Comida típica de Florianópolis
Comida Saudável

Comida típica de Florianópolis



Os pratinhos mata-fome, de cerâmica, fundos, bons para o pirão e tudo o que dentro couber
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O jantar no salão paroquial junto à igreja, equipado com cozinha industrial, atraiu principalmente os próprios moradores da vila de Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis. Quando a chef Silvana Graudenz Müller, professora no curso técnico de gastronomia do CEFET-SC, fez o discurso explicando um pouco sobre cada prato e porque ele foi preparado, só se via gente aqui e ali enxugando lagrimazinhas de emoção ("ah, eu comia tanto disso quando criança!", ouviam-se coisas assim). Eram pratos caseiros, coisa de casa, de mãe, de vó. De conforto e resistência.
A ideia de fazer este resgate de comidas típicas da Ilha foi do Convivium Engenho de Farinha do Slow Food de Florianópolis. O líder Claudio Agenor Andrade também é um dos maiores agitadores culturais da vila e propôs o desafio à professora Silvana, que não só topou na hora como conseguiu plantar o mesmo empenho em cada aluno que a ajudou na tarefa. Além dos pratos, trouxe também as quitandas (não sei o nome que se dá a este conjunto de comidinhas de lanche por lá), feitas à base de mandioca, milho, amendoim, de um jeito próprio encontrado pelos açorianos para trabalhar com os ingredientes disponíveis na ilha de Florianópolis quando começaram a chegar, a partir de 1748. O papel do índio, dos portugueses e dos negros não ficou muito claro para mim (coisa para o mestre Dória), mas o fato é que esta comida era feita há cinquenta anos e muitos manezinhos (apelido carinhoso - ou não, dependendo do contexto -, dos moradores de Florianópolis) se lembram dela com saudade diante da comida caseira nocauteada hoje por nuggets, leite condensado, caldos em cubo e lasanhas congeladas.
Estava tudo muito bom, foi um evento grandioso e ao mesmo tempo simples de se fazer quando se tem vontade, gente empenhada e um bom motivo - motivo que pode chegar na forma de uma comida sem vida e sem alma nos pacotes industrializados de gostos uniformes temperados a glutamatos e que tais. Fica a sugestão para cidades pequenas em que a comunidade possa participar ativamente. Uma coisa é certa: não há quem, jovem ou velho, não goste deste tipo de comida caseira e bem feita.
Alguns dos pratos apresentados

Caldos de peixe e de feijão para o pirão. Estranhei o caldo meio ralo do feijão preto, mas é fundamental para encharcar e escaldar a farinha de mandioca fininha que já o espera nos pratinhos mata-fome. O caldo chega por cima, super quente, e o que precisamos fazer é mexer a mistura com vigor. Revigorantemente bom.

Tainha escalada, tainha frita, tainha ensopada: super comum na Ilha nesta época do ano, o peixe é presença constante nos restaurantes. Escalada (espalmada) e assada na brasa, frita em pedaços e ainda ensopada, estavam todas lá na mesa forrada de chita. Recheada e assada é outro jeito popular de se a consumir.

Pirão de água com linguiça. Os mais velhos chamam este pirão de açorda (que é a sopa portuguesa feita com pão e caldo, comida barata de tempos difíceis - hoje parece ter perdido este carater). Um açorão poderia se chamar, mistura de açorda com pirão. Quando nem o caldo havia para o pirão, a água quente entrava no lugar. Segundo relato de quem já comeu a delícia por necessidade, levava-se para a roça um pouco de farinha e umas linguiças. Na hora do almoço, aquecia-se água e juntava a ela, além da farinha, o que mais por perto houvesse - umas ervinhas, por exemplo. Se tinha ovos, tanto melhor, era só quebrar dentro. Se não, bastava o sal. E as linguiças, era só assá-las na brasa - ou fritar e fatiar. Muita gente ainda tem vergonha de dizer que come pirão de água com linguiça, mas o fato é que todos se lambuzam de alegria - e, pra surpresa geral, quando voltei pra repetir, o que sobrava era só a linguiça porque o pirão já tinha sumido.

