Aromas e sabores da Caatinga
Comida Saudável

Aromas e sabores da Caatinga



Como disse ontem, conseguir ingredientes para as oficinas para merendeiras nem sempre foi muito fácil. A parte mais difícil eram as ervas. Queria mostrar vários usos para elas, já que a maioria das plantas aromáticas são usadas mais para chás curativos que para condimentar.

O tempero verde mais usual é o coentro e mesmo assim, fora dos dias de feira e longe dos produtores, é difícil conseguir. Manjericão, capim-santo, hortelã, manjerona, hortelã gorda e outras ervas têm uso restrito na cozinha - usam mesmo para remédio. Se bem que hortelã gorda é apreciada na carne.

Mas tive a sorte de encontrar merendeiras sensíveis e mesmo não usando as ervas na cozinha traziam as ervas do próprio muro (dizem muro quando se referem ao que entendemos por quintal). As ervas da cesta da foto vieram todas numa grande sacola de plástico que soltou um bafo de perfume quando foi aberta. Não sei se é o clima, mas as ervas parecem ser muito mais fragrantes.

Amburana-de-cheiro nunca tinham ouvido falar que poderia ser usado como tempero e ficaram surpresas com o sabor do arroz doce feito com as sementes. Manjericão no molho de tomate? Coisa estranha, acharam. Mas gostaram.

Velame, o tempero do bode: dizem que a carne de bode de Uauá é super saborosa porque o bicho se alimenta de uma erva chamada de "velame" (Croton heliotropiifolius). A erva é usada também para colocar entre a carne que se vai transportar. Muito velame vem pra São Paulo junto à carne de bode que as mães mandam para os filhos, fiquei sabendo. É para não estragar, não ficar com cheiro forte.  Colhi um pouco na beira da estrada, já que a erva cresce na Caatinga espontaneamente. As folhas são pilosas, ásperas e ninguém usa como tempero. As que trouxe, lavei bem, sequei e guardei. O perfume lembra um pouco a hortelã e o alecrim, por isto pretendo usar para temperar a carne do bode, já que a carne que vou comprar por aqui certamente não vem já temperada com velame, como é o caso da carne de Uauá, realmente muito boa (o único senão é que prefiro carne ensopada e por lá a preferência é por carne frita ou assada até que fique bem sequinha gostosa também).

Chá de flor de catingueira: um dos chás que se toma também por distração, além do efeito medicinal, é o de catingueira ou pau-de-rato (Poincianella bracteosa). Usam tanto as folhas jovens quanto as flores e casca, todos aromáticos. Já foi mais comum como substituto do café, mas hoje está em desuso. Dona Maria Helena tem um barzinho em Bendegó, povoado de Canudos (foi lá que caiu no século 18 o maior meteorito já encontrado em solo brasileiro) e parece ser o único lugar a servir o chá comercialmente. Ela vende a porção em copo de plástico (eu sempre peço o de vidro) por 50 centavos e já vem docinho. É uma delícia. Perguntei se já tinha provado com limão. Disse que não. Provamos na hora, ficou muito bom. Perguntei se já tinha pensado em servir o chá gelado. Ela disse que não, mas ficou curiosa. Ia experimentar. A primeira vez que provei foi na casa de Dona Joana.  Desta vez, trouxe um tanto, higienizei e sequei a 40 graus. Guardei para tomar quando bater a saudade do sertão.


Limãozinho: na cidade de Curaçá, que fica na beira do São Francisco, uma merendeira trouxe uma erva surpreendente não só para mim mas para a maioria das colegas. Tinha folhinhas pontudas, flores minúsculas amarelas e perfume de citronela, melissa, verbena, limão-kafir. Recebe por lá o nome de "limãozinho". Disse que nasce espontaneamente na beira do rio na época da chuva. Todo mundo quis beliscar, sentir o perfume, saber pra quê servia. Claro, é uma erva antes de mais nada medicinal, mas já fiquei imaginando num prato com leite de coco e pimenta. Conservei um galhinho comigo até o fim da viagem e já chegou em São Paulo meio capenga. Ainda assim, plantei e todos os dias vou espiar as folhinhas verdes que restaram, pra ver se a planta desperta.  Pelo menos já fui pesquisar e descobri o nome da preciosidade: Pectis brevipedunculata ou capim-limão-de-flor, chá-de-moça, catinga-de-formiga (lembrando que a cabeça da saúva sabe à citronela) e alecrim bravo - além do nome com o qual é conhecido lá por aquelas bandas: limãozinho. Segundo Kinupp, V. F, e Lorenzi, H. no livro "Plantas Alimentícias Não Convencionais", em Manaus a erva é vendida nas feiras livres e é usado como tempero na região amazônica.

Massala da Caatinga: outra novidade que aprendi foi em Sobradinho com as misturas de especiarias.  As merendeiras me contaram no primeiro dia que era comum por lá tanto a "nove misturas", mais usada como medicamento para infarto, para recuperar ou prevenir, composta por espécies aromáticas e medicinais como pixuri, noz-moscada, mostarda, cominho, etc. Mas fiquei interessada mesma foi no "sete misturas".  No segundo dia,  lá estava eu bem cedinho no Mercado querendo saber mais. Conversei com Seu João que me explicou que sua mãe já fazia o "sete misturas" quando ele era criança e o tempero é composto por cominho, grãos de coentro, noz moscada, pixuri, louro, embiriba e erva-doce. É a verdadeira massala da caatinga. Segundo Seu João, pimenta-do-reino e açafrão-da-terra podem ser acrescentados só se o cliente quiser, porque fica mais caro. Trouxe um pouco, é bom demais. As mulheres disseram que usam na carne.

Catingueira 

O chá que fiz aqui em casa -  gelado com folhas de umbu e polpa de fruto de caxacubri

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Dona Maria Helena com as flores que usa para fazer o chá que vende no bar


A primeira vez que tomei o chá de folhas de catingueira, na casa da Dona Joana

Vendedora de Nove Misturas e Sete Misturas no mercado de Sobradinho-BA

Ela trouxe capim santo do seu muro 

E ela, manjericão, hortelã, hortelã-gorda etc











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