Quão comum é o vício alimentar ? Uma visão crítica
Comida Saudável

Quão comum é o vício alimentar ? Uma visão crítica


Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por Kris Gunnars



"Meu nome é Kris, e sou um viciado alimentar".

Eu escrevi uma série de artigos sobre vício alimentar anteriormente.

O retorno foi fantástico... muita gente comentou e me mandou emails, compartilhando sua batalha com a comida.

Falando com as pessoas, tive a sensação de que o vício alimentar é um problema muito comum.

As compulsões, pensamentos obsessivos sobre comida, falha em manter-se distante apesar do dano físico...

Estes sintomas são comuns, e acontece que são comuns no vício.

Isso tem uma base biológica bem definida, porque novos estudos já mostraram que a comida-lixo ativa as mesmas áreas cerebrais que as drogas de abuso (1, 2).

Por esta razão, pessoas que são susceptíveis a tornarem-se viciadas, podem tornarem-se viciadas em comidas, da mesma maneira que viciados em drogas tornam-se viciados em drogas.

Eu sei pessoalmente, que isso é verdade... Eu sou um viciado em drogas, alcóolatra e ex-fumante em recuperação, e poucos anos depois de ficar sóbrio, desenvolvi vício por comidas insalubres.

As compulsões, os processos de pensamento, a falta completa de auto-controle. Eram exatamente os mesmos do meu vício em drogas, só que com uma substância diferente cujas consequências sociais não eram tão severas.

Apesar de eu ter certeza de que vício alimentar existe há muito tempo, é um termo relativamente "novo" e ainda não é inteiramente reconhecido como distúrbio.

Felizmente, as coisas estão mudando. O número de artigos sobre vício alimentar na literatura científica tem aumentado rapidamente nos últimos anos.

Diversos estudos foram conduzidos na tentativa de avaliar o quão comum é o vício alimentar, bem como a maneira como ele afeta o peso e o risco de doença crônica das pessoas.

Os resultados são bastante chocantes, e deveriam servir como um alerta para profissionais de saúde e autoridades de saúde pública... Muitos dos quais não fazem idéia da existência desse enorme problema de saúde.

Como o vício alimentar é diagnosticado ? A Escala Yale de Vício Alimentar



Assim como com a maioria dos outros vícios, não há teste sanguíneo que diagnostique o vício alimentar.

O diagnóstico é baseado em sintomas comportamentais, e usualmente feito através de questionário.

O DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais) contém os critérios oficiais usados pelos profissionais de saúde para diagnosticar desordens mentais.

Infelizmente, vício alimentar ainda não é reconhecido pelo DSM.

Entretanto, uma escala chamada Escala Yale de Vício Alimentar foi desenvolvida para diagnosticar o vício  (3, 4).

It is a set of 27 questions that assess a person’s eating and how it relates to the DSM’s official criteria for addiction.

Você pode encontrar as questões aqui e as instruções sobre como interpretá-las aqui.

Alguém que seja um viciado alimentar de acordo com essa escala, tem as mesmas respostas cerebrais e sintomas comportamentais que um viciado em drogas – apenas a substância em questão é que muda (5).

Lição de casa: A Escala Yale de Vício alimentar é usada para diagnósticar vício alimentar. É um conjunto de 27 questões que relacionam-se aos critérios oficiais usados por profissionais de saúde para diagnosticar adição.


A prevalência do vício alimentar nos EUA


O maior estudo já feito sore a prevalência (percentagem de pessoas que apresentam dado trato) do vício alimentar foi publicado em março/2014.

Ele incluiu 134.175 mulheres participantes do Estudo sobre a Saúde das Enfermeiras, um enorme estudo observacional nos EUA (6).

No geral, 5.8% das mulheres encaixaram-se nos critérios para vício alimentar, e os números variaram muito com a idade:

  • 45-64 anos: 8.4%
  • 62-88 anos: 2.7%
  • O vício alimentar foi raro em mulheres mais idosas (80-88 anos): cerca de 1%

O estudo não incluiu homens ou mulheres com menos de 45 anos.

Não surpreendentemente, vício alimentar esteve fortemente associado com sobrepeso e obesidade.

Quando os pesquisadores observaram a obesidade extrema (IMC > 35), estas mulheres tinham 16-18 vezes mais probabilidade de serem viciadas alimentares, comparadas àquelas que tinham peso abaixo do esperado.

Das mulheres mais jovens (45-64 anos), 14.6% das obesas eram viciadas alimentares. Este número aumentou para 24.7% quando foram consideradas mulheres com obesidade extrema.

Vício alimentar també esteve correlacionado com a atividade física reduzida e colesterol elevado. Mulheres deprimidas tinham 2x mais probabilidade de serem viciadas alimentares.

Lição de casa: No maior estudo até hoje, 5.8% das enfermeiras americanas encaixaram-se nos critérios de vício alimentar. Este número foi mais alto em mulheres mais jovens e naquelas com maior peso.

Outro estudo: Newfoundland, com homens e mulheres




Outro estudo com 652 adultos (tanto homens quanto mulheres) foi conduzido em Newfoundland, Canadá (7).

Os pesquisadores fizeram os participantes preencherem a Escala  Yale de Vício Alimentar, e então mediram marcadores como peso, IMC, circunferência abdominal e percentual de gordura corporal.

Neste estudo, 5.4% dos indivíduos atenderam os critérios para vício alimentar. Se apenas os indivíduos obesos fossem observados, 7.7% deles tinham o vício.

Mulheres tinham mais que o dobro da probabilidade de serem diagnosticadas com vício alimentar do que homens: 6.7% das mulheres, comparados a 3% dos homens.

Os viciados alimentares eram, na média 11.7kg mais pesados, tinham 4.6 pontos a mais no IMC, 8.2% a mais de gordura corporal e 8.5% mais de gordura visceral.

Curiosamente, nem todos os viciados alimentares eram sobrepesados ou obesos. 11.4% tinham peso normal ou abaixo do normal, apesar de que estas pessoas estarão em risco mais alto de ganho de peso no futuro.

Outro achado importante do estudo foi que pessoas que não preenchiam todos os critérios, mas que ainda assim apresentavam alguns dos sintomas, tinham probabilidade muito maior de terem sobrepeso.

Na prática, houve uma correlação positiva forte entre a contagem dos sintomas e todos os marcadores de obesidade.

Isso sugere que comportamento similar ao vício, mesmo na ausência do vício  em si, foi um dos grandes motivadores da hiperfagia (alimentação em excesso) e ganho de peso.

Em outras palavras, a natureza viciante das comidas-lixo pode ser uma das razões principais pelas quais pessoas comem além do necessário e engordam.

Lição de casa: um estudo mostrou que 5.4% dos indivíduos em Newfoundland eram viciados alimentares. Sintomas do vício alimentar foram fortemente associados com todos os marcadores da obesidade, mesmo em pessoas que não atendem a todos os critérios.

Vício alimentar é ainda mais comum em certos subgrupos



Diversos estudos menores avaliaram o vício alimentar em subgrupos diferentes.

Não-surpreendentemente, pessoas obesas tem probabilidade muito maior de serem viciados alimentares.

Em um estudo, 15% dos indivíduos obesos ou com sobrepeso, que procuraram tratamento para perda de peso, foram classificados como viciados alimentares (8).

Em um estudos com Distúrbio de Compulsão Alimentar, a prevalência de vício alimentar foi de 57%. Em outro estudo usando diferentes critérios, 92% dos comedores compulsivos foram diagnosticados como viciados alimentares  (9, 10).

Isso não é de surpreender, porque as duas desordens compartilham muitos dos mesmos sintomas. 

Há também estudos mostrando que sintomas similares aos do vício são comuns em crianças com sobrepeso, sugerindo que o problema pode iniciar-se cedo (11, 12).

Lição de casa: vício alimentar é ainda mais comum em indivíduos obesos que buscam tratamento para perda de peso, bem como em pacientes de compulsão alimentar. Crianças com sobrepeso também tem sintomas parecidos com os do vício.

Algumas lições importantes sobre Vício Alimentar



Há algumas conclusões importantes a se extrair destes estudos:

  • Cerca de 5-6% da população em geral tem vício alimentar
  • Este número sobe para 15% em obesos, e para 25% naqueles com obesidade extrema (ao menos em mulheres)
  • Mulheres tem probabilidade 2 vezes maior de se tornarem viciadas alimentares que os homens
  • Mais de 50% dos pacientes com compulsão alimentar são também viciados alimentares
  • Crianças com sobrepeso tem muitos sinais de vício alimentar
  • Ter sintomas como os do vício, sem atender inteiramente aos critérios da condição, também pode ser um motivador importante da hiperfagia e ganho de peso

No geral, parece estar muito claro que o vício alimentar é real e bastante comum, especialmente entre aqueles sobrepesados ou obesos.

O que fazer disso ?


Em discussões sobre ganho de peso, frequentemente assume-se que é tudo a mesma coisa... que há uma causa única que aplica-se a todos os que estão acima do peso.

Entretanto, eu acho que a obesidade pode ter muitas causas diferentes, biológicas, psicológicas e ambientais, todas levando ao acúmulo de gordura e balanço calórico positivo.

O vício alimentar pode ser considerado um "subtipo" de obesidade. É provável seja que o motivo principal de se comer em excesso em muitos indivíduos, que podem precisar de um tratamento diferente dos não-viciados (13).

Bem... o único tratamento que funciona confiavelmente contra vícios de qualquer tipo é a abstinência completa. Isso é verdade para todos os vícios... tabagismo, alcoolismo, drogadição e vício alimentar.

Em minha opinião, dizer a um viciado alimentar para comer comida-lixo em moderação é como dizer a um alcoólatra para tomar cerveja com moderação. Simplesmente não funciona, ponto.

É claro, todos nós precisamos comer – ou morremos de inanição. Mas ninguém precisa comer comida-lixo processada: não há qualquer necessidade fisiológica por ela.

Precisamos que os profissionais de saúde e de autoridades de saúde pública abram seus olhos para a realidade desta questão, para que possamos na prática ajudar pessoas com vício alimentar.

É um distúrbio sério que reduz enormemente a qualidade de vida, aumenta o risco de doença crônica e pode levar à morte prematura.

Lidar com vício alimentar já é difícil o suficiente da maneira como é. Não ser reconhecido por médicos, nutricionistas e autoridades de saúde pública só torna isso tudo ainda mais difícil.



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