Mineira de taiá: pois é, a taioba por lá se chama taiá. As nervuras foram extraídas (assim, grande parte do ácido oxálico é eliminado), as folhas foram finamente picadas, escaldadas e refogadas.
Já falei de taioba ou taiá aqui:
Taiobas mansas e taiobas bravas
Spatzle de taioba


Banana frita: feita na banha de porco
Galinha caipira com mamão verde: o mamão verde é percebido como um chuchu. Já foi muito usado, hoje está esquecido. O fruto é mais cremoso que o chuchu - minha avó preparava os dois do mesmo jeito: refogado em banha e cebola e coberto, depois de cozido, com bastante cheiro-verde.
Fritada de ostra. Soltinha como um virado de ovos
Fritada de berbigão - Anomalocardia brasiliana - molusco bivalve que faz parte da cultura gastronômica de Florianópolis, com reservas sensivelmente diminuídas por causa do aterro para a Via Expressa Sul. O pastel de berbigão também é comum por lá.
Batata doce cozida no caldo de feijão. O caldo de feijão faz um contraste interessante com o doce da batata.
Carne com batata
Berbigão com abóbora


Cacuanga: embrulhada em folha de bananeira, é uma daquelas delícias de engenho, como o beiju, o nego deitado, a bijajicas ou o cuscuz torrado, que se fazem com a massa úmida da farinha, assim que sai da prensa. Deve haver muitas variações de preparo e ingredientes para este tipo de pamonha (influência dos Guarani? - veja aqui um pouco sobre uma oficina de culinária guarani de que participei). Pelo menos foi o que percebi pesquisando receitas. Esta que comemos lá foi feita com massa de mandioca, fubá, açúcar e ovos, como me explicou alguém. Mas outra receita leva também amendoim além do milho (estes dois, típicos ingredientes Guarani), como a bijajica abaixo: No Mais Você, uma receita de Cacuanga.

Rosca de polvilho: como um grande biscoito algo borrachento, muito gostoso. Já dei aqui uma receita de rosca de polvilho gaúcha também bem boa e não deve ser muito diferente.
Bijus (ou beijus): feitos com a massa de mandioca prensada, antes de ir ao forno pra virar farinha. Há dois tipos: bijus (biju biju) ou biju pelanca. O primeiro se faz colocando a massa na chapa e rodeando com um dedo, fazendo um caracol. O segundo, depois de espalhar bem a massa como no primeiro, pressiona-se com as costas dos dedos, fazendos ondinhas (pelancas?). Embora a massa seja a mesma, com massa de mandioca, um pouco de sal e um pouco de açúcar, há diferença de crocância (em outro post mostrarei os dois). Nossos beijus são como as tortilhas dos mexicanos que mudam de nome a cada tipo de dobra ou recheio.

Cuscuz: quem conhece cuscuz de cuscuzeira se espanta ao ver estas fatias douradas e crocantes receberem o mesmo nome do alimento cozido no vapor. Mas se trata mesmo de um cuscuz, só que feito com a massa de mandioca (a mesma citada acima, prensada, antes de virar farinha) junto com fubá, temperada com sal e açúcar, cozida no vapor, fatiada e torrada na chapa ou forno. É viciante de tão bom.
Beiju de tapioca: crocante, feito com o amido úmido de mandioca, torrado sobre chapa quente (lembrando que tapioca quer dizer originalmente a fécula da mandioca ou o sedimento do caldo em descanso). Quem quiser entender melhor como se extrai a fécula e se faz tapioca, já expliquei AQUI.
Bijajica: é um prato incrivelmente bom feito com a massa da mandioca (aquela da farinha), amendoim e açúcar mascavo. Este sim é feito como um cuscuz e comido assim, sem torrar, com cafezinho. Já dei receita AQUI. Não sei o que quer dizer bijajica, mas há uma outra receita no Sul, um biscoito frito de fécula de mandioca, com este mesmo nome e que não tem nada que ver com esta.
Consertada: bebida típica feita à base de café, cachaça e especiarias. Ideal para a noite fria que fazia.

O butiá local (Butia eriospatha), que enfeitava a mesa, é pequeno, perfumado, doce e muito ácido (e deve ter lá suas enzimas proteolíticas porque fiquei com a língua em aftas depois de comer algumas - talvez muitas, como o abacaxi e sua soma de acidez e bromelina). Já falei do butiá gaúcho AQUI.
A chef também come: recompensa merecida!




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