Farinha de mandioca marajoara. Quinta sem trigo 36
Comida Saudável

Farinha de mandioca marajoara. Quinta sem trigo 36



Há muitas maneiras de se cozinhar sem trigo. Quem tem doença celíaca costuma saber disso. Há várias farinhas substitutas no mercado, com preços nem sempre muito atraentes. Mas nesta quinta quero dedicar o espaço para mostrar aos leitores do Come-se como é feita a farinha de mandioca na parte norte do país, nossa maior riqueza e que poderia ser o substituto natural do trigo, afinal é o que sempre tivemos por aqui, muito antes da chegada do trigo. Isto, caso houvesse incentivos para custar menos, fosse dada mais atenção e valor aos farinheiros artesanais no que se refere às condições de trabalho, higiene e produtividade nas casas de farinha - sem descaracteriza-las, e houvesse mais interesse dos cozinheiros na diversificação do uso não só da farinha, mas de seus subprodutos como a goma, a crueira, a tapioca. Os preparos tradicionais são inúmeros e fantásticos, alguns até já esquecidos, mas acho que ainda temos muito o que aprender dos preparos do passado para explorar este conhecimento usando técnicas modernas. Um ou outro chefe já vem fazendo isto, mas ainda é pouco. 


No preparo da farinha d´água (d´água porque a mandioca é mergulhada na água, contrapondo-se à farinha seca que não é amolecida em água), há variações aqui e ali, mas ela é sempre feita com a mandioca brava (com alto teor de um glicosídeo gerador de ácido cianídrico), que pode ser da branca ou da amarela (como a da foto, sem corantes!). A mandioca com baixos teores deste glucosídeo, chamada de macaxeira ou aipim, também pode virar farinha que assim é feita na porção sul do país, mas como, diferente da mansa,  a mandioca brava não serve pra mesa, toda ela é destinada para a fabricação de farinha, goma e tucupi. O processo de deixa-la de molho para amolecer (pubar, apodrecer) já começa a reduzir o teor da substância tóxica, faz a mandioca fermentar, aumentando os teores de vitamina do complexo B, melhora o sabor e facilita a trituração.  Há muitas formas de se pubar a mandioca. Há produtores que deixam em cestos nos igarapés. Há outros que colocam em baldes de plástico e, como vi em alguns lugares no Recôncavo baiano,  deixam até em caixas de amianto, nada recomendável.  Há quem troque a água a cada adição, o mais higiênico. E há aqueles que mantém uma água muito mal cheirosa quase nunca trocada. Há os que raspam a mandioca antes de pubar e há outros que colocam a mandioca com casca para só descascar quando a casca amolece e sai mais facilmente.


Na ilha do Marajó fui com dona Jerônima e o motorista Oseas conhecer duas casas de farinha na cidade de Salvaterra. Uma bem precária e outra mais bem estruturada, usando ainda recursos tradicionais, como o tipiti de palha. Numa delas, do Seu Casemiro Lúcio Figueiredo, que faz farinha há 20 anos, pudemos ver o processo inteiro, incluindo a produção de goma e tucupi.


Você pode se achar ignorante caso nunca tenha visto uma casa de farinha, mas não se sinta assim, afinal pode ser que você não viva numa região produtora de farinha nem seja um comedor contumaz da iguaria. E, para o seu conforto, saiba que muita gente que encontrei no Marajó, que come farinha local diariamente, também não sabe como se faz farinha. Talvez pela pouca importância que se dá ao trabalho do farinheiro, pesado, cansativo,  e ao produto em si, que, contraditoriamente, não falta na mesa do marajoara, seja ele rico ou pobre.


Mas, em vez de ficar aqui falando do processo de produção, você pode ver as fotos. Organizei as imagens em vídeo para que ficasse bem didático. Espero ter conseguido explicar. Observe o que é crueira, pois falarei dela na próxima quinta, com receita . Veja também um engenho de farinha no Sul, muito diferente, e o emocionante filme "O professor da farinha", de Teresa Corção.





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