Robert Lustig: o homem que acredita que açúcar é veneno
Comida Saudável

Robert Lustig: o homem que acredita que açúcar é veneno


Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por Zoe Williams

"Nós não temos que banir o açúcar. Mas a indústria alimentícia não pode ter carta branca", diz Robert Lustig


Se você tem algum interesse em dieta, obesidade, saúde pública, diabetes, epidemiologia, sua própria saúde ou a de outras pessoas, provavelmente tem consciência de que o açúcar, e não a gordura, é agora considerada a comida do diabo. O livro do Dr. Robert Lustig, Fat Chance: The Hidden Truth About Sugar, Obesity and Disease, (N.T.: em tradução livre, "Fat Chance: A verdade escondida sobre o açúcar, a obesidade e a doença"), por mais que soe como um romance do Dan Brown, é a diferença entre saber que algo é provavelmente verdade, e ver isso afirmado como fato. Lustig passou os últimos 16 anos tratando obesidade infantil. Sua metanálise das pesquisas de ponta de grandes estudos coorte do que o açúcar faz às populações mundo afora, junto com suas próprias observações clínicas, o creditaram como iniciador da guerra ao açúcar. Quando ele chegar ao status do tabaco como inimigo, vai ser por causa de Lustig.

"Os políticos tem que intervir e reiniciar o jogo, assim como fazem com qualquer substância tóxica e de abuso, onipresente e com consequências negativas para a sociedade", diz ele. "Álcool, cigarros, cocaína. Nós não temos que banir nenhu mdeles. Não temos que banir o açúcar.  Mas a indústria alimentícia não pode receber carta-branca. Eles tem o direito de fazer dinheiro, mas não tem o direito de fazer dinheiro e colocar as pessoas em risco".

Lustig argumenta que o açúcar cria um apetite por si mesmo, por um mecanismo hormonal determinável - um ciclo, diz ele, que você não consegue quebrar com força de vontade mais do que poderia deixar de sentir sede através da força de caráter. Ele argumenta que o hormônio relacionado ao estresse, o cortisol, é parcialmente responsável. "Quando o cortisol inunda a corrente sanguínea, ele eleva a pressão; aumenta a glicemia, que pode precipitar diabetes. Pesquisa em humanos mostra que o cortisol aumenta especificamente a ingestão calórica das 'comidas de conforto'". Níveis altos de cortisol durante o sono, por exemplo, interferem com o descanso e aumentam o hormônio da fome, a grelina, no dia seguinte. Isso varia de pessoa para pessoa, mas fiquei abalado pelo reconhecimento da delícia dos donuts quando não durmo direito.

"O problema na obesidade não é o excesso de peso", diz Lustig, num hotel central de Londres que ele transformou em seu quartel-general anti-doenças metabólicas. "O problema com a obesidade é que o cérebro não está vendo o excesso de peso". O cérebro não pode ver porque o apetite é determinado por um sistema binário. Você está ou em anorexigênese - "Eu não estou com fome e posso queimar energia" - ou está em orexigênese - "Estou com fome e quero armazenar energia". O interruptor é o seu nível de leptina (o hormônio que regula a sua gordura corporal), mas insulina demais no seu sistema bloqueia o sinal da leptina.



Se você já esteve grávida ou se lembra da puberdade, lembre-se daquela fome selvagem; da maneira que ela consegue te enganar apesar das suas melhores intenções, a armadilha das comidas: bolo de natal de 6 meses, doces direto da lata. Se você for resistente à leptina - isto é, se a sua insulina estiver muito alta como resultado da ingestão de açúcar - você vai se sentir assim o tempo inteiro. 

Dizer às pessoas para simplesmente perder peso, ele me diz, "é fisiologicamente impossível e clinicamente perigoso. É um objetivo não-atingível". Ele explica isso com detalhe no livro: "a bioquímica induz o comportamento. Você vê um paciente que toma 10 galões de água por dia e urina 10 galões de água por dia. O que está errado com ele ? Ele poderia ter uma desordem comportamental, e ser um bebedor de água compulsivo ? Pode ser. Mas o mais provável é que tenha diabetes". Você poderia dizer às pessoas com diabetes para não beber água, e 3% delas pode ter sucesso - os pontos fora da curva. Mas aquilo não vai ajudar os outrs 97%, assim como perder peso não ajuda, no longo prazo, a resolver a síndromemetabólica - o vício em açúcar - do qual a obesidade é um sintoma.

Muitos estudos já sugeriram que dietas tendem a funcionar por 2 meses, e algumas por até 6. "Isso é o que os dados mostram. E então o peso de todo mundo volta rapidinho". Durante seu próprio período pesquisando e varando noites, Lustig ganhou 19kg, que nunca perdeu e agora usa exuberantemente para mostrar dois pontos. O primeiro é que peso é extremamente difícil de perder, e o segundo - mais importante, eu acho - é que ele não é nenhum guru das dietas ou do fitness. Ele não quer que ninguém seja perfeito: é apenas um cara que não quer perder a civilização para as doenças por causa da indústria. "Eu não sou um guru do fitness", diz sorrindo. "Estou 19kg acima do peso!"

"O açúcar causa doenças: não relacionadas às suas calorias e não relacionadas ao ganho de peso que se segue. É um fator independente de risco primário. Agora, vai haver pessoas da indústria alimentícia que negarão até o dia da morte, porque a sua sobrevivência depende disso". E aque nós temos a razão pela qual ele vê isso como uma cruzada e não como livro de dieta, a razão pela qual está em Londres e não em Washington. Esse é um problema da indústria; a epidemia da obesidade começou em 1980. Antes, ninguém sabia sobre leptina. E ninguém sabia o que era resistência à insulina até 1984.

"O que eles sabiam era, quando tiravam a gordura dos produtos, tinham que colocar açúca rno lugar, e quando faziam isso, as pessoas compravam mais. E quando adicionavam mais, as pessoas compravam mais, e então continuaram a fazer isso. E é assim que chegamos aos níveis atuais de consumo". Aproximadamente 80% dos 600.000 produtos alimentícios industrializados que se pode comprar nos EUA tem adoçantes calóricos (isso inclui pão, hamburgueres, coisas às quais você não adicionaria açúcar se estivesse fazendo do zero). O consumo diário de frutose dobrou nos últimos 30 anos nos EUA, um padrão também observável (apesar de não idêntico) aqui, no Canadá, Malásia, Índia, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. O consumo mundial de açúcar triplicou nos últimos 50 anos, enquanto a população apenas dobrou; a pandemia de obesidade faz sentido.

"Ela teria acontecido décadas mais cedo; a razão para não ter acontecido era que o açúcar não era barato. A coisa que o tornou barato foi o xarope de milho de alta frutose (HFCS). Eles não necessariamente conheciam a fisiologia disso, mas sabiam a economia". Adicionar açúcar à comida do dia-a-dia ligou-se tanto com a indústria prolongar a vida de prateleira do produto quanto com a palatabilidade deste; se você está comprando nas lojas das esquinas, provavelmente está comendo açúcar desnecessário em quase tudo. É difícil permanecer saudável nestas condições. "Vocês aqui no Reino Unido, estão anos-luz à nossa frente em termos de compreender o problema. Nós não temos isso nos EUA, ao invés temos essa raia libertária. Vocês não tem isso. Vocês vão resolver o caso primeiro. Então é de meu interesse ajudá-los, porque isso vai me ajudar a resolver as coisas lá".

O problema brotou no mundo inteiro em 30 anos, e é guiado pelos lucros das indústrias de alimento e de dieta, combinadas. Não estamos olhando para a pandemia mundial de ganância e irresponsabilidade: seria impossível para os cidadãos do mundo coordenar suas fraquezes com tal precisão. Uma vez que você deixa de ver isso como um problema de responsabilidade pessoal, é mais fácil aceitar o quão profunda e séria é a guerra ao açúcar. A vida não tem que se tornar integral e sem graça, mas sistemas de outdoor mandando comer cinco porções de frutas por dia são muito pouco ambiciosos.

"O problema não é um déficit de conhecimento", um especialista em obesidade uma vez me disse. "Não há uma pessoa gorda na Terra que não saiba que legumes e verduras são bons para você". Lustig concorda. "Eu, pessoalmente, não tenho muita esperança de que tais coisas vão mudar. A educação não resolveu o problema de qualquer substância de abuso. Esta é uma substância de abuso. Então você precisa de duas coisas: intervenção pessoal e intervenção social. Reabilitação e leis, reabilitação e leis. A educação vem com a reabilitação. Mas precisamos de leis".

Os Obamas o odeiam, ele diz, porque não querem lutar contra a indústria. "Eles tem um bocado de inimigos. Eu não estou bravo com eles. Na verdade, gosto deles". No papel, Lustig está absolutamente lívido. "Na América, temos essa coisa, chamada Declaração da Independência. Nós temos direito à vida, liberdade e à busca da felicidade. Não fala nada sobre a busca do prazer". Mas ele viu como funcionou com o tabaco. Levou muito tempo, diz, mas as indústrias não podem envenenar as pessoas em massa, para sempre.

"Temos que fazer algo sobre isso, ou não vai haver sistema de saúde. De fato, não vai haver sociedade. Você está pronto para isso ? É o que vai acontecer. As coisas simplesmente não estão ok. Não vai sobrar dinheiro para mais nada".

Suas predições para a saúde mundial são apocalipticamente pessimistas. Ainda assim, em sua entrevista, ele mostrou o otimismo profundamente enraizado de uma pessoa que sabe que a luta vale a pena, e que acredita que no fim, vai vencê-la.



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