Precisamos desfazer os malefícios do açúcar em excesso
Comida Saudável

Precisamos desfazer os malefícios do açúcar em excesso


Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

Estudos científicos revelam que a frutose, componente do 
açúcar adicionado, é tóxica para o fígado quando consumida em
excesso, sendo convertida em gordura



por Aseem Malhotra

Como um cardiologista de um movimentado hospital de Londres, os efeitos do açúcar sobre a saúde são óbvios para mim, ainda que não sejam para muitos dos meus pacientes.

Eu fui recentemente visitado em minha clínica por uma mulher de seus 40 anos que estava se recuperando de um ataque cardíaco 3 meses antes. Ela reclamava que não podia compreender porque tinha ganhado 13kg, apesar dos seus esforços em perder peso.

Uma olhada rápida no topo da sua bolsa me deram a resposta: lá estavam uma bebida láctea "low fat", da qual ela vinha consumindo dois litros ao dia em um esforço concentrado para melhorar sua saúde.

Apesar das afirmações de saúde estampadas no rótulo, a garrafa de 1 litro continha cerca de 35 colheres de açúcar adicionado, completamente desfazendo qualquer bem que o conteúdo reduzido de gordura possa ter tido.

A experiência dela tipifica a de milhões de consumidores, que foram levados a acreditar que tudo o que importa na sua comida e bebida é o conteúdo de gordura, e assim optam pelas versões com pouca ou nenhuma gordura - supostamente opções saudáveis.

Na prática, agora sabemos que os níveis excessivos de açúcar são mais danosos que aqueles de gordura, fazendo uma contribuição muito maior às nossas estatísticas galopantes de obesidade, bem como à escalada de condições como diabetes tipo 2, doença cardiovascular e mesmo doença.

Nossa obsessão moderna com produtos de pouca gordura pode traçada à pesquisa de Ancel Keys nos anos 70 - um cientista americano que desenvolveu as "rações K", usadas pelos soldados durante a Segunda Guerra Mundial.

Suas afirmações - da ligação entre o consumo de gordura saturada ao aumento do colesterol e doença cardíaca - tornaram-se canônicas e levaram a uma mudança no aconselhamento nutricional, bem como a uma demanda maior dos consumidores por menos gordura.

Havia uma voz solitária que contrariava essa visão. John Yudkin, nutricionista inglês, que acreditava que o açúcar - e não a gordura - era a causa das mortes por doenças coronarianas. Apesar das falhas na análise de Keys, ele liderou com sucesso uma ofensiva que desacreditou a pesquisa de Yudkin.

Fundamental à sua vitória foi a indústria do açúcar que financiou algumas das pesquisas de Keys. A indústria do açúcar arquitetou uma campanha de relações públicas brilhante, para que as companhias se beneficiassem da venda de produtos com pouca gordura e indiretamente influenciou médicos e o público para ter uma obsessão insalubre com a diminuição do colesterol.

O seu interesse não estava apenas em manter os níveis de açúcar nos produtos, mas na verdade vê-lo usado mais extensivamente em produtos com pouca gordura - já que os fabricantes dependem dessa substância ser usada em maiores volumes para manter o sabor, na ausência de gordura.

Mas a pesquisa cada vez mais mostra que era Yudkin - e não Keys - que tinha apontado a coisa certa, e - como eu posso ver em meus pacientes - os efeitos dessas décadas de indulgência em açúcar agora são obviamente vistas.

Estamos agora em uma situação em que 64% dos adultos na Inglaterra tem sobrepeso ou são obesos, com um índice de massa corporal (IMC) de 25 ou mais, enquanto 3 milhões de pessoas no Reino Unido tem diabetes tipo 2. Entre elas, obesidade e diabetes tipo 2, os custos com a saúde pública estão acima dos 20 bilhões de libras esterlinas ao ano, um valor que provavelmente deve subir para 40 bilhões nos próximos 20 anos.

O papel do açúcar nisso tudo, bem como em outras condições, não está mais em discussão.

Estudos científicos revelam que o componente frutose, do açúcar adicionado, é tóxico para o fígado quando consumido em excesso, sendo transformado em gordura.

Ele também aumenta os níveis crônicos de insulina, o que é uma força tremenda  no desenvolvimento da diabetes tipo 2, doença cardiovascular, câncer e demência.

