De volta do Senegal
Comida Saudável

De volta do Senegal


Foram intensos os últimos dias do outro lado do Atlântico. A convite da ong francesa Solidarité e da Fongs (Fédération des ong du Sénégal) estive no Senegal por quase 20 dias. Foi a segunda vez neste ano. Na primeira visita, em fevereiro,  ficamos em Dakar, mas agora fomos para povoados menores e só então posso dizer que conheci o país, seu povo e seus problemas mais de perto. O projeto do qual participei, que visa a promover a soberania alimentar incentivando o uso de recursos locais, como millete, sorgo, milho, mandioca e amendoim, beneficiou padeiros e mulheres que serão multiplicadores da ideia de se usar menos trigo importado na alimentação diária. Mas falarei das oficinas em outro post.  


Cheguei em casa ontem à noite um pouco diferente da pessoa que embarcou. É impossível viajar para a parte pobre da África e voltar do mesmo jeito. Não tive acesso a internet na maior parte do tempo, a não ser durante dois ou três noites. No restante do tempo, as condições eram mais ou menos precárias. Ou tínhamos luz ou água ou banheiro. Nunca os três itens ao mesmo tempo. Percebi que sou capaz de muitas coisas e isto me deixa orgulhosa de mim mesma. Consigo ficar 10 dias sem lavar os cabelos, consigo ficar sem saber se hoje é sábado ou domingo - os dias por lá foram corridos, sem nenhum marcador, consigo ficar sem jornal, sem televisão, sem água corrente, sem luz, sem internet, sem telefone. Eu consigo muitas coisas. Mas não consigo esquecer a imagem das mulheres tirando água da profundidade de 50, 60 metros, numa coreografia alegre de seis mãos em alternância de movimentos. E ainda conseguem rir e bater palmas. Ou os barulhos surdos das mãos de pilão que socam ao amanhecer sorgos e milhete para a farinha fina que vira o cuscuz diário servido em grandes travessas para o comer coletivo. Aliás, no Senegal que visitei não há espaços para a solidão, o individualismo e privacidade. A comida, por exemplo, é feita em grande quantidade, no fogo de chão, fora de casa e alimenta muita gente ao mesmo tempo. Prato e talher são instrumentos individuais raros.  Uma só travessa e muitas mãos direitas, é o que se vê. E foi assim que comemos na maioria das vezes.  Nossa pequena equipe de formadores, além de mim, contava com Michel e James, dois padeiros franceses que, além de competentes, são comprometidos com a causa defendida pela Solidarité -  também estiveram em Dakar em fevereiro. Passamos juntos todo o tempo numa harmonia incrível e se há franceses muito legais, generosos, alegres, interessantes e gentis, Michel e James são seus melhores representantes. Ao final de cada dia intenso de trabalho, virou hábito bebermos uma Flag ou uma Gazela, cervejas senegalesas que tomávamos à boca pequena,  longe dos olhares islâmicos. Não por medo de reprovação, afinal éramos estrangeiros, mas por respeito. Contamos ainda com a ajuda de Moussa, nosso querido motorista que gosta de beber Sprite, mas sabia onde encontrar as Flags mais geladas para o fim de dia quente e seco. E, sem a ajuda do meu tradutor Fallou, nem as pequenas frases em francês seriam capazes de me tirar do sufoco nas conversas e cumprimentos em wolof - língua única da maioria das pessoas com quem trabalhamos. Fora as pessoas citadas, havia um batalhão de gente na produção das oficinas - o que não significa que tudo tenha funcionado perfeitamente, afinal, o tempo por lá é outro.  Mas, vou lhe contanto aos poucos sobre esta cultura caso tenha interesse, pois pretendo mostrar no decorrer dos próximos dias um pedaço de tudo o que vivi. E, se na mala trouxe milho pra plantar, bissap seco, baobá, chá kinkelibab, temperos, água de flor de laranjeira, ditax, pilão, tecidos e até djembé, na lembrança trago o sorriso das crianças que, com as poucas palavras que sabem do francês, formavam frases simpáticas dirigidas a mim: bonjour, madame est très gentil, madame est très jolie.


Mas, e aí, leitor do Come-se, continua me acompanhando? Ainda está aí? Ou mudou de canal? Tanto tempo sem notícias. Estava com saudade. 

Dormi numa cabana sozinha e acordei cedo junto com as crianças que
iam para a escola. Simpáticas, todas queriam me acompanhar.  

Moussa, Michel, James e eu, na despedida  - no dia da festa do cuscuz




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