Dia internacional da mulher
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Dia internacional da mulher



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Comecei a trabalhar no dia internacional da mulher. Isto tem é tempo. Era uma menina de 14 anos, que ainda esperava a menarca, a bunda, os peitos. E principalmente a maturidade de uma mulher. Passei a estudar à noite, tomar ônibus cheio, levar marmita. E era funcionária exemplar, nunca faltei, nunca cheguei atrasada, mexia com dinheiro, era de confiança, dizia Dona Esolina. Por isto, confiavam também nas minhas indicações. Levei pra trabalhar lá parentes e vizinhos. Meu irmão, minha prima Diva, minha amiga Ivani, minhas amigas Marli e sua irmã Marta ? esta que me roubou um tal de Marcos, funcionário antigo de 17 anos, por quem eu era apaixonada (ufa, meu Marcos de hoje é mil vezes melhor). O escritório era de uma administradora de imóveis e a Dona Esolina era uma general, uma velha de uns 30 anos. Fazíamos careta e chifrinho quando passávamos por trás dela. Um fazia e os outros não disfarçavam o riso preso e muitas vezes a gargalhada explícita. A jornada era dura - das 8 às 17 horas com uma hora de almoço e só. Só podíamos sair da mesa para ir ao banheiro e almoçar de marmita. Lá pelas 10 horas dava uma fomona daquelas e a Ivani sempre levava um lanchinho. Um pra mim e outro pra ela. Bolacha salgada com queijo e goiabada. Durante os dois anos foi assim, todo dia igual. Ela me olhava de soslaio e dava uma piscadinha, sempre igual. A gente disfarçava, fingia que ia ao banheiro e corria pra copa fazer a boquinha. Pensando agora, eu era muito cara-de-pau. Não me lembro de ter levado meu próprio lanche. Mas tava bom daquele jeito. Ela gostava da minha companhia e eu, do seu lanchinho. Às vezes não conseguia dar conta do trabalho ? fazia uma parte da contabilidade e as contas tinham que bater. Então ia trabalhar no sábado, por minha conta e risco (ou dos chefes). Era de confiança, já disse. Tinha a chave do escritório, me achavam madura pra idade. Convoquei a prima Diva para ir junto. Duas criançonas que estudavam à noite e trabalhavam até aos sábados. Tão esforçadinhas, coitadas. Todo mundo tinha dó, mas a gente sabia se divertir. O banheiro do escritório era daqueles grandes e a banheira era nosso sonho de consumo. Numa tínhamos visto uma banheira na periferia. Bem, é claro que a banheira do escritório não servia para banhos. Em vez disso, era usada para acumular blocos de pagamento de condomínio dos prédios administrados. Coisa de anos. Ia quase até o teto a pilha de papel velho amarrado com elásticos de dinheiro, que se partiam de duros. E clipes enferrujados encravados nas folhas amarelas, quase desfeitas por poeira, ácaros e mofos (quase igual à minha carteira aí da foto). Tudo separado e ordenado por ano, nome do condomínio e o escambau. Mesmo assim, era um plano que eu já tinha arquitetado desde que entrei pela primeira vez naquele banheiro. Uma dia me banharia ali. De manhã Diva me ajudou e terminei logo o que tinha que fazer. Agora vamos nos divertir, priminha. Isto, mesmo sabendo que eventualmente aparecia por lá, sem avisar, a chefe general Dona Esolina e o dono da coisa, Seu Guido. Ainda assim, sem juízo algum, gastamos mais de uma hora tirando os blocos de papel da banheira, que íamos espalhando sem ordem pelo corredor. Deixamos escorrer a água enferrujada até que saísse limpa e enchemos a piscinona de água fria. Tiramos toda a roupa e a jogamos por cima dos papeis no corredor. Fizemos espuma com o sabonete do lavatório, lavamos os azulejos, brincamos de afogar, escorregar, fazer bolhas de sabão e até de salto ornamental. Passamos mais de duas horas na folia. Já quase ia terminando o sábado, nos enxugamos com toalha de mão e soltamos a água. Sem secar a banheira, colocamos de volta a papelada velha que ficou lá no fundo a apodrecer nos fungos e ácaros afogados. Saímos já era começo de noite, de alma lavada - e cabelos molhados. Salve salve nosso dia!




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