Maturi. Coluna do Paladar - edição de 05/03/2015
Comida Saudável

Maturi. Coluna do Paladar - edição de 05/03/2015


Ainda estou no sertão da Bahia, com conexão de internet muito ruim, por isto não postei nada ainda sobre o trabalho com as merendeiras. Mas nesta noite não pude dormir porque os evangélicos da igreja vizinha à pousada resolveram fazer uma excursão e estacionaram os ônibus em frente, três ou quatro da matina, com gritos, violão, cantoria, buzinas, alarmes e tudo o mais que podia ser usado para acordar pessoas de bem que dormiam o sono dos justos. Depois de muito praguejar sozinha, me vesti e fui falar educadamente com o pastor. Foi difícil convencê-lo do inconveniente, mas por fim aceitou. Os barulhos diminuíram quase nada e o ,sono não voltou. Em compensação, pude experimentar pela primeira vez uma conexão ótima no barulho da madrugada. Só por isto, consegui baixar fotos e publicar esta postagem.  Valeu, pastor! 

Bem, até agora não encontrei ninguém por aqui que conhecesse o maturi, embora haja aqui e ali algum pé de caju. É mesmo uma especialidade do Recôncavo e outras partes do Nordeste, mas não por aqui. 

Segue o texto completo sobre a iguaria. Mas você pode encontrá-lo também, melhor editado, no blog do Paladar.  E no Estadão de ontem. 





Maturi: no início era a castanha

De nada adiantou meu já pouco conhecimento sobre o caju e sua castanha no momento em que me vi frente a frente com um galho de um cajueiro caído depois de uma chuvarada com o peso dos frutos verdes.

Você pode estar se perguntando se na cidade de São Paulo tem cajueiros assim, carregados. Pois já os venho acompanhando há algum tempo, pelo menos os do meu bairro, e sempre floresciam no começo do verão. Só há uns quatro anos, porém,  começaram a frutificar.  Pode ser pela própria idade das plantas ou talvez seja mesmo pela mudança climática. Devemos lembrar que o Anacardium occidentale tem origem no nordeste brasileiro e prefere temperaturas acima de 22 ºC, com boa quantidade de chuva, mas com uma seca de pelo menos três meses e isto não lhe temos negado.  

Porém, no início, os frutos eram abortados antes que o pedúnculo se desenvolvesse. De dois anos para cá percebi que as plantas tem segurado os frutos um pouco mais. Pelo menos dois cajus lindos tingidos de vermelho e amarelo já avistei na mesma árvore que teve o galho quebrado dia desses.

Por uma sorte minha e não do pobre do cajueiro, passei pela praça logo depois da tempestade,  quando as grandes folhas ainda brilhavam com as gotas da chuva e os pequenos cajus eram castanhas verdes em forma de rim grudadas a um projeto de fruto ? a parte que conhecemos como fruta é o pedúnculo desenvolvido, portanto um pseudo-fruto; já a castanha é a semente que vem envolta numa carapaça firme e verde.  Coloquei um saco plástico na mãos e colhi todos os frutos do galho.

Todo meu conhecimento sobre a castanha verde resumia-se em saber que seu nome era maturi, que se comia cozida, que entrava na frigideira descrita por Jorge Amado em Tieta do Agreste e que os baianos do Recôncavo a tem como uma iguaria, para inveja geral da nação.   Conhecia já seu sabor amendoado, sua textura macia e coloração arroxeada na frigideira que aprendi a fazer com minha amiga baiana Silvia Lopes. O prato é uma espécie de recheio de torta com camarão seco, leite de coco, coentro e coberto por ovos batidos. Uma delícia sem igual.

Já tinha lido também no livro de Manuel Querino, ?A arte culinária na Bahia? que na frigideira de castanha verde do caju o ingrediente entra como substituto do bacalhau e o autor até dá a dica de como extraí-la: ?retira-se a amêndoa da castanha, ferve-se para desprendê-la da película que a envolve e machuca-se para misturá-la com o camarão pisado?. Tudo bem, para bom entendedor basta, mas continuei sem saber como tirar a amêndoa da castanha.  

Revendo agora o que sabia, percebo que nem era tão pouco assim, você há de concordar. Porém, como disse, nada disto me serviu quando quis aproveitar as castanhas imaturas, pois mais um fato que conhecia era sobre o poder cáustico do óleo presente na concha da castanha. Tive que acionar meus contatos baianos e fiquei sabendo que pouca gente conhece a técnica de lidar com o fruto verde na capital porque o maturi já chega pronto para usar. Descobri também que há lugares no mesmo Estado onde nem se sabe que a castanha verde é comestível, muito menos como prepará-la.

Claro, não perguntei a Beto Pimentel, que usa o maturi em seus pratos no restaurante Paraíso Tropical em Salvador e ainda vende a alguns clientes seletos Aliás, o primeiro maturi que comi na casa da amiga veio de suas mãos (sei que no Ceasa de Salvador também é possível comprar o maturi congelado).

