Adega Velha, parte 2 - O vinho do engenheiro
Comida Saudável

Adega Velha, parte 2 - O vinho do engenheiro



Em quantos lugares você já foi, bebeu vinho da casa e o vinho era realmente da casa, tão da casa que está ali em talhas perto de você? Pois é, a jarrinha com aquele vinho tinto direto da fonte casou perfeitamente com aquela comida simples e substanciosa com caldos aromáticos, cheios de sabor, como um resumo do campos do Alentejo. O Engenheiro Joaquim Bação, dono da Adega Velha explicou que o imóvel já era da família, mas era alugado para uma adega até que resolveu montar o restaurante há 20 anos. E manteve parte das características.

O companheiro de viagem Jefferson Lessa, do jornal O Globo, esperando sua vez
No vídeo se vê um pouco da arquitetura do lugar e da escassez de funcionários na cozinha. A cozinheira anda de lá pra cá também servindo. Tudo funciona razoavelmente bem dentro daquela proposta. E o vinho fazia parte deste cenário.
Feito pelo engenheiro com uvas de pequenos produtores, o vinho fica ali maturando em enormes e antigas talhas de barro cobertas com azeite, segundo ele, para não oxidar. Como o óleo fica na superfície, é só ir tirando o líquido, que não se mistura, por baixo. As talhas são ainda cobertas com papel e bem amarradas. Sabe-se lá que uvas são usadas, como é feito, mas o fato é que o vinho não era ruim. E fazia todo o sentido naquele lugar e naquele momento.
Mas, embalada pela emoção da hora, perguntei ao engenheiro se ele vendia um pouco para eu trazer para o Brasil. Ele disse que sim, claro, só precisava ir logo ali buscar uma garrafinha. Depois disto, ainda conversou, cantou, fumou, bebeu vinho, brincou. Todo mundo ali parece ter o tempo do mundo a seu dispor. Ninguém tem pressa de ir embora, vai ficando. E como bons brasileiros, também fomos ficando...
Pensei que ele tivesse esquecido do vinho já decorrido muito tempo do pedido. Mas ele me abordou e recomendou que não fôssemos embora antes que ele voltasse com meu vinho. Não tinha mais como fugir, tinha?
Demorou, demorou, já estávamos na porta da tasca quando ele chegou em sua caminhonete e descarregou na rua de pouco movimento os galões de plástico que não correspondiam em nada com a minha fantasia de uma garrafinha de vidro verde e quem sabe até uma palhinha em volta à moda dos vinhos toscanos. Nem no estilo nem no volume. Cinco litros por 12 euros!
Enquanto tirava os galões, ainda declamou poema, cantou você-pensa-que-cachaça-é-água para alegria dos brasileiros, fez graça e não deixou de perceber o carro que esperava para passar. Eu estava filmando e neurótica com o carro esperando ali. Achava que o moço ia buzinar, chingar, descer do carro, acabar com aquela farra de gente desocupada. Mas qual nada.
O moço esperou o descarregamento, as piadas, a música e a graça com paciência. Quando não havia mais vinho na caminhonete, o engenheiro pediu a colaboração de todos para, em sinergia, tirar os galões da rua e dar passagem ao carro. Veja isto no vídeo. E o moço passou por nós sem acelerar. Ali as coisas parecem funcionar assim, sem pressa, e por isto Mourão me pareceu uma forte candidata à Città Slow (no site do Città Slow, são destacadas como City Slow em Portugal: Lagos, São Bras de Alportel, Silves e Tavira).
Não preciso dizer que o galão de vinho foi um estorvo na mala, que já pesava pelos azeites, e ainda sob o risco de ficar na alfândega, pois não tinha rótulo com procedência. Não tive coragem de abrir o galão até ontem, quando o Marcos resolveu experimentar. Para a oxidação excessiva dei a desculpa do balanço da viagem, da variação de temperatura, do vasilhame... Disse que ele não era assim quando o experimentei, que era até melhor que os nossos brasileiros médios.
Ele parece não ter acreditado - nem eu (o gosto, a gente sabe, é formado pelas papilas, mas também pelo que as emoções evocam). No entanto, a ausência de bouchonné, afinal aquele vinho nunca entrou em contato com rolhas mofadiças, e de taninos duros pelo menos faz dele um bom ingrediente para sangrias ou vino de verano ao modo espanhol, com vermute ou água com gás e muito gelo (ou meu com muito vermute, por favor). Foi assim que deu pra tomar. Que façam dias de calor para poder dar cabo de 5 litros que guardei na geladeira! E pensando bem, não me arrependi de ter trazido. E viva o vinho da fonte!


Tomei assim, como vino de verano, com vermute e gelo
Só mais uma historinha do engenheiro: quando encontrei meus amigos portugueses no Tentações de Goa, contei a peripécia da Tasca do Engenheiro e o João Pedro, do Ardeu a Padaria, lembrou de um fato curioso.
Estavam ele, a mulher e filha decididos a fazer um piquenique em Mourão e deixaram para comprar víveres por lá. Quando chegaram não havia nada aberto e sua mulher se lembrou de um engenheiro que trabalhou com ela na reconstrução da cidade de Luz submersa pelas águas da represa de Alqueva. Ela sabia que ele tinha um restaurante, mas sabia também que ele não a conhecia.
Chegaram lá, perguntaram se ele não vendia alguns chouriços e outras delícias para o almoço no campo. Ele vendeu de seu próprio estoque tudo o que queriam e por fim perguntou onde pretendim estender a toalha. Disseram que iam por aí, ainda não sabiam.
O engenheiro largou tudo e disse algo como sigam-minhas-mãos. Entrou na sua caminhonete e mandou que eles o seguissem. Chegou num sítio agradável com uma casa, entregou a eles a chave e disse: - Podem ficar, podem usar a cozinha, estendam a toalha no gramado ou onde quiser, entrem, a casa é nossa. Só passem lá depois pra devolver a chave.
Na volta, quando foram devolver a chave, ele perguntou a ela: eu te conheco de algum lugar? Ou seja, tanto fazia conhecer ou não. O homem é assim. Dá pra não gostar do vinho dele?
Adega Velha
Rua Dr. Joaquim José de Vasconcelos Gusmão, 13 7240 - 255
Mourão - Portugal
Telefone: 2665 86443




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