Comida Saudável
Marajó das águas, peixes e pescadores
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Pescadores botando a rede no mar enquanto a maré não vem |
Marajó vem do tupi mbará-jó ou mistura de mar. E é uma mistura sem fim, uma briga do oceano com o rio em que cada quem leva todo ano metade da vantagem. Agora, terminando o inverno chuvoso, ainda insiste a água doce da foz do Amazonas, mas no verão impera o Oceano que no final de junho já vem chegando para o repiquete, empurrando rios, salobrando igarapés, azulando a cena e embebedando os peixes, como se costuma dizer por lá. Os peixes ficam confusos, abobados e podem ser pescados fácil durante o embate das águas. Em dezembro chegam novamente as chuvas fortes, alagando o Marajó, mostrando quem manda. E ainda tem a lua. Dizem que o marajoara é regido pela maré e a maré pela lua. Assim segue a vida do marajoara, em ciclos de dois: inverno e verão, água e seca, mar e rio, lua e maré, peixe e farinha, farinha e açaí. Dá inveja ver ali a relação forte do homem com a natureza voluntariosa, tentando domá-la e respeitá-la porque reconhece sua própria fragilidade. Ele sabe a hora das coisas e se guia por isto. Se vai, tem hora pra voltar. É a hora do barco, a hora da maré, a hora de pescar o peixe, de catar o caranguejo, hora de acordar, de comer e de descansar. E como descansam, penso eu, vendo aqueles homens e mulheres sempre sentados à varanda, olhando para o horizonte. É o que penso, pois os sentados não são sempre os mesmos. Vi como trabalham aqueles homens, que força têm quando carregam dois cestos de açaí ao mesmo tempo, cada qual com 30, 40 quilos. E muitos, se descansam, é porque ainda tem em casa um saco cheio de farinha. Muitos não tem a noção de acumular provisões e riquezas como manda nosso pensamento. Come o que tem e depois o que vem. É diferente. No fundo o que a gente sente é inveja daquele repouso e a ausência de ambição. E como comem peixe! Se tiver um peixe com farinha d´água seca ou em chibé, ótimo. Mas se tiver além disso o açaí, aí é um banquete. Não precisa de mais nada. Aquele açaí forte, com gosto de azeite de oliva recém-extraído, faz a maioria dos marajoaras salivarem. Agora pouco tinha no Marajó, é fim de safra. Só se tira um açaí fino e eles gostam do grosso, sem tempero, sem sal - e açúcar, claro, nem pensar. Farinha seca para acompanhar comida não vale - esta é para farofa com bastante manteiga. Farinha pra comer com peixe e açaí é farinha d´água que traz breve acidez e crocância dura para nossos dentes e mandíbulas moles de paulista. E o peixe pode ser moqueado, frito, assado ou em caldeirada. Valem bagre, bacu, sarda, apaiari, tamuatá, traíra, aratu, pratiqueira, piramutaba, bandeirada e os cobiçados filhote e pescada amarela, entre outros tantos. Para se refrescar, muitas plaquinhas de vendem-se chopps, que nada mais são de geladinhos, sacolés, suco congelado em saquinhos. De lanche, um beijuzinho liso ou curuba na folha da bananeira ou uma cuia de mingau de banana, milho branco ou tapioca com leite de coco. Lá pelas cinco, o tacacá em caldeirões bem areados que é como a sauna que faz suar e refrescar. E como recebem bem estes marajoaras! Já estou com saudade da simpatia, do sorriso sempre franco, das portas sempre abertas para quem quer que seja. É muito assunto pra falar. Vou na onda deles e não da pororoca: aos poucos!
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