Tapioca em Dakar
Comida Saudável

Tapioca em Dakar



Awa, primeiro aprendiz, depois ajudante dedicada
Como já disse em posts anteriores, fui ao Senegal a convite da ong francesa Solidarité (veja também o blog aqui) Nossa equipe técnica era formada por Jacques Berthelot, agro-economista, consultor de políticas agrícolas da Solidarité e quem me convidou, além de dois padeiros artesanais, de Toulouse, James Forest e Michel Cirès; duas mexicanas especialistas em técnicas agrícolas, Madelen Baez Navarro e Maria Candelária, da ANEC- Asociación Nacional de Empresas Comercializadoras de Productores del Campo, que fizeram tortilhas e ensinaram como preparar o milho nixtamalizado (eba, agora eu sei); e ainda dois indianos, Subramanian Siva Ramalinga, diretor da Solidarité India e Ugam Singh Bahti, agricultor, que fizeram chapatis com dois tipos de milhete. Ah, e eu, que fiz tapiocas como nunca. Nos acompanhou também o cineasta e historiador Mathieu Soudais, que está fazendo um documentário sobre a missão.

Por favor, não me pergunte sobre o Forum Social Mundial, que não vou saber responder nada além das questões sobre a necessidade urgente de incentivar o uso de cereais locais em detrimento do trigo - a África subsaariana importa quase 80% do trigo que consome atualmente (situação parecida com a do Brasil). Felizmente vê-se por toda parte a valorização dos cereais locais. Enquanto os foruns aconteciam no FSM, estávamos fazendo pães, tortilhas, chapatis e tapiocas para serem mostrados numa mesa redonda de que participou Jacques Berthelot, representação a organização. Todos puderam experimentar nossa produção e não sobrou nada. Nos outros dias das semana participamos ainda da Fiara - Feira Internacional de Agricultura e Recursos Animais, repleta de associações de pequenos produtores ou organizações de mulheres que trabalham com cereais locais e outros produtos artesanais.
Como no FSM não podíamos usar fogo pois as tendas eram de plástico, conseguimos mostrar o feitio dos pães chatos (incluindo a tapioca) numa tenda montada na entrada da Fiara. Não poderia haver lugar melhor, pois todos paravam para aprender a usar o milho, o milhete e a mandioca de uma forma diferente.
Todo mundo sabe que nossa mandioca faz parte daquele intercâmbio de ingredientes com a África. Quiabo pra cá, mandioca lá. Mas não pense que nossas especialidades indígenas ? polvilho, beijus e farinhas de vários tipos são artigos comuns por lá. As mulheres senegalesas ficavam encantadas de ver cair pela peneira uma chuva de goma úmida sobre a frigideira quente e sair dali um disco branco e flexível. Polvilho ou fécula de mandioca não existe por lá. Há, sim, um tipo de cuscuz da Costa do Marfim e uma farinha finíssima como a de trigo. Em outros países africanos há outros tipos de farinhas, mas diferentes das nossas.
Awa foi uma das alunas mais aplicadas. Pediu para passar o dia comigo e anotava tudo o que eu dizia (mesmo sem eu falar francês e ela, português ? empatia é surda e muda). Depois, não precisei mais me esforçar para explicar às outras senegalesas como extrair a fécula e fazer a tapioca. Awa explicava tudo direitinho. Ela é estudante de gastronomia, faz estágio num restaurante e é louca pra vir ao Brasil (é a de roupa azul e véu branco, nas fotos). Precisei improvisar um recheio com o que havia por lá. O mais prático foi usar leite condensado parecido como que temos aqui e coco ralado seco. Não ficou a mesma coisa que o feito apenas com coco fresco, mas todo mundo gostou. Eu fazia, enrolava como rocambole e cortava em pedacinhos pequenos para degustação. Não dava conta. Recheei alguns com manteiga de amendoim, feita apenas com puro amendoim, muito usada por lá. Ficou gostoso, mas a preferência foi a de coco.
As tortillas de milho quentinhas de Madelen e Maria eram irresistíveis e o aroma trazia gente de longe. Os chapatis dos indianos tinham a cor de trigo integral, mas sabor amendoada de milhetes. E os pães do Michel e James, feitos com batata-doce, milhete, milho, mandioca, amendoim etc, eram irresistíveis. Espero ter sido útil para algumas mulheres que prometeram reproduzir as tapiocas por lá. E espero que os padeiros africanos se inspirem nos pães de James e Michel e percebam que um mundo melhor é possível. Mas posso garantir que mais aprendi que ensinei. Não só com os senegaleses que fazem uma comida deliciosa, mas também com meus colegas de equipe que parecem ter sido escolhidos a dedo para estarem em Dakar comigo.
Bem, melhor do que eu ficar falando (mesmo porque instalou-se aqui a preguiça), é você ver as fotos. Aos poucos vou contando sobre Dakar e, depois, Paris.

As fotos em que apareço são de autoria dos amigos




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