É hora de colher grumixama
Comida Saudável

É hora de colher grumixama



Até outro dia não conhecia grumixama. Foi só quando meu pai comprou uma muda de abiu e nasceram, em vez da fruta comprada, outras vermelhinhas, redondas e doces, que eu a descobri. E foi paixão à primeira mordida, com um quê de coquetel de mirtáceas - perto da casca lembra jabuticaba, sendo, porém, de consistência mais macia. Perto das sementes, lembram pitangas, uvaias, gabirobas, goiabas. Em comum com a jabuticaba, além da cor e dos trejeitos, o poder de enfeitiçar, afinal é impossível comer uma só. Em encontrando uma árvore carregada como a que descobri na rua de baixo você se vê impelido a comer todas que estiverem ao seu alcance, até não aguentar mais.





Lembrei que já era época de grumixama quando passei pela Av. Dr. Arnaldo e avistei umas árvores carregadas na Faculdade de Medicina da USP. Comi algumas ali mesmo, certa da minha imunidade contra fuligens e outras poeiras contaminadas. Mas as frutas estavam limpas, tinha acabado de chover. Muita gente parou para me perguntar o que era aquilo. Grumi o que? Quem te chama? O Gru! o Gru te chama. Ah, o Gru me chama. Pronto, decorou? 


Tem gente que não gosta do nome. Eu acho bonito. Tem também cereja-do-mato, mas este é o nome também de outra cereja, a do Rio Grande, também da Mata Atlântica, também brasileira. Grumixama, pelo menos, é só ela e não é lá nenhuma cagaita, este sim um nominho complicado. Gru lembra uma coisa capsular suculenta, sei lá. É isto que me chama. 

Mas para não ir sozinha, chamei minha amiga e vizinha Veronika, que gosta de andar a pé. Combinei que colheríamos de "a meia", como diz meu pai. O menino João veio também porque achou divertida a ideia da colheita e também o nome. Chegamos e o chão estava pintado de frutinhas caídas. Nos galhos havia tantas, mas tantas, que o que tiramos não chegou a fazer cócegas na árvore. Pegamos as que estavam nos ramos mais baixos, mas chegou uma hora que Veronika decidiu escalar e aí a coisa rendeu.



Na volta pra casa, com a cesta cheia (e também uns galhos para umas experiências), fomos dividir conforme o combinado, meio a meio. O João estava bem preocupado: como faríamos para não haver injustiças?  Dividimos a olho em duas tigelas iguais. Como ele ainda não estava muito convencido da equidade da partilha, achei que o melhor a fazer seria usar uma balança. E uma balança nas mãos de uma criança é sempre uma brincadeira. Um jeito divertido de se treinar matemática. Uma pra cá, outra pra lá, divide a diferença em dois. Soma o peso das duas tigelas e divide ao meio, vai um, menos um, e acertamos em 1700 g pra um e 1699 g para outro. Como eles estavam em dois, levaram a maior parte e, pronto, não se fala mais nisto.

Pensei em fazer algo com as frutinhas, mas estou vendo que não vai sobrar. Meus dedos estão roxos e minha boca, idem. Um tanto delas foi para um vidro com cachaça para, depois de uns dias, virar licor. Depois eu conto como ficou.

Agora, só pra você saber: grumixama é parente da pitanga, família das Mirtáceas e é originária da Mata Atlântica, da Bahia a Santa Catarina. O nome vem do tupi, mas o que significa, não sei, pois numa rápida pesquisa no Museu da Casa Brasileira vejo que, no relato dos viajantes, as frutinhas eram chamadas de comixá ou comichã. Veja abaixo: 

O licor, para ir curtindo



"Nas campinas há outra árvore, a que chamam ubucaba [...] dá umas frutas pretas e miúdas como murtinhos, que se comem, e têm sabor mui sofrível. Mondururu é outra árvore que da umas frutas pretas, tamanhas como avelãs, que se comem todas, lançando-lhes fora umas pevides brancas que têm, a qual fruta é muito saborosa. Há outra árvore como laranjeira, que se chama comichã [grumixama], a qual carrega todos os anos de umas frutas vermelhas, tamanhas e de feição de murtinhos que se comem todas lançando-lhes fora uma pevide preta que têm, que é a semente desta árvore grande que dá fruto do mesmo nome tamanho como cerejas, de cor vermelha, e muito doce [...]. Cambuí [goiabeira do mato] é uma árvore delgada [...] a qual dá flor branca, e o fruto amarelo do mesmo nome; do tamanho, feição e cor das maçãs de anáfega. Esta fruta é mui saborosa, e tem ponta de azedo [...]"  Nota da edição comentada por Pirajá da Silva.
1587 Recôncavo, Bahia
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil (1587). São Paulo, EDUSP/ Companhia Editorial Nacional, 1971. p. 194


