Delícias de Silveiras. Parte 2 - A Festa da Broa
Comida Saudável

Delícias de Silveiras. Parte 2 - A Festa da Broa



O moinho fechado, a fornalha vazia
Uelinton Cesar mostra a broa aberta
Leitoas e frangos de prenda para o leilão
O fubá de moinho de pedra usado nas broas
A festa da broa
As broas embaladas em folhas de caetês são lindas, mas precisam ser desembrulhadas e cortadas antes de servir. Fica a sugestão de um cesto de palha forrado com pano de saco de farinha em vez da bacia plástica.
Sou reporter da pior espécie. Chego quando a festa já começou e me vou antes do forró final. Queria ter ido na sexta-feira para acompanhar o feito do fubá no moinho de pedra, que fica ao lado da ponte de chegada ao bairro Bom Jesus da Bocaina. Mas só vi o moinho do lado de fora, fechado com cadeado. Queria ter visto as cozinheiras com as mãos nas broas, feitas de olho, como dizem. Acompanhado a colheita de folhas de caetês para embrulhar as broas. Espiado a fornalha quente em atividade. O preparo dos frangos da prenda, quatro inteiros fritos de uma só vez num panelão. E as leitoas pururucando no forno de lenha.
Mas cheguei no meio da festa, quando todo o preparo já tinha acontecido. Acompanhei um pouco o leilão dos frangos e quem arrematava, por 14, 15 reais, levava uma garrafa de vinho. Consegui também conversar com o Uelinton, um dos organizadores da festa e saber um pouco da história. Mas não aguentei ficar até o final. Ainda bem que o Globo Rural estava lá e logo a gente vê a festa inteira na televisão. O João Rural também acompanhou tudo para um documentário. E eu fui dormir com as galinhas.
O som profissionalizado, produzido por caixas acústicas enormes, era alto era demais para mim (mulher de otorrino e lambendo os cinquentinha costuma ter pouca tolerância a som alto), que começo a ficar irritada quando não consigo ouvir o que me falam e preciso elevar o tom para ser ouvida. Queria ter ficado mais, ter visto a distribuição das broas depois do leilão e quem sabe até ter dançado um pouco o forró. Mas as festas são como o povo do lugar quer e não como a gente de fora gostaria de ver. Eu fiquei sonhando com um arrasta pé ao som das sanfonas e com o quentão corta-frio que durante muito tempo acompanhou as broas e foi substituído por modernas caipiroscas de frutas e cervejas vendidas nas barracas.
De qualquer forma, é bonito ver como o evento agrega e mobiliza os moradores. Uma equipe grande de voluntários de todas as idades trabalha dia e noite para a festa acontecer. E todo mundo se diverte.
Festa da Broa, como começou: conversei com Uelinton Cesar Schubert Barbosa, de Cachoeira Paulista, mas há 15 anos morando no Bairro de Bom Jesus da Bocaina, em Silveiras, onde trabalha como professor primário. Ele é uma das pessoas que está à frente da festa hoje. Mas conta que a festa começou em 1984 por obra do morador José Silveiras que fez um pedido a São Gonçalo. A promessa pelo pedido atendido era oferecer uma festa em homenagem ao santo com distribuição de comida ao povo do bairro. A igreja estava intimamente ligada à festa, que incluia missa e hinos. Então, não nasceu como Festa da Broa, mas como Festa de São Gonçalo, onde era servida comida. Com o tempo, em vez de comida, começaram a servir broas com café. O povo começou a apelidá-la de Festa da Broa e o nome pegou e virou oficial. Embora a igreja ainda ceda seus espaços para a comemoração, a festa hoje é uma manifestação pagã, sem qualquer vínculo religioso.
