Paiauaru. Coluna do Paladar, edição de 6 de junho de 2013
Comida Saudável

Paiauaru. Coluna do Paladar, edição de 6 de junho de 2013



Foto do Tiago Queiroz: a Dendê fez de tudo para
aparecer  na foto e depois ele me mandou esta pose
Antes de continuar falando de Fortaleza - e tenho muito a contar -, publico aqui meu texto mais recente no Paladar. Saiu na última quinta, edição de 6 de junho.  Aqui, apenas meu texto, mas lá no blog, este e tanta coisa mais: http://blogs.estadao.com.br/paladar/um-brinde-com-paiauaru-clicquot/

Um brinde com paiauaru-clicquot

  • 5 de junho de 2013|
  • Por Redação Paladar
Por Neide Rigo
São tantas as bebidas alcoólicas fabricadas pelos índios, sobretudo na Amazônia, que talvez pudéssemos ter mais de uma para cada afluente e subafluente do Rio Amazonas. Cronistas viajantes nos dão conta de que algumas lembravam cerveja ou champanhe.
Elas ainda estão presentes entre os índios e muitas casas comunais mantêm guardadas suas igaçabas de cerâmica para fermentação. Esses potes são fundamentais no processo fermentativo, pois retêm leveduras vivas para o próximo uso.
Qualquer ingrediente local, desde que seja fonte de açúcares fermentáveis, pode ser usado para o feitio dessas bebidas: taperebá, jenipapo, tucumã, bacaba, cacau, mel, milho, cará, mandioca, etc. Conforme a etnia, bebidas feitas com os mesmos ingredientes podem ter nomes diversos ? ou bebidas diferentes, o mesmo nome. No Alto Rio Negro, paiauaru é o nome dado pelos índios da família baré a uma bebida feita com abacaxi e garapa de cana. Entre os ticunas, do Alto Solimões, paiauaru é de mandioca e a massa fermentada pode ser comida.
Além de alegrar os sentidos, as bebidas alcoólicas, para os índios, têm finalidade ritualística e são consumidas socialmente em celebrações, ritos de passagem e mutirões na roça.
O paiauaru dos barés é feito no ajuri de derrubada ? ajuris são mutirões para colheita, derrubada ou plantio ? e leva três dias para ficar pronto. Começa com a colheita do abacaxi, corte e moagem da cana pelos homens. O resto do trabalho fica por conta das mulheres. No fim do trabalho coletivo, a bebida é servida.
Esta versão de paiauaru foi baseada em receita do livro Comidas Tradicionais Indígenas do Alto Rio Negro, organizado por Luiza Garnelo e Gilda Barreto Baré e apresentada no 7º Paladar ? Cozinha do Brasil, numa aula junto com Mara Salles e Ana Soares. receita foi adaptada aos nossos recipientes de armazenamento, ao nosso abacaxi de supermercado, às nossas leveduras urbanas e ao meu entendimento de bebida doce ? da receita original, apenas diminuí o caldo de cana.
Outra intromissão foi em relação à técnica. A receita pedia para juntar o caldo de cana e servir. O que fiz foi me aproveitar do acréscimo da sacarose para induzir uma segunda fermentação já na garrafa. Como resultado, uma bebida como espumante. E perigosa como qualquer champanhe. Deve-se manter sempre na geladeira. Depois de 20 dias, o sabor estava delicioso, misto de cerveja e cidra.
Além dos índios, mestres cervejeiros saberiam controlar os processos e chegar a um paiauaru perfeito. Porém, me dou por muito satisfeita com o resultado e tenho certeza de que qualquer pessoa sem experiência em alquimia ficará tão inebriada de alegria de produzir as próprias borbulhas e o próprio álcool que mal sentirá qualquer possível defeito no sabor.