"[...] um fruto a que chamam 'pequi'[...] que dá no seu miolo quase um como clarificado de açúcar mui gostoso; 'quamocá', outra fruta, vermelha, semelhante a ginjas; 'iba-mirim', como limões: 'uti', fruta comprida, gostosa no comer: 'ubacropari', como pêssegos; 'comixa', fruta miúda, a feição de murtinhos; 'grexiuruba', outra a modo de zamboa: 'eycajerús', de modo de ameixas mousinhas; 'não-taia-ambús'são semelhantes à ameixas brancas; 'ubaperunga', como uvas bastardas pequenas, que dão mostra de nêsperas; 'ubapitanga', da feição de ginjas; 'tatajuba', semelhante a pêssego, de cuja planta comida a raiz mata a sede [...] 'morosis', que são apropriados a murtinhos [...] 'mamão'[...] muito adocicado; 'araçá'[...] de muito gosto, do qual se faz boa marmelada; há outro modo de 'araçá', por sobrenome 'açú', por ser maior e mais estimado para se comer [...]. Estas são as frutas [...] que os moradores do Brasil por negligência deixam estar até agora agrestes, espalhadas pelos matos, as quais, se forem cultivadas, se avantajariam em bondade e gosto."
1618 Nordeste
GANDAVO, Pero de Magalhães. Diálogos das Grandezas do Brasil (1618). Introdução de Capistrano de Abreu, Notas de Rodolpho Garcia, Rio de Janeiro, Oficina Industrial Gráfica, 1930. p. 207

"Ele mostrou-me então a casa [...] consistindo apenas de três peças [...] seu escritório [...] seu quarto de dormir [...] e um terceiro quarto, ocupado com barris de vinho de laranja, e potes de licor feito de grumixama, pelo menos tão gostoso como a aguardente de cerejas, com que aliás se parece. São os produtos de sua fazenda [...]"

1822 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
GRAHAM, Maria. Diário de uma Viagem ao Brasil e de uma Estada nesse País Durante Parte dos Anos de 1821, 1822, 1823. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1956. p. 190-1

E, só por graça, veja isto:



Na brincadeira de pesar, João começou a querer pesar de tudo: pilões, tigelinhas, colheres e frutas da fruteira. Até que pesou uma maçã murchinha que marcou 111 g. Ele deu um pulo de alegria: mamãe, dia 11/11/2011, uma maçã 111!! Aliás, deu muitos pulos e gritinhos. Até a Dendê sorriu. Veronika e eu tivemos a mesma ideia. Corremos à cozinha para conferir as horas: 11 horas e 11 minutos (indo pra doze, mas ainda 11!). João pulou mais ainda. O que isto quis dizer? Acho que nada, coincidência, mas, por vias das dúvidas, vou plantar as sementes da maçã 111 g. E, poxa, devíamos ter dividido também a maçã, pra dar sorte.




Veja Também:

- Cereja-de-joinville, Murtinha, Cambuí-roxo
Respondendo à charada: pois é, eu já tinha dito, parece mas não é.  Parece jambolão (jamelão é aquele outro fruto grande, cruá), azeitona, açaí e até café maduro, mas não é. Pelo menos a Zezé acertou que era uma Eugenia (o gênero) e...

- Grumixama
Assim que cheguei em Fartura meu pai tirou do bolso umas frutinhas indignado ?olha só o que o abiuzeiro deu?. Ele já tinha me falado desta frutinha que nasce de um pé que lhe venderam por abiu. Mas nunca tinha coincidido minha ida com a frutificação....

- É Tempo De Cabeludinha
Sorte que entre as respostas da charada do post anterior apareceram uma uvaia e uma guaquica, pois de resto todos acertaram: cabeludinha. Não fossem estes errinhos, qual a graça? Portanto, mesmo que não saibam, respondam. Pelo menos os dois palpites...

- Tempo De Colher Goiabas, Araçás, Jabuticabas, Oitis, Caferanas, Pitangas
A colheita urbana de hoje: goiabas brancas, araçás, jabuticaba, pitanga, oiti e caferanaO combinado com a Letícia, há uns quinze dias, era colher mangas aqui  pelo bairro. Mas na semana passada passei pelo único pé em que a produção foi farta...

- Calabura é O Que é
Árvore na Alameda Lorena De dezessete, sete acertaram a resposta da charada. Logo a primeira resposta, da Veronica, já era a correta. No entanto, ainda disseram araçá, acerola, grumixama, café, gabiroba.  Tudo começou quando o leitor...



Veja mais em: Comida Saudável