John Yudkin: o homem que tentou nos avisar sobre o açúcar
Comida Saudável

John Yudkin: o homem que tentou nos avisar sobre o açúcar


Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

O livro de um professor britânico de 1972 sobre os perigos do açúcar, agora é visto como profético. Então por que a obra levou ao fim de sua carreira ?

por Julia Llewelly Smith



Alguns anos atrás, um livro fora de catálogo publicado em 1972 por um professor britânico há muito falecido, repentinamente tornou-se item de colecionador. Cópias que estavam juntando poeira nas prateleiras foram vendidas por centenas de libras, enquanto cópias também eram pirateadas online. Juntamente com raridades como "Sex" da Madonna, "Rage" do Stephen King (publicado com o pseudônimo Richard Bachman) e "Promise me tomorrow" da Nora Roberts; Pure, White and Deadly (N.T.: "Puro, branco e mortal" em tradução livre) por John Yudkin, um livro largamente ridicularizado na época da publicação, foi listado como um dos mais desejados trabalhos fora de catálogo do mundo.

Como exatamente um livro há muito esquecido de repente torna-se tão desejado ? A causa foi uma palestra inovadora chamada "Açúcar: a amarga verdade", por Robert Lustig, professor de endocrinologia pediátrica na Universidade da Califórnia, na qual Lustig louvou o trabalhao de Yudking como "profético".

"Sem sequer saber, eu era um seguidor de Yudkin", diz Lustig, que conseguiu o livro após a dica de um colega via empréstimo interbibliotecas. "Tudo o que esse homem disse em 1972 era a mais pura verdade e se você quer ler uma profecia de verdade, leia esse livro... Estou te dizendo: cada coisa que esse sujeito disse tornou-se verdade. Estou mesmerizado."

Postada no YouTube em 2009, a palestra de 90 minutos de Lustig já recebeu 4.1 milhões de visualizações e é creditada como a iniciadora do movimento anti-açúcar, uma campanha que pede que o açúcar seja tratado como uma toxina, assim como o álcool e o tabaco, e para que comidas carregadas de açúcar sejam taxadas, rotuladas com avisos sobre malefícios à saúde e banida para pessoas com menos de 18 anos.

Lustig é um de um número crescente de cientistas que não acreditam que o açúcar apenas te deixa gordo e com dentes podres. Eles estão convencidos de que ele é a causa de diversas doenças crônicas muito comuns, incluindo doença cardíaca, câncer, mal de Alzheimer e diabetes. Ele também é viciante, uma vez que interfere com os nossos apetites e cria uma compulsão irresistível de comer.

Esse ano, a mensagem de Lustig chegou à mídia de massa; muitos dos livros de "dietas de ano novo" focaram-se não na gordura ou carboidratos, mas em cortar o açúcar e as comidas de todo dia (sopas, sucos de fruta, pães) que contém altos níveis de sacarose. O grupo anti-açúcar não está comemorando ainda, entretanto. Eles sabem o que aconteceu com Yudkin e o quão brutal e inescrupulosa adversária a indústria do açúcar provou ser.

A história começa nos anos 1960. Naquela década, nutricionistas em laboratórios de universidades por toda a América e Europa Ocidental estavam lutando para descobrir as razões para um aumento alarmante nos níveis de doença cardíaca. Por volta de 1970, havia 520 mortes a cada 100.000 por ano na Europa e País de Gales, causadas por doença cardíaca coronariana, e 700 mortes a cada 100.000 na América. Após algum tempo, um consenso emergiu: a culpa era dos altos níveis de gordura em nossas dietas.

Um cientista em particular chegou às manchetes: um nutricionista da Universidade de Minnesota chamado Ancel Keys. Keys, famoso por ter inventado a ração-K - 12.000 calorias empacotadas em uma pequena caixa para ser usada pelas tropas durante a Segunda Guerra - declarou que a gordura era o inimigo público número 1 e recomendou que qualquer um que estivesse preocupado com doença cardíaca deveria mudar para uma dieta mediterrânea com pouca gordura.

Ao invés de tratar essas descobertas como uma ameaça, a indústria alimentícia viu uma oportunidade. Pesquisas de mercado mostraram que havia uma grande de entusiasmo público por produtos "saudáveis" e comidas com pouca gordura mostraram-se incrivelmente populares. No início dos anos 1970, as prateleiras de supermercados foram inundadas com iogurtes, cremes e mesmo sobremesas e biscoitos - todos sem gordura.

