A ciência de ficar sem o desjejum: Como os nutricionistas do governo podem ter entendido tudo errado
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A ciência de ficar sem o desjejum: Como os nutricionistas do governo podem ter entendido tudo errado


Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por Peter Whoriskey



Muitos anos atrás, pesquisadores em um hospital da cidade de Nova York conduziram um teste da noção amplamente aceita de que "pular" o café-da-manhã pode te fazer engordar.

Para alguns nutricionistas, esta idéia é um artigo de fé. De fato, ele foi colocado num altar nas Diretrizes Dietárias para os Americanos, o livro de aconselhamentos do governo federal, que recomenda tomar o desjejum todo dia porque "não comer o café-da-manhã esteve associado com excesso de peso corporal".

Assim como com muitas dicas de nutricionistas, entretanto, incluindo algumas oferecidas pelas Diretrizes, a passagem sobre pular o desjejum é baseada em especulação científica, não em certeza, e de fato, pode ser completamente sem fundamento – conforme o experimento de Nova York indicou.

Às 08h30 da manhã, por 4 semanas, um grupo de sujeitos comeu aveia, outro comeu sucrilhos açucarados e um terceiro não comeu nada. E o único grupo a perder peso foi... o grupo que evitou o desjejum. Outros estudos, também, já contradisseram similarmente o aconselhamento federal, mostrando que não tomar o desjejum levava a menor peso ou a nenhuma alteração.

"Em indivíduos com sobrepeso, ficar sem o desjejum diariamente por 4 semanas leva a uma redução no peso corporal", os pesquisadores da Universidade Columbia concluíram em um artigo publicado ano passado.

Uma olhada mais de perto na maneira como os nutricionistas governamentais adotaram o alerta sobre o café-da-manhã das Diretrizes Dietárias mostra o quanto especulações científicas fracas – possivelmente certas, possivelmente erradas – podem ser elevadas a regras rígidas da nutrição federal que são propagadas nos EUA.

Esse ano, com as Diretrizes Dietárias sendo atualizadas, a credibilidade de seus mandamentos nutricionais foi questionada por uma série de argumentações científicas. Seu comitê formador convocou a queda do antigo alerta contra o colesterol dietário, que há tempos assombrava a indústria dos ovos; estudos proeminentes contradisseram os alertas governamentais sobre os perigos do sal; e a condenação governamental  às comidas ricas em gorduras saturadas parece simplista, de acordo com críticos, dado o conhecimento cada vez mais intrincado sobre a nutrição com alimentos gordurosos.

As Diretrizes Dietárias são importantes porque elas moldam os conteúdos dos lanches escolares e outros programas federalmente subsidiados, e porque com a obesidade generalizada, muitas pessoas as buscam para ter aconselhamentos firmes sobre alimentação.

A noção de que ficar sem o desjejum pode causar ganho de peso entrou nas Diretrizes Dietárias em 2010, durante uma das revisões conduzidas a cda 5 anos por experts para atualizar suas conclusões.

Em preparação, um painel alinhado com o governo, conhecido como Comitê Conselheiro das Diretrizes Dietárias, coletou estudos sobre ficar sem desjejum. Alguns deles sugerem, de fato, que os que "pulam" o café-da-manhã tem maior probabilidade de ganhar peso.

Uma das peças-chave da evidência, por exemplo, foi o exame dos registros de 20.000 homens, profissionais da saúde. Os pesquisadores acompanharam o grupo por 10 anos e publicaram os resultados em 2007, no jornal "Obesidade". Eles mostraram que após ajustar por idade e outros fatores, os homens que comiam o café-da-manhã eram 13% menos propensos a ter ganho de peso significativo.

"Nosso estudo sugere que o consumo do desjejum por modestamente reduzir o risco de ganho de peso em homens de meia-idade e mais velhos", disseram os pesquisadors.

O comitê conselheiro citou isso e pesquisas similares, conhecidas como "estudos observacionais", em suporte à noção de que evitar o desjejum pode causar ganho de peso. Em "estudos observacionais", os sujeitos são meramente observados, e não associados aleatoriamente a grupos de  "tratamento" e "controle", como em um estudo tradicional.

Estudos observacionais em nutrição são geralmente mais baratos e mais fáceis de se conduzir. Mas eles podem sofrer de fraquezas que podem deixar os cientistas perdidos.

Um dos problemas primários em estudos observacionais é algo ao qual que os cientistas se referem como "fatores de confusão" – basicamente, fatores não-levados em consideração que podem conduzir os cientistas a terem premissas erradas sobre as causas. Por exemplo, suponha que os "puladores" de café-da-manhã tenham uma característica de personalidade que aumenta a sua probabilidade de ganhar peso, em relação aos comedores de café-da-manhã. Se for esse o caso, pode parecer que evitar o desjejum leve ao ganho de peso, ainda que a causa seja a característica de personalidade.

Ao analisar os resultados de estudos observacionais, os cientistas fazem ajustes estatísticos para compensar pelos fatores de confusão potenciais que podem encontrar – idade, consumo de álcool, exercício, emprego, e por aí vai. Os puladores de desjejum no estudo dos profissionais de saúde, por exemplo, tendiam a beber mais, fumar mais e exercitar-se menos. Os cientistas ajustaram suas estatísticas de acordo. Mas os ajustes são imprecisos, e não há garantias de que os grupos não sejam diferentes em alguma outra maneira que não foi medida.

Confiar em estudos observacionais já atraiu críticas ferozes de muitas pessoas da área, particularmente dos estatísticos.

S. Stanley Young, ex-diretor de bioinformática do Instituto Nacional de Ciências Estatísticas estimou que para estudos observacionais na área médica, "mais de 90% das afirmações falha em ser replicada" – ou seja, elas não podem ser reproduzidas mais tarde quando se faz experimentos mais exatos.

"Uau. Isso é realmente ciência ?" ele disse durante uma palestra na Sigma Xi, a Sociedade de Pesquisa Científica. "Todo estudo observacional poderia ser questionado".

Por causa da fraqueza dos estudos observacionais, muitos cientistas preferem experimentos reais, ou "estudos randomizados controlados", que eles frequentemente dizem que proveem o "padrão ouro" em evidência.

O Comitê das Diretrizes Dietárias de 2010 cita um estudo randomizado controlado na questão do desjejum. Esse estudo, conduzido em crianças no México, "não encontrou relação com o desjejum sozinho" e o ganho de peso, de acordo com um sumário do comitê.

Mas o comitê ignorou tal estudo e deu peso a diversos outros estudos observacionais.

"Evidência modesta sugere que crianças que não comem o desjejum tem risco aumentado de sobrepeso e obesidade", o comitê disse. "A evidência é mais forte para adolescentes". Para os adultos, a evidência foi descrita como "inconsistente".

Isso foi dificilmente um "grande suporte" ao que poderia ser chamado "hipótese do café-da-manhã", mas foi o suficiente para fazer com que as agências federais que escrevem as diretrizes – o Departamento Americano de Agricultura (USDA) e o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (DHHS) – comprassem a idéia. A recomendação do desjejum e sua ligação com a obesidade tornaram-se parte das diretrizes dietárias 2010, como aconselhamento para perder peso.

"Coma um café-da-manhã rico em nutrientes", elas disseram. "Não comer o desjejum esteve associado com peso corporal excessivo, especialmente entre crianças e adolescentes. Consumir o desjejum também esteve associado com perda de peso e manutenção da perda de peso".

Questionada como o governo poderia recomendar o desjejum diariamente como maneira de perder peso, dada a evidência em contrário, Angela Colson, porta-voz do DHHS, não respondeu diretamente. Ao invés, ela referenciou por e-mail páginas da introdução das Diretrizes Dietárias que em termos gerais listavam os tipos de evidências levadas em consideração.

Linda Van Horn, professora de nutrição e medicina preventiva da Universidade Northwestern, fez parte do comitê de 2010. Ela explicou em um e-mail que a quantidade de evidência disponível na época era "limitada" e que mais pesquisa foi conduzida nos últimos 5 anos. Ela reiterou, também, que os alimentos do café-da-manhã podem ser especialmente bons para você.

"Independente da evidência, entretanto, pode ser importante para você reconhecer o valor de comer o desjejum devido à inclusão frequente de alimentos mais ricos em fibras", disse o seu email. "Como você está certamente sabe, americanos comem apenas metade da recomendação dietária de fibra".

A noção de que comer o desjejum é bom para perder peso não era nova – um ano antes das Diretrizes Dietárias, o popular site WebMD publicou um artigo chamado "Pule o desjejum, engorde". Mas a adoção federal da idéia deu a ele proeminência adicional. Nos meses que se seguiram à publicação das diretrizes, a noção divulgada por jornais no país inteiro.

O Tampa Tribune ofereceu esse conselho a homens que tentam perder peso: "Muitos caras deixam de comer o desjejum. Não faça isso".

O Baltimore Sun disse "Comer o desjejum é uma importante estratégia para o controle do peso".

E em Salt Lake City, o Desert Morning News reportou que "O desjejum pode ser na realidade a refeição mais importante do dia, e comê-lo regularmente pode ajudar uma pessoa a perder peso".

O problema com todos esses pronunciamentos é que, à parte de levantarem dúvidas sobre a credibilidade de outros aconselhamentos dietários governamentais, o que eles podem na prática é fazer com que as pessoas comam o café-da-manhã quando não o desejam, potencialmente levando ao ganho de peso.

David Allison, da Universidade do Alabama em Birmingham, tornou-se um dos maiores críticos do que ele vê como mau-uso da pesquisa nutricional. Ele recentemente compilou uma lista dos estudos randomizados controlados que investigam a ligação entre o desjejum e a obesidade.

Ele encontrou 5, incluindo uma variedade de desjejuns diferentes, e nenhum ofereceu evidência clara de que evitar o café-da-manhã leve a ganho de peso. (A pesquisa do New York Times foi financiada pela Aveia Quaker, uma subsidiária da PepsiCo, apesar de que os resultados dificilmente seriam classificados como "algo que a empresa gostaria"). Majoritariamente, ao que parece, deixar de comer o desjejum não faz diferença. Um sexto estudo, publicado esse mês na revista Obesity, também não mostrou diferenças na perda de peso entre aqueles que comem o desjejum e aqueles que não comem, apesar de que os sujeitos que tiveram um desjejum rico em proteínas ganharam menos gordura corporal.

Allison atribui a ampla adoção da hipótese do desjejum ao menos em parte a pesquisadores que concluem demais a partir de estudos observacionais, e erroneamente ignoram a evidência mais forte dos estudos randomizados controlados. Além disso, ele especula que "pode haver algum sentimento de que comer o desjejum é 'moral' e 'correto'", e que isso torne as pessoas mais desejosas de acreditarem que é bom para elas.

Quando, nos próximos meses, o governo revelar as diretrizes 2015, é incerto se o aconselhamento sobre desjejum e ganho de peso será incluído. O comitê conselheiro 2015 publicou um relatório que passou longe do assunto "pular o desjejum e peso".

"Eu simplesmente não acho que tenha emergido como uma questão prioritária", disse Barbara Millen, presidente da Millenium Prevention, uma companhia de ciências recém fundada, e membro do comitê 2015. "O sentimento era de que não tínhamos mais nada a dizer sobre isso. Não queríamos nos focar numa lista de comidas e refeições. Estávamos nos focando em padrões dietários no geral".



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