Pão do zero, com fermento natural (levain)
Comida Saudável

Pão do zero, com fermento natural (levain)



Durante o 6º Paladar - Cozinha do Brasil, fiz o que pude para ver o máximo de aulas possível. Para isto, às vezes entrava, via um pouco e saía. Por uma feliz coincidência, estava já saindo da sala do Rogério Shimura,  onde acontecia  um bate-papo com alguns padeiros de prestígio, quando alguém perguntou para o Vittorio Lorenti, da Basilicata (padaria tradicional do bairro do Bixiga) se o levain que eles usavam era muito antigo ou quantos anos tinha. Não me lembro a pergunta exata, mas a resposta foi para mim a maior preciosidade daquela aula, que incluía também receitas de pão. 

O que ele respondeu me fez lembrar a mesma situação que vivi com Michel, padeiro francês que me acompanhou no trabalho do Senegal. Ele me olhou estranho quando lhe perguntei quantos anos tinha o seu levain. E respondeu que por acaso era antigo mais et alors?,  que importância isto tinha?  Nenhuma, nenhuma, perguntei por  perguntar, já desconfiando há algum tempo, com experiências em fermentos de Cristo e levains jovens e tradicionais,  que isto era realmente um mito, que depois de um tempo a levedura inicial, tenha vindo do figo ou das passas, acabava se diluindo e se transformando com os acréscimos frequentes de novo alimento à base de farinha e água. Os fermentos de pão ficam mais ou menos parecidos depois de levedados, desde, é claro, que reformados com frequência e que não estejam muito ácidos.   Então Vittorio Lorenti fez a mesma cara de et alors? do Michel e disse que se o fermento morre ou se perde, e isto já aconteceu várias vezes na Basilicata, é só começar um novo e ainda assim os pães italianos de lá continuam com o mesmo miolo de 98 anos atrás.

Michel, durante uma de nossas mudanças de cidade no Senegal, perdeu o levain que havia levado de Lourdes, de sua padaria artesanal, mas não perdeu a calma. Sem ficar desesperado, foi à cozinha do hotel, pediu uma bacia, água e farinha, fez uma mistura, cobriu com pano e, pronto, estava resolvido. Como o tempo era quente, em dois dias, tempo que tínhamos até a próxima atividade,  ele já havia construído um novo fermento para as oficinas. E os pães continuaram saindo maravilhosos. 

Vittorio Lorenti foi além e ensinou um jeito seguro de começar uma nova cultura, sem o risco de contaminações com outros microorganismos não desejáveis. Eu tenho um fermento antigo, presente da Mari Hirata em 2008, que já tinha nas mãos dela uns quinze anos e neste meio tempo e antes do fermento da Mari já comecei outros do zero, como já mostrei aqui. Mas gostei da forma ensinada por Vittorio  - na verdade, ele só falou rapidamente emendando o método na resposta, mas não foi difícil visualizar. Cheguei em casa e já fui fazendo uma bolinha e colocando na água. Comecei com 50 g de farinha e 30 ml de água, já que a farinha absorve 60% de água para formar uma massa modelável. Coloquei a bolinha numa jarra e cobri com água. No outro dia, joguei a água fora e juntei mais farinha à bolinha que estava  meio amolecida. Cobri de novo com água. Fiz isto durante três dias. No quarto, a bolinha se encheu de ar e subiu. Era o sinal claro de que havia ali gás carbônico da fermentação, mudando a densidade da massa. Lorenti não disse como prosseguir, mas continuei como sempre fiz com meus fermentos. Completei com mais água e mais farinha para ter uma massa densa com mais de meio quilo -  quantidade suficiente para fazer meu pão e sobrar para o próximo. E deixei fermentar por mais um dia antes de fazer minha própria receita que simplifiquei para 400, 40 e 20, para ninguém esquecer. 

Veja também como desidratar o seu fermento, caso tenha com ele algum apego sentimental (como tenho com o fermento da Mari)

Uma bolinha de farinha coberta por água
Depois de um dia, com a água escorrida 
No terceiro dia, a massa começa a se expandir
No quarto dia, a bolinha subiu

Junta-se mais água e mais farinha, cobre-se com filme plástico
Tem que deixar espaço para a massa crescer
No dia seguinte, ela estará aerada e volumosa
A massa, tudo misturado. O fermento que sobrou, guardei tampado
na geladeira por uma semana, até a próxima reforma e fornada
Os pães: um deles fiz como pão de forma e outros dois modelados



Pão integral 400, 40, 20, com levain 


Numa bacia coloque 400 g de levain (reformado no dia anterior, bem borbulhante), 400 g de farinha de trigo branca, 400 g de farinha de trigo integral (de preferência as duas orgânicas), 400 ml de água, 40 g de mel (1,5 colher de sopa), 40 g de manteiga ou azeite (4 colheres de sopa rasas) e 20 g de sal (1 colher de sopa). Misture tudo com uma colher e depois sove com as mãos, juntando mais farinha só se for preciso, até a massa ficar homogênea,  lisa, maleável. Toda esta etapa pode ser feita na máquina de pão, no modo "amassar", ciclo de 1h30 (neste caso, talvez precise abrir a tampa quando a massa estiver crescendo, lembrando que a massa não estará crescida em apenas uma hora e meia). Cubra a bacia com plástico e deixe em repouso no lugar mais quentinho da casa até a massa dobrar de volume (isto, em dias frios, pode levar até 10 horas - por isto, pode começar a fazer antes de dormir). Divida a massa em três e modele os pães. Coloque-os numa assadeira untada, cubra com plástico ou pano e deixe crescer novamente (quando apertar o pão e a massa voltar à posição inicial rapidamente, está bom - ou, se quiser, coloque uma bolinha num copo, quando ela subir, está na hora de colocar o pão no forno. Este mesmo método pode ser válido na primeira fermentação, caso não tenha muita experiência). Lembre-se que isto também pode ser demorado, algo como umas 3 horas, dependendo da temperatura ambiente.  Polvilhe farinha de trigo e corte com lâmina fina. Se quiser, umedeça a superfície e espalhe flocos de trigo ou centeio, ou gergelim ou linhaça. Leve ao forno pré-aquecido bem quente, por 10 minutos. Abaixe a temperatura para o mínimo (nos fogões domésticos deve ser mais ou menos 180 graus) e deixe assar por mais 50 minutos ou até dourar. 

E nhac! 





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