Uma das broas servidas é enrolada na folha de caetê e a receita tradicional vem do Sertão dos Marianos, um dos bairros de Silveiras. Quem me deu a receita, sem muita exatidão, foi Vicentina de Fátima Florenço, da família dos Marianos. A folha de caetê sempre foi útil para embalar este tipo de preparo, pois a broa já sai do forno embrulhada para as viagens. Um papel alumínio ecológico. Preparo parecido pode ser encontrado em outras cidades paulistas, goianas e mineiras com o nome de pau-a-pique, curisco ou joão-deitado, feitos também com folhas de bananeira. Já mostrei e dei receita de uma destas broinhas aqui. Quanto às folhas de caetês, já falei delas no post sobre as pamonhas do Vale do Paraíba embaladas com ela e naquele sobre a culinária dos índios guarani.
Outra das broas servidas é feita pela dona Maria Mendes, com quem não consegui conversar. Mas, segundo João Rural, é a mesma que aparece em seu livro "Sabores do Tempo dos Tropeiros", só que feita sem embalar em folha de bananeira ou caetê. Uma coisa interessante destas broinhas é que antes do surgimento do trigo eram feitas basicamente de milho triturado em moinhos de pedra e outros amidos locais. Inhame, batata doce ou abóbora, além de conferir sabor, também umedecem e amaciam o fubá. Hoje já admitem um pouco de trigo.
As receitas abaixo não foram testadas por mim. Mas trouxe folhas de caetê e pretendo testar em breve. Por enquanto, deixo o registro para quem quiser tentar fazer. Depois me conte.
Broas de fubá com abóbora
- receita de Vicentina de Fátima Florenço
1 dúzia de ovos
1,5 kg de açúcar cristal
500 g de abóbora madura crua ralada
500 g de amendoim torrado, sem pele e triturado
2 xícaras de óleo
1/2 colher (sopa) de bicarbonato de sódio
2 colheres (sopa) cheias de fermento químico em pó
2 kg de fubá de moinho de pedra
1 kg de farinha de trigo
Folhas de caetês (ou pedaços de folhas de bananeira
Numa bacia, coloque os ovos, o açúcar, a abóbora, o amendoim, o óleo, o fermento e o bicarbonato. Mexa bem. Junte as farinhas aos poucos, mexendo sempre. Coloque colheradas sobre as folhas de caetês (cortadas as pontas, para ficar um retângulo), enrole como charuto e leve ao forno de lenha pré-aquecido para assar.
Broa de fubá com inhame, batata-doce e abóbora
(receita de pau-a-pique, do livro do João Evangelista de Faria - João Rural, Sabores do tempo dos tropeiros)
3 xícaras de inhame (taro) cru, ralado
4 ovos
5 xícaras de açúcar cristal
1/2 xícara de óleo
1 colher (chá) de bicarbonato de sódio
3 colheres (sopa) de manteiga
2 xícaras de gordura de porco
3 xícaras de abóbora madura crua, ralada
Erva-doce e cravo a gosto, triturados
3 xícaras de batata-doce cozida e amassada
12 xícaras de fubá
4 xícaras de farinha de trigo
Canela em pó a gosto
2 xícaras de leite
Folhas de bananeira ou de caetê
Numa bacia grande, coloque o inhame, os ovos e o bicarbonato. Junte o açúcar e mexa um pouco. Coloque o óleo, a manteiga e a gordura e continue mexendo para que a massa se incorpore. Junte a massa de abóbora misturada com o cravo e a erva doce triturados e mexa. Adicione a batata doce e misture bem. Coloque o fubá, a farinha de trigo e a canela e mexa bem. Vá juntando o leite aos poucos até dar o ponto*. Corte as folhas de bananeira em quadrados de 20 centímetros ou use folhas de caetês. Enrole com as folhas roletes da massa. Leve para assar em forno bem quente. Depois de 20 minutos, retire do forno, salpique água fria e cubra com pano por meia hora.
* o leite não aparece no modo de preparo, mas acho que é assim que entra (alguém lá me falou que era para ir amolecendo a massa, se precisasse)
Nota: para fazer broas como as servidas na festa, sem embalar, basta colocar porções da massa em assadeira untada e enfarinhada e levar para assar até dourar. Cubra com pano até esfriar.
João Rural e seu famoso fusca, colhendo folhas de caetês na beira da estrada - para eu trazer e testar as receitas
Pós-post: Já testei a receita e o resultado está aqui.




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