O microbioma intestinal tem um papel nas doenças autoimunes ?
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O microbioma intestinal tem um papel nas doenças autoimunes ?


Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por Amy Nett

Conheça seu microbioma


Se você lê esse blog rotineiramente, ou ouve o podcast do Chris Kresser, sem dúvida desenvolveu uma apreciação pelos trilhões de organismos microbianos que normalmente habitam os intestinos grosso e delgado saudáveis. A maioria destes micróbios são bactérias que co-evoluíram com os humanos, dependendo de nós para a sua sobrevivência assim como nós dependemos deles para para nossa saúde e bem-estar. Por exemplo, nós provemos os nutrientes para as bactérias que mantêm o nosso sistema imune sob controle, digerem certos carboidratos que seriam indirgeríveis por nós e produzem vitaminas e outros compostos importantes que de outra maneira seríamos incapazes de produzir. Esta relação simbiótica maravilhosa é o que compõem o seu microbioma. Uma coleção harmoniosa (assim esperamos) de microorganismos em nossos intestinos que ajudam em tantas das funções vitais dos nossos corpos.

O microbioma muda com as doenças


Nosso microbioma pode nos afeter de maneiras variadas e profundas, indo da maneira como armazenamos gordura (1, 2, 3) a se nos sentimos felizes, ansiosos ou deprimidos (4, 5, 6). Quando as comunidade de micróbios intestinais normais são perturbadas, seja porque você usou antibióticos ou está sofrendo de uma infecção bacteriana, isso pode levar à disbiose ou sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO).

A disbiose está associada com um número crescente de doenças tais como doença de Crohn (7), colite ulcerativa (8, 9), síndrome do intestino irritável (10), e diabetes tanto tipo 1 quanto 2 (11, 12). Você vai ver que a variedade e equilíbrio das bactérias intestinais é frequentemente diferente em pacientes com condições inflamatórias crônicas, quando comparados com indivíduos saudáveis. Pesquisas agora sugerem que estas doenças não são devidas a qualquer simples bactéria, mas a mudanças no microbioma inteiro. E uma vez que grande parte do nosso sistema imune localiza-se no intestino, diversas doenças resultantes da disbiose são doenças autoimunes.

O que é uma doença autoimune ?


Doença autoimune pode ser vista como um caso de identidades trocadas: o sistema imune ataca proteínas normais como se elas fossem invasores externos, danosos, e torna-se hiperativo. Normalmente, o sistema imune responde a um patógeno específico, como o vírus da gripe – e uma vez que o patógeno é eliminado, o sistema imune acalma-se e retorna ao estado normal. No caso da doença autoimune, ele continua ligado e em estado de alerta, resultando em inflamação crônica.

Com mais de 80 tipos diferentes, essa classe de doenças tem sido particularmente difícil de entender: o que exatamente faz com que o sistema autoimune ataque células humanas normais ?

O tripé da doença autoimune


O Dr. Alessio Fasano, gastroenterologista mundialmente famoso, especialista em doença autoimune e pioneiro na compreensão da doença celíaca, descreve a autoimunidade como um tripé: delineia 3 componentes cuja presença é essencial para que alguém desenvolva uma doença autoimune:

  1. Predisposição genética: certos genes tornam os indivíduos mais propensos a desenvolver certas doenças;
  2. Um gatilho: um antígeno ou proteína específico que o sistema imune reconhece como ameaça (real ou não), e que dispara uma cascata de sobreativação. No caso da doença celíaca, o gatilho é o glúten. Entretanto, na maioria das doenças autoimunes, o gatilho permanece desconhecido;
  3. Permeabilidade intestinal (conhecido em inglês como leaky gut): esta permeabilidade aumentada significa que as células normalmente acopladas firmemente estão "frouxas" e "vazam". isso permite que grandes compostos, tais como proteínas dos alimentos ou bactérias, entrem na nossa corrente sanguínea. O intestino permeável pode ocorrer devido a qualquer número de razões tais como sensibilidade a alimentos, infecções intestinais ou estresse crônico.

O microbioma tem um papel na doença autoimune ?


Atenção crescente vem sendo dada à importância do microbioma na saúde e doença – mesmo desequilíbrios leves podem ter consequências de longo alcance. Tornou-se claro que o microbioma afeta profundamente o nosso sistema imune, e novas pesquisas proveem vislumbres sobre como as mudanças no microbioma podem agir como gatilho no desenvolvimento de doença autoimune.

Um artigo recente revisou algumas das pesquisas mais atuais sobre como a saúde do nosso microbioma pode ser o fator-chave no desenvolvimento ou não de uma doença autoimune (13). Abaixo estão alguns dos principais pontos:

Duas das mais significativas doenças autoimunes em termos de morbidez e mortalidade mundiais são o Diabetes mellitus tipo 1, e a artrite reumatóide (RA).

Diabetes mellitus tipo 1


O diabetes mellitus tipo 1 (T1D) é uma doença autoimune na qual anticorpos destroem as células produtoras de insulina do pâncreas, levando à deficiência de insulina e irregularidades na glicemia. Frequentemente os pacientes são diagnosticados na infância ou adolescência, e há sabidamente uma associação genética. Entretanto, em estudos com gêmeos (que compartilham os mesmos genes), apenas cerca de 50% dos pares desenvolvem a doença. Isso suporta ainda mais a idéia de que o desenvolvimento da doença depende de mais do que somente os genes. Por exemplo, imigrantes tem um risco de desenvolver T1D que depende do seu local de residência, e não do seu país de origem.

Estudos observando as diferenças nos microbiomas intestinais de pessoas com T1D e indivíduos saudáveis encontraram as seguintes:

  • Crianças com T1D têm menores quantidades de bactérias benéficas;
  • Crianças com T1D tem menor estabilidade e diversidade de bactérias em seus intestinos;
  • Há diferenças significativas tanto em composição bacteriana quanto em capacidades metabólicas entre aqueles com e sem T1D;
  • Após tratamento para normalizar o açúcar sanguíneo em pacientes com T1D, houve também um retorno à diversidade microbiana nestes indivíduos.

No geral, a pesquisa está convencendo que T1D está associada a uma disrupção do microbioma normal. Neste momento, nenhum organismo em particular é responsável pelo estabelecimento da doença. Entretanto, em indivíduos geneticamente predispostos, uma alteração das comunidades microbianas normais provê um ambiente no qual a doença pode desenvolver-se.

Artrite Reumatóide


A artrite reumatóide afeta cerca de 1.5 milhões de pessoas nos EUA, e até 1% dos adultos no mundo. É uma doença autoimune que afeta muitas das articulações do corpo, mais frequentemente as dos pulsos e mãos.

Assim como com o T1D, há uma associação genética conhecida. Entretanto, estudos com gêmeos novamente provam que os genes tem um papel ainda menor no desenvolvimento da AR, comparada ao T1D. A pesquisa novamente suporta uma relação entre o microbioma e o desenvolvimento e progressão da AR. É particularmente interessante o papel das bactérias vivendo na boca dos indivíduos.

Doença periodontal e AR


  • Pacientes recém-diagnosticados com AR tem taxas mais altas de periodontite severa e mais perdas de dentes, apesar da higiene oral normal, comparados a indivíduos saudáveis;
  • A severidade da doença periodontal pode ser correlacionada com a severidade da AR;
  • Bactérias específicas que vivem na boca aumentam a severidade de doença articular, conforme demonstrado em modelos animais;
  • Bactérias específicas estão presentes tanto em placas dentais de pacientes com AR, quanto no fluido articular.

Muitas outras doenças autoimunes estão sendo estudadas para buscar por disbioses relacionadas, provendo evidência aumentada de que a perturbação do microbioma está associada com o desenvolvimento destas. Apesar de haver correlação clara entre as mudanças no microbioma e doenças autoimunes, a causalidade ainda não é clara. Isso significa que não podemos afirmar que a disbiose que leva à doença autoimune, ou se a disbiose é o resultado de um sistema imune hiperativo e descontrolado. 

Mais uma razão para tomar conta do seu intestino ?


Como se já não tivéssemos razão suficiente para tomar conta de nossos intestinos e ajudar nossas bactérias benéficas a florescer, pode ser que reduzir o nosso risco de desenvolver uma doença autoimune é mais uma importante razão para ser gentil com o seu microbioma.



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