Mas, em meio a essa nova moda, uma voz se ergueu em oposição. John Yudkin, fundador do departamento de nutrição do campus de Londres da Universidade Rainha Elizabeth, vinha fazendo seus próprios experimentos e, ao invés de colocar a culpa na gordura, afirmou que havia uma correlação muito mais clara entre o aumento na doença cardíaca e o aumento no consumo de açúcar. Roedores, galinhas, coelhos, porcos e estudantes alimentados com açúcar e carboidratos, disse ele, invariavelmente mostravam níveis sanguíneos de triglicérides (um termo técnico para gordura) aumentados, o que era então considerado fator de risco para doença cardíaca. O açúcar também aumentava os níveis de insulina, ligando-o diretamente à diabetes tipo 2.

Quando ele compilou esses resultados em "Puro, branco e mortal", em 1972, ele questionou se havia alguma relação causal entre a gordura e a doença cardíaca. Afinal de contas, disse ele, nós temos comido substâncias como manteiga por séculos, enquanto o açúcar, até 1850, era uma guloseima rara para a maioria das pessoas. "Se apenas uma pequena fração do que sabemos sobre os efeitos do açúcar fosse descoberta em relação a outras matérias-primas de comida", escreveu, "essas matérias-primas seriam prontamente banidas".

Prof. John Yudkin e seu livro controverso

Isso não era o que a indústria alimentícia queria ouvir. Enquanto desenvolviam seus produtos com pouca gordura, os fabricantes precisaram de um substituto para a gordura que impedisse a comida de ter gosto de papelão, e então calibraram no açúcar. As novas comidas "saudáveis" eram pobres em gordura, mas tinham açúcar às colheradas e as descobertas de Yudkin ameaçavam atrapalhar um negócio muito rentável.

Como resultado, diz Lustig, foi orquestrada uma campanha pela indústria alimentícia e diversos cientistas para descreditar o trabalho de Yudkin. O crítico mais vocal era Ancel Keys.

Keys odiava Yudkin e, mesmo antes de "Puro, branco e mortal" aparecer, ele publicou um artigo descrevendo as evidências de Yudkin como "frágeis de fato".

"Yudkin sempre manteve sua tranquilidade, mas Keys era um verdadeiro imbecil, que apelava para nomes feios e ataques pessoais", diz Lustig, falando de Nova York, onde acaba de gravar outra entrevista para a televisão.

O órgão de controle do açúcar britânico publicou uma declaração chamando as afirmações de Yudkin de "afirmativas emocionais" e a Organização Mundial para Pesquisa do Açúcar descreveu seu livro como "ficção científica". Quando Yudkin processou, ela publicou uma retratação meia-boca, concluindo: "O Professor Yudkin reconhece que não concordamos com sua visão e aceita que temos o direito de expressar nossa discordância".

Yudkin foi "desconvidado" para conferências internacionais. Outras que ele organizou foram canceladas no último minuto, após pressão de patrocinadores, incluindo em uma ocasião, a Coca-Cola. Quando ele contribuía, os artigos que atacavam o açúcar eram omitidos das publicações. A Fundação Britânica de Nutrição, que tinha como um dos patrocinadores a Tate & Lyle, nunca convidou ninguém do departamento de Yudkin, internacionalmente aclamado, para seus comitês. Mesmo o Campus Rainha Elizabeth voltou atrás em uma promvessa de permitir o professor a usar suas instalações de pesquisa quando ele se aposentou em 1970 (para escrever "Puro, branco e mortal"). Somente após uma carta do procurador de Yudkin é que ele recebeu a oferta de uma pequena sala em um prédio separado.

"Você pode imaginar que às vezes alguém fica desanimando sobre se vale a pena tentar fazer pesquisa científica em questões de saúde ?" Ele escreveu. "Os resultados podem ser de grande importância para ajudar as pessoas a evitar doenças, mas você então descobre que elas estão sendo enganadas por propagandas projetadas para suportar itneresses comerciais, de uma maneira que você achava que só existisse em filmes ruins".

E essa "propaganda" não afetou apenas Yudkin. No final dos anos 1970, ele tinha sido tão desacreditado que poucos cientistas ousavam publicar qualquer coisa negativa sobre o açúcar por medo de serem também atacados. Como resultado, a indústria do low-fat, com seus produtos cheios de açúcar, explodiu.

Os opositores de Yudkin tinham um trunfo: a sua evidência frequentemente baseava-se em observações, ao invés de explicações, do aumento das taxas de obesidade, doença cardíaca e diabetes. "Ele podia te dizer que tais coisas estavam acontecendo, mas não o porque, ou ao menos não de maneira cientificamente aceitável", diz David Gillespie, autor do best-seller Sweet Poison (N.T.: "Doce Veneno", em tradução livre).  "Três ou quatro dos hormônios que explicariam suas teorias ainda não tinham sido descobertos."

"Yudkin sabia que muito mais dados eram necessários para suportar suas teorias, mas o que é importante sobre seu livro é a signifcância histórica", diz Lustig. "Ele nos ajuda a entender como um conceito pode ser degradado pelas forças escusas da indústria".

Robert Lustig é acreditado como o iniciador do movimento anti-açúcar moderno

Dos anos 1980 em diante, diversas descobertas deram novo crédito às teorias de Yudkin. Os pesquisadores descobriram que a frutose, um dos dois principais carboidratos no açúcar refinado, é primariamente processada no fígado; enquanto a glicose (encontrada em comidas como pães e batatas) é metabolizada por todas as células. Isso significa que consumir frutose em excesso coloca uma carga extra no fígado, que então converte a frutose em gordura. Isso induz uma condição conhecida como resistência à insulina, ou síndrome metabólica, que os médicos agora reconhecem ser o maior fator de risco para doença cardíaca, diabetes e obesidade, bem como possível fator para muitos cânceres. O filho de Yudkin, Michael, ex-professor de bioquímica em Oxford, diz que seu pai nunca ficou amargurado sobre a maneira como foi tratado, mas "ficou pessoalmente ressentido".

"Mais que isso", diz Michael, "ele era um entusiasta tão grande da saúde pública, que o entristeceu ver os danos feitos em todos nós, por causa de interesses velados da indústria alimentar".

Um dos problemas com a mensagem anti-açúcar - na época e agora - é o quão depressiva ela é. A substância é tão parte da nossa cultura, que ouvir que "comprar sorvete para uma criança equivale a evenená-la" é em geral mal-vinda. Mas Yudkin, que cresceu em meio à pobreza do leste de Londres e conseguiu uma bolsa de estudos para Cambridge, não era um estraga-prazeres. "Ele não baniu o açúcar de sua casa, e nunca privou seus netos de sorvete ou bolo", relembra sua neta, Ruth, uma psicoterapêuta. "Ele amava a diversão e nunca teria querido se privar de um prazer, parcialmente, talvez porque cresceu na pobreza e trabalhou tão duro para sair daquele nível de privação".

"Meu pai certamente não era fanático", acrescenta Michael. "Se ele era convidado para um chá, e lhe ofereciam bolo, ele aceitava. Mas em casa, é fácil dizer não ao açúcar no seu chá. Ele acreditava que se você educasse o público para evitar o açúcar, eles compreenderiam."

Graças a Lustig e à reabilitação da reputação de Yudkin, a editora Penguin republicou "Puro, branco e mortal" 18 meses atrás. As taxas de obesidade no Reino Unido atualmente são 10 vezes maiores do que eram quendo livro foi publicado originalmente, e a quantidade de açúcar que comemos aumentou 31.5% desde 1990 (graças a todo o "açúcar invisível" em tudo, de comidas processadas ao suco de laranja , do coleslaw (salada de repolho açucarada ao iogurte). O número de diabéticos no mundo quase triplicou. O número de mortos por doenças cardíacas diminuiu, graças a melhores medicamentos, mas o número de pessoas vivendo com a doença está crescendo com firmeza.

Como resultado, a Organização Mundial de Saúde está em curso para recomendar um corte na quantidade de açúcar em nossas dietas de 22 colheres de chá diárias para quase a metade disso. Mas sua diretora-geral, Margaret Chan, foi advertida que, ainda que esteja com um pé atrás, a indústria do açúcar permanece um adversário formidável, determinado a salvaguardar sua posição de mercado. Recentemente, membros dos movimentos por boa alimentação no Reino Unido reclamaram que estão sendo postos de lado por ministros que estão mais que dispostos a fazer reuniões com representantes da indústria alimentícia. "Não é mais apenas o Grande Tabaco", Chan disse ano passado. "A saúde pública precisa também lutar contra a Grande Alimentícia, o Grande Refrigerante e o Grande Álcool. Todas essas indústrias temem a regulamentação e protegem-se usando as mesmas táticas. Elas includem grupos de frente, lobbies, promessas de auto-regulamentação, processos e pesquisa financiada pela indústria que confunde a evidência e mantem o público em dúvida".

Dr. Julian Cooper, lider de pesquisa na AB Sugar, insiste que o aumento na incidência da obesidade na Grã-Bretanha é um resultado de "uma gama de fatores complexos". "Revisões do corpo de evidência científica por comitês de experts concluíram como  parte de uma dieta balanceada não induz doenças de estilo de vida como diabetes e doença cardíaca", diz ele.

Se você procurar Robert Lustig na Wikipedia, cerca de 2/3 dos estudos citados para repudiar a visão de Lustig foram financiados pela Coca-Cola. Mas Gillespie acredita que a mensagem está vingando. "Mas pessoas estão evitando açúcar, e quando isso acontece as companhias ajustam o que estão vendendo", diz ele. É apenas uma vergonha, adiciona, que um aviso que poderia ter sido levado em consideração 40 anos atrás, passou batido: "A ciência tomou um desvio desastroso ao ignorar Yudkin. Isso causou prejuízos à saúde de milhões de pessoas".



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