Delícias de Silveiras: Parte 1 - Comendo Içás
Comida Saudável

Delícias de Silveiras: Parte 1 - Comendo Içás




O pratinho é brinde do restaurante em Silveiras
(Referindo-se à formiga tanajura) "[...] milhões são consumidos pelo homem e pelos pássaros. Torram-se com gordura os grossos abdomens das fêmeas, cheios de ovos, que segundo a opinião de todos, é um verdadeiro petisco. O tórax com a cabeça e asas, joga-se fora. [...] Muitas tribos dos indígenas comem a formiga mencionada e é provável que os portugueses aprendessem com eles." FREIREYSS, G. Wilhelm. Viagem ao Interior do Brasil nos Anos de 1814-1815. vol. XI, São Paulo, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, 1906. p. 184-5
Para este final de semana, o amigo João Rural nos convidou para a Festa da Broa que acontece há mais de 20 anos no bairro de Bom Jesus, em Silveiras - SP, uma cidade pequena com pouco mais de 5 mil habitantes e muita tradição tropeira.
Embora pequena, Silveiras é a cidade mais importante do tropeirismo, segundo Guia Nascentes do Paraíba do Sul. No começo do século 17 foi criada a Estrada Real que servia de caminho para tropeiros que vinham de Minas, passando por Cachoeira Paulista, Lorena, Guaratinguetá e Cunha, antes de chegar ao Porto de Paraty. Silveiras nasceu na passagem de uma das inúmeras rotas alternativas criadas para driblar salteadores e os impostos.
Por volta de 1800 a família Silveira instalou um rancho para dar abrigo a tropas em sua propriedade. Logo, outros ranchos se instalaram por ali. É que com a abertura em 1725, de um novo caminho, Caminho Novo da Piedade do Nordeste de São Paulo, Silveiras havia ficado no cruzamento das trilhas que iam e vinham de Minas e São Paulo ao litoral, passando pelo Vale Histórico. Mas, antes mesmo do surgimento de Silveiras, dois dos seus atuais bairros, Bom Jesus, onde foi a Festa da Broa, e bairro dos Macacos, onde fiquei hospedada, já haviam surgido durante o ciclo do ouro, também em função dos tropeiros.
De 1842 a 1844 a Freguesia dos Silveiras, recém-promovida a vila, vivenciou terríveis combates na Revolução Liberal, com vários homens mortos. Em 1864, virou oficialmente cidade e 24 anos depois chegaria a ter 25 mil habitantes. Mas, com o fim do ciclo café, abolição da escravatura e a construção da estrada de ferro que deixou de fora o município, Silveiras foi encolhendo. Felizmente encontrou seu caminho com o artesanato em madeira, a valorização da história do tropeirismo e o turismo rural - afinal a cidade fica nas encostas da Serra da Bocaina, um mar de montanhas de tirar o fôlego, de tanta beleza.
Ainda resistem bravamente nas montanhas algumas araucárias, de modo que por ali o pinhão é presença frequente nos pratos de inverno. E é um dos poucos lugares nesta porção sul do país, onde içás vão pra panela. Tanajuras ou içás são formigas fêmeas da espécie Atta sexdena, a saúva (do tupi ïsa 'uwa), das quais só o abdome é aproveitado - pelo menos na região. Asas e cabeças são dispensadas. Portanto, nada daqueles aromas herbáceos das formigas amazônicas das quais já falei aqui.
Antes de seguirmos para o bairro dos Macacos, passamos na Fundação Nacional do Tropeirismo, presidida por Ocílio Ferraz, que mantém no local um restaurante com pratos típicos e serve içá em farofa durante o ano todo. Ocílio diz que compra de todo mundo que queira vender para ele na época da revoada (entre setembro e outubro) e mantém a iguaria congelada para a entressafra.
Marcos e eu comemos apenas a porção de farofa com cerveja como aperitivo, pois já havia combinado com a Marina, do Sítio do Pinhal, que almoçaríamos lá. Não sei explicar o sabor de içá, mas posso dizer que não se parece com nada que eu conheça ou já tenha comido, que tem um sabor muito marcante e bom, que dá vontade de comer mais, que tem um excelente retrogosto e que mesmo comendo uma só uma vez você nunca mais esquece. Quem come no restaurante ainda leva um pratinho como lembrança.
Próximo capítulo: a festa da Broa.




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