Em busca da bebida perfeita

  • 5 de junho de 2013|
  •  
  • Por Redação Paladar
Por Neide Rigo
Depois de várias repetições na receita, pude errar e acertar muitas vezes. Uma das coisas que descobri é que não adianta querer induzir a fermentação em ambiente anaeróbico, como faríamos para cervejas ou vinagres. Na primeira vez, fiz sem cuidado algum, pois a receita não deixa claros os detalhes. E ficou ótimo. Na segunda vez, quis aperfeiçoar e usei utensílios higienizados, esterilizados com água fervente e ambiente sem oxigênio no vidro de armazenagem do abacaxi já cozido ? usei airlock, selo d´água e bexiga furada com agulha ? para que o excesso de gás vazasse sem deixar entrar oxigênio. Acontece que feito assim, nada aconteceu.
Claro, o abacaxi tinha sido pasteurizado, o caldo de cana, também. E com recipientes esterilizados, não restava ali nenhuma levedura viva para iniciar o processo de fermentação. O que fiz, então, foi continuar higienizando bem os recipientes, mas mantendo a boca do vidro tampada apenas com pano limpo ou folha de bananeira amolecida no fogo, presos com elástico. Outra forma que deu certo ? usar pote de barro tampado com folha de bananeira. A porosidade da cerâmica contribuiu para a fermentação. A partir da segunda vez, usando o mesmo pote, a fermentação se dá ainda mais precocemente.
Veja a receita do paiauaru de abacaxi

Ingredientes
2 abacaxis descascados e cortados em cubos
1 litro de água
1 litro de caldo de cana
Preparo
1. Cozinhe o abacaxi com a água até que fique mole (cerca de 20 minutos). Passe para um pote de cerâmica (não esmaltado) e tampe com folha de bananeira ou pano bem limpo e amarrado. Deixe fermentar até o abacaxi subir à superfície (de 2 a 3 dias). Passe por uma peneira, pressionando bem, e reserve.
2. Ferva o caldo de cana em fogo baixo e vá tirando a espuma até ficar limpo. Espere amornar e junte ao suco coado. Passe por uma peneira de náilon e ponha a bebida em garrafas que fechem com presilha (pode ser garrafa de cerveja com presilha, bem lavada com água fervente).
3. Feche bem e deixe na geladeira. Nos três primeiros dias, abra a garrafa com cuidado (afastada do corpo), contendo a tampa na palma da mão, para que saia o excesso de gás. Consuma em até 15 dias, bem gelado. E sempre abra a garrafa com cuidado.
Rende cerca de 2 litros

Paiauaru é de mandioca!

  • 5 de junho de 2013|
  • Por Redação Paladar
Por Neide Rigo
Em conversa com a antropóloga Marina Kahn, sócia-fundadora do ISA ? Instituto Socioambiental, soube que entre os Ticuna, população indígena que habita a região do Alto Rio Solimões, e várias outras etnias, pajuaru ou paiauaru (é assim o nome dicionarizado) é e sempre será o produto de fermentação da mandioca. Se feita com frutas é caiçuma. O que se usa para o paiauaru não é mandioca ao natural, mas sim beijus de massa de mandioca, num processo com técnica requintada.  Depois de assados, grandes beijus são amontoados sobre folhas de bananeira, chegando a 40 centímetros de altura,  intercalados com folhas de mandioca secas e esmigalhadas, e vão sendo, dia a dia, umedecidos com água morna aspergida com as mãos, até que a massa ganhe doçura e fique bem mole. Esta massa fermentada pode ser comida assim e tem sabor doce com aroma de massa de pão levedada. As crianças adoram comer pajuaru deste jeito. Depois, a fermentação continua na igaçaba (pote de cerâmica) bem tampada com folhas de bananeira, o que pode durar até 36 horas ? quando se deseja uma bebida com teor de álcool mais forte. A massa fermentada é diluída e vira uma bebida com consistência de mingau e leve teor alcoólico, tomado por todos em dias de festa. Mas o mais apreciado é o líquido que escorre dessa massa no fundo do pote ? a massa é contida por cima de um pequeno jirau dentro do pote para que no fundo reste apenas o líquido límpido.  Esta bebida pode se parecer com champanhe semi-brut  ou  cerveja, conforme os dias de fermentação. Talvez por isto, paiauaru de abacaxi, que também lembra um espumante, receba entre os Baré o mesmo nome.





Veja Também:

- Kefir Beer, Country Wine, Espumante Caseiro
Nada de O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. Para compartilhar este conteúdo, utilize o link:http://www.estadao.com.br/noticias/geral,refri-proibido-para-menores-imp-,4870O material jornalístico produzido pelo...

- Kvas Ou Kvass De Framboesas, Amoras E Nêsperas
Não sei se o que fiz pode ser chamado  exatamente de kvas, a bebida fermentada encontrada no mundo eslavