Urucum, colorau
Comida Saudável

Urucum, colorau




Da última vez que estive no sítio fizemos colorau pra família, pois o meu estoque já estava acabando. Quem sabe tudo sobre urucum, é só pular os blablablás a seguir (que aproveitei de um texto que escrevi certa vez para o site El Guia Latino, a pedido do meu amigo Ives Berger. Mas talvez seja uma curiosidade para os amigos portugueses ou para quem só conhece colorau do supermercado.

Na falta de um tomate ou do açafrão, para dar um colorido atraente a pratos salgados, o urucum é uma saída prática e acessível, especialmente quando não se quer deixar o molho ácido com o tomate (minha mãe simplesmente não concebe um frango caipira ou sopa de mandioca com tomate, tem que ser com urucum e eu tenho que admitir que a danada cozinha bem pra chuchu). Mais que uma especiaria para dar aroma, é usado principalmente como corante. Não que seja neutro - até lembra um pouco a noz moscada e há quem o triture junto com pimenta-do-reino e sal, mas não vem daí sua maior virtude. Ele serve mesmo é para aguçar o apetite pelos olhos, afinal consegue transformar um pálido peito de frango num filé dourado e apetitoso.

Em toda a América do Sul e Central, o urucuzeiro (Bixa orellana), árvore com cerca de 4 metros de altura, é cultivado e explorado desde os tempos pré-colombianos, não só como tempero, mas também como medicamento. Recebe diferentes nomes populares, que podem variar dentro de um mesmo país, como no Brasil, que é chamado de urucu, urucum ou anato. No México, Peru, Cuba, Porto Rico e Argentina ele é conhecido como achiote. Já nas Antilhas, Panamá e Colômbia é bixa ou bija, enquanto na Bolívia e no Paraguai o chamam de urucu. Na Venezuela e na Guiana, pode ser achote, rocú ou onoto; em El Salvador é guajachote; em Honduras, analto e, na Guatemala, aronotto ou color ipiacu.

Estas pequenas sementes triangulares, duras e cobertas por uma fina camada resinosa de cor rubra-alaranjada, têm uso antigo entre os índios brasileiros, que ainda hoje usam o pigmento para proteção solar, repelente de insetos, antídoto para veneno da mandioca brava e ornamentação corporal. Em outras culturas, é usado também como antisséptico, cicatrizante, contra infecções de pele, picadas de inseto, bronquite, faringite, conjuntivite, febres e males de estômago e fígado. A ciência já comprovou suas atividades antimicrobianas e como hipoglicemiante, sem falar nos benefícios indiscutíveis dos carotenóides (norabixina e bixina), que agem no organismo como antioxidantes.

Cada país, onde a planta está presente, tem sua forma própria de extrair os pigmentos das sementes (o principal deles, a bixina, é insolúvel em água, mas solúvel em gordura, por isso na maioria das vezes a extração é feito em meio gorduroso). Os nomes que citei acima são usados indistintamente para a planta, as sementes e o produto feito a partir delas. Numa rápida pesquisa no google imagens, dá para ver a variedade de formas em que o pigmento pode ser encontrado: em pó, em óleo, em cubos ou em pasta. No México e Porto Rico, o achiote, como é chamado, é vendido na forma de pasta, misturado com especiarias e algum tipo de gordura e usado para temperar aves, pescados e carne de porco. No Brasil as sementes recebem o nome de urucum ou urucu, mas quando preparado em pó (extraído em óleo e misturado a fubá, que lhe dá corpo), é chamado de ?colorau? ou ?colorífico? - que não deve ser confundido com o colorau dos portugueses, o mesmo que chamamos por aqui de páprica ou, como preferem os espanhóis, pimentón.
Quando for ler um rótulo de margarina, queijo, salsicha, sorvete e outros industrializados de cor amarela ou vermelha, procure pelo corante de código INS 160b. É ele. Tem sido usado em substituição a corantes sintéticos, já proibidos em muitos países, com a vantagem de ser natural e nutritivo.
Na culinária brasileira, a forma mais comum de encontrá-lo é como colorau, que deve ser bem solto e seco. Mas o óleo também é comum, especialmente no Espírito Santo. Se tiver acesso aos frutos (perto da minha casa há um urucuzeiro numa praça, que vive cheio de frutos), é mais divertido preparar seu próprio tempero, tanto o pó quanto o óleo. Os frutos têm que estar secos com coloração marrom-avermelhada. É só apertar para abrir e tirar as sementes. Com o tempo chuvoso elas podem estar mofadas. Só use as que estiverem bem vermelhas e sem manchas. As sementes inteiras podem também ser encontradas em casas de temperos em mercados municipais, custam bem barato. Elas até podem entrar diretamente nos pratos, mas é bom retira-las antes de servir, porque são duras e têm sabor meio amargo.
Lá no sítio, usamos um pilãozão. As sementes não devem ser trituradas com o fubá, mas simplesmente esfregadas até sair o pigmento. No começo o fubá fica alaranjado. Deve ficar bem vermelho.

Depois é só peneirar. Se ainda houver pigmento nos grãos, ele pode ser extraído no óleo, que depois é usado.
Receita de colorau
Aqueça numa frigideira, em fogo baixo, 1 colher (sopa) de óleo de soja ou girassol com 250 g de sementes maduras de urucum, mexendo sempre. Assim que tiver quente (nunca fumegante), passe para uma tigela ou almofariz, junte 250 g de fubá bem fino e vá amassando (esfregando) com mão de pilão até o fubá ficar bem vermelho e as sementinhas já desprovidas da camada vermelha. Passe por uma peneira fina e conserve em vidro escuro bem fechado. No frango, só adicione o colorau quando já estiver bem fritinho, para não embolar (lembre-se que tem fubá).

Para preparar o óleo
Misture cerca de 300 g de sementes e 1 litro de óleo de girassol, canola ou azeite de oliva. Cozinhe em banho-maria por cerca de 2 horas ou aqueça em fogo muito baixo até o óleo estar bem colorido (sem deixar aquecer muito). Se quiser, junte ao óleo alguns galhos de tomilho e/ou alecrim para deixá-lo mais perfumado. Coe e guarde em vidro bem limpo e seco. Além de prático ? pode ser usado em qualquer prato salgado no lugar do óleo comum -, é bastante decorativo, bom para finalizar a decoração dos pratos. Umas gotinhas no prato ficam lindas. Ou para dourar batatas cozidas no vapor, refogar arroz, grelhar filés de frango, camarão e o que a imaginação ditar.

Os grãos podem ser encontrados em bancas de temperos nos mercados populares.




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