Minha insegurança maior era em relação à resina cáustica, irritante e inflamável, contendo ácido anacárdico, que queima a pele, a boca e tudo onde encosta. É difícil tirar a castanha sem se queimar, embora tenha visto que na Índia, onde também a castanha verde é usada, a concha é retirada por pessoas experientes com uma habilidade incrível, com dedos manchados e às vezes usando instrumentos rudimentares como um pedacinho de galho. Por aqui não deve ser diferente -  uma  extração trabalhosa e perigosa. Mas em pequena quantidade como foi meu caso e poderá ser o seu, é compensador.

Antes de mostrar a técnica de extração do maturi é bom que se diga que o caju tem origem no nordeste brasileiro e seu consumo não é privilégio dos baianos do Recôncavo, embora ele esteja intimamente associado à sua cultura alimentar.  Até nos países para onde o caju foi levado e que hoje são grandes produtores, como Índia e Nigéria, o maturi é um estágio que se aproveita em vários pratos salgados como cozidos ou caris ? os brotos das sementes ou castanhas são outra forma de uso não praticada por aqui.

Lógico que dá dó arrancar o fruto ainda pouco desenvolvido quando ele poderá, quando maduro,  render polpa suculenta, doce e refrescante,  além da castanha crocante. Isto quando há produção pequena ou quando há cultivo comercial. Se, porém, acontece de você ter um cajueiro carregado no quintal de casa, é um alento saber que poderá prolongar a safra aproveitando todos os estágios do fruto.  Ou vai que você se depara com um galho caído no meio de uma praça.

Quanto maior a castanha verde e menor o fruto que começa a se desenvolver, melhor. À medida que o pedúnculo vai crescendo, a castanha diminui um pouco e sua casca coriácea vai se tornando mais endurecida. Quando o fruto amadurece, um jeito artesanal de extrair a castanha é queimando as cascas em ambiente externo,  porque a fumaça é irritante para os pulmões, e depois quebrando uma a uma. Outro processo trabalhoso.

Bem, com os frutos verdes nas mãos e sem respostas a questões importantes para uma iniciante, resolvi colocar em prática o que julguei certo e seguro e reproduzo aqui porque deu certo. Calcei luvas de borracha para jardinagem e torci os pedúnculos (que virariam os cajus que conhecemos) para que se quebrassem. Joguei-os fora e fiquei só com o fruto verde em forma de rim ? é dentro dele que está o maturi. Segurei firmemente a castanha apoiando-a sobre um pano numa tábua e, com uma faca serrilhada, cortei o fruto simetricamente obtendo duas conchas. Com a ponta da faca, ainda com luvas, tirei com cuidado as castanhas. Elas são soltas e saem com facilidade junto com uma película. Depois de tirar todas, coloquei as castanhas numa panela, cobri com água e aferventei com uma pitada de sal por cerca de 5 minutos ou até que a película ficasse macia e fácil de desgrudar.  Já sem luvas, escorri a água e puxei as películas com os dedos. E assim o maturi estava pronto para ir à panela que o requisitasse.

Se tiver pouco maturi para uma moqueca, frigideira ou para juntar ao frango, é só congelar o que tem para esperar o que vem.  Na hora de usar, tire do freezer e espere alguns minutos para que se soltem uns dos outros. Eles são macios, porém firmes,  e resistem bem ao congelamento.


Frigideira de maturi

2 colheres (sopa) de azeite
2 dentes de alho socado com 1 pitada de sal
1 cebola pequena picada
1 tomate pequeno picado
500 g de maturi
150 g de camarão seco (descascado, lavado, demolhado em água fria por 1 hora e escorrido)
3/4 de xícara de água
4 colheres (sopa) de coentro picado
100 ml de leite de coco (de preferência caseiro, bem grosso)
3 ovos (claras e gemas separadas)
2 colheres (sopa) rasa de farinha de mandioca tipo copioba ou outra bem fininha
Rodelas de cebola roxa, pimentão de cores variadas e tomate a gosto (para enfeitar)

Numa panela, em fogo médio, aqueça o azeite e refogue aí o alho até dourar. Junte a cebola, o tomate e o maturi. Refogue, mexendo para misturar os temperos. Acrescente o camarão e a água e cozinhe em fogo baixo até o maturi ficar macio e a água secar. Junte o coentro e o leite de coco e misture. Deixe reduzir um pouco até secar o caldo. Prove o sal e corrija, se necessário. Reserve. Bata as claras em neve com uma pitada de sal. Junte as gemas e bata até a mistura ficar bem aerada. Junte a farinha de mandioca e misture delicadamente. Retire 4 colheradas desta mistura e misture com o maturi. Coloque o refogado numa frigideira ou forma refratária  com cerca de 20 cm de diâmetro, untada com manteiga e polvilhada com farinha de mandioca. Despeje por cima os ovos batidos. Decore a gosto com rodelas de cebola, rodelas de tomate e de pimentão. Leve ao forno bem quente pré-aquecido e deixe dourar por cerca de 15 minutos.

Rende: 4 porções




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