Só nas últimas semanas, vimos um reporte americano mostrando uma associação forte entre a proporção da ingesta calórica diária oriunda de comidas carregadas de açúcar e as taxas de morte por doença cardiovascular, e a Organização Mundial de Saúde (OMS) fazendo notar que a metade dos cânceres poderia ser evitada com mudanças de estilo de vida - apontando especificamente o açúcar, bem como o álcool e a obesidade como fatores agravantes.

E ainda assim, mesmo com tudo isso em vista, o mito continua sendo perpetrado - de que o açúcar pode ser benéfico, e os anunciantes exploram o fato ao ligá-lo ao esporte e à atividade física. Então temos uma situação na qual a Mars (N.T.: fabricante de chocolates e doces) é uma patrocinadora oficial da seleção inglesa de futebol.

A verdade é que, ao contrário da gordura e da proteína, açúcar adicionado não tem valor nutricional e que - ao contrário do que a indústria alimentícia afirma - o corpo não requer qualquer energia vinda de carboidratos que foram adicionados.

Mas a maior armação em andamento, talvez seja o marketing contínuo de produtos low-fat, como se fossem saudáveis. Como essa análise de hoje mostrou, esses itens estão lotados de açúcar. Eu recomendo a todos os meus pacientes que evitem qualquer coisa rotulada como "pouca ou zero gordura".

Nós criamos a Ação Sobre o Açúcar não apenas para aumentar a consciência sobre uma fonte de calorias inteiramente desnecessária, mas também para pressionar a indústria a gradualmente reduzir em 40% a quantidade de açúcar, a maioria da qual está escondida.

Eu me encontrei com Jeremy Hunt, o Secretário de Saúde, no mês passado e ele parece estar engajado no assunto. Mas o que precisamos é por fim à situação, criada por seu predecessor Andrew Lansley, na qual a indústria do açúcar influencia a política de saúde.

O que eu temo, é que a estratégia de negação que vimos da indústria do tabaco (que bem-sucedidamente defendeu suas práticas por 50 anos após os primeiros estudos revelarem uma ligação entre tabagismo e câncer de pulmão, até as regulamentações efetivas surgirem) continue a fazer o mesmo pela indústria alimentícia.

A chave para essa estratégia foi a negação, o plantio de dúvidas, evasão, a confusão público e mesmo a compra da lealdade de cientistas, e eu tenho medo que vejamos mais disso, à medida que o debate sobre o açúcar se intensificar.

As diretrizes correntes da OMS - que adultos não devem consumir mais de 12 colheres de chá de açúcar adicionado por dia - são insustentáveis. A organização já publicou um novo rascunho de diretriz que retem a mesma recomendação formal, mas diz que reduzir à metade, seis colheres de chá, "teria benefícios adicionais".

Isso é uma melhora, mas a verdade é que não há absolutamente nenhuma necessidade de açúcar adicionado e ele não devia ser incluído como qualquer parte de uma dieta balanceada - somente uma guloseima ocasional que todos podemos desfrutar.

O governo do Reino Unido tem uma oportunidade para abrir caminho para o mundo na forma de lidar com essa catástrofe de destrói a saúde. O Sr. Hunt estava absolutamente correto quando me disse que não há bala de prata para endereçar a obesidade mas que se ele quiser um plano de ação, então ele já tem um em mãos.

Um ano atrás, a Academia Real de Colégios Médicos, representando a maioria dos 220.000 médicos britânicos produziu um relatório com 10 recomendações para intervenções necessárias para derrubar a crise da saúde pública.

Elas incluem a introdução de um imposto sobre bebidas açucaradas, a eliminação da propaganda de junk food para crianças, e padrões nutricionais compulsórios em escolas e hospitais.

Há muito em jogo para que continuemos a permitir que ideologia política e a discussão sobre ilusória responsabilidade pessoal continuem a atropelar a evidência científica. É hora de proteger a população e a saúde de nossas crianças das manipulações e excessos da indústria alimentícia, e desfazer os malefícios de açúcar demais.


Dr Aseem Malhotra é cardiologista londrino, diretor de ciência da Ação Sobre o Açúcar e membro do Grupo de Obesidade da Academia Real de Colégios Médicos.



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