados na mesinha de centro. Caras de entojo, barrigas curvadas e tanta sede. Como minha mãe nunca guardava nada que tivesse sido contaminado por ?colher-de-boca?, que azeda, mais de quilo de geléia foi ao lixo no outro dia. Foi nossa primeira coleção de copos de geléia.
Que troço mais arrepiante, mais doce ? e olhe que gostávamos de tudo bem melado. Todos nós agarramos aquilo como um copinho individual qualquer de iogurte com frutas. Ou, como meu pai pensou inicialmente, uma geléia (de mocotó, como ele conhecia) com sabor. Pois enjoamos de geléia e de doce de um tanto que, nem que estivéssemos com as tripas grudadas no espinhaço de fome, encararíamos coisa parecida. Só algum tempo depois descobrimos que geléia de mocotó era uma coisa - pra comer de colherada - e geléia de frutas era outra - pra passar uma pontinha de faca no biscoito que acompanha o chá. Mas demorou.

Tamanho grande, com gomos de laranja dentro da gelatina.

Geléia de mocotó

1,5 kg de mocotó ou pé de boi
1 pitada de sal
1 cravinho
1 pauzinho de canela
1 xícara de água ou mais (se necessário)
1 xícara de açúcar ou a gosto
Casca de 1 limão (rosa, siciliano, tahiti ou misturados)
2 xícaras de suco de laranja (ou meia de suco de limão e o restante de água)

Lave bem o mocotó com água e umas gotas de suco de limão. Coloque numa panela de pressão grande e cubra com 3 litros de água. Junte uma pitada de sal e o cravinho. Tampe e leve ao fogo alto. Quando a válvula começar a chiar, abaixe o fogo e cozinhe por cerca de 1 hora e meia. Desligue o fogo, espere acabar a pressão e abra. Veja se o colágeno (o mocotó) está se soltando dos ossos. Neste ponto estará bom. Se quiser, cozinhe em panela comum, controlando a água e o ponto. Cerca de 3, 4 horas. Passe tudo por peneira. Recolha o líquido. Separe o mocotó dos ossos e reserve para fazer com favas ou em caldinho (receita no próximo post ou a de Mocofava, do Mocotó, adaptada). Deverá restar cerca de 900 ml de caldo. Leve à geladeira e espere cerca de 5 horas ou até a gelatina solidificar e a gordura sobrenadar. A gelatina deve estar bem firme. Se estiver mole, é porque precisa ser reduzida ainda mais e não precisará levar mais água. Como a extração de gelatina não é uniforme, pode ser que a quantidade de líquido que vai usar seja um pouco diferente da minha. Ou acertará na próxima receita. Com uma colher, tire toda a gordura e reserve (poderá usar para farofas, refogados, assados ou para fazer sabão). Com um paninho de algodão limpo e molhado ou um papel toalha tire todo e qualquer resquício de gordura. Leve a gelatina ao fogo com um pauzinho de canela, a água, o açúcar e as casquinhas de limão. Deixe ferver por 2 minutos. Desligue o fogo, junte o suco de laranja (ou água e suco de limão ou só suco de limão, se a gelatina já estiver no ponto certo), mexa bem e passe tudo por pano fino. Junte mais casquinhas de limão novas ou as mesmas, prove o açúcar e corrija, se achar necessário. Distribua em forminhas individuais ou em uma grande umedecida com água.

Deixe na geladeira até gelatinizar (cerca de 4 horas)

Rende: 8 porções

Nota 1: se quiser, junte gomos de laranja na gelatina ainda líquida. Ou outras frutas frescas como uvas, morangos, maçãs, peras, bananas. Não use mamão, abacaxi, kiwi ou figo crus, pois contêm substâncias proteolíticas, papaína, bromelina, actinidina e ficina, respectivamente, que quebram a proteína e impedem a gelatinização. Se cozidas, podem.

Nota 2: O mocotó é constituído basicamente de uma proteína chamada colágeno, que, apesar do que dizem, não é bem aproveitada pelo nosso organismo, porque lhe falta um equilíbrio de aminoácidos. Ou seja, não vai adiantar muito se pensarmos nele como repositor do colágeno perdido com a idade. Para esta função, melhor consumir alimentos ricos em vitamina C, esta sim usada na formação interna do colágeno que vamos aproveitar. Ainda assim, esta gelatina é mais saudável que qualquer pozinho colorido que venha em caixinha.

Nota 3: junto com o colágeno, presente na pele e nos tendões, vem junto um tanto de gordura do tutano e abaixo da pele. De 1,5 kg de mocotó, extraí 150 g de gordura. Se quiser fazer um caldo de mocotó mais leve, tem que desengordurar o caldo, como mostro nas figuras. E o colágeno restante ficará quase que totalmente sem gordura e poderá ser usado em sopas, com ou sem o próprio caldo desengordurado.




Olhe o tanto de gordura. O que está embaixo é colágeno puro.


Tire a gordura sobrenadante do caldo gelatinizado, raspando bem. Pesei só pra saber a porcentagem - no mocotó que usei, 10% era gordura.
Como deixei um pouco a gordura em temperatura ambiente (enquanto a gelatina ainda estava sólida), pude separar também a gordura saturada da insaturada (ou moninsaturada), líquida em temperatura ambiente - a parte amarela, mais saudável.



Quebre o caldo gelatinizado e coloque numa panela que será levada ao fogo para derreter. Neste momento é que o caldo vai ser temperado e adoçado.




O óleo sólido em temperatura ambiente foi separado, através de um chinois, do óleo líquido. O sólido, guardei para sabão e o líquido, o amarelo, vou usar no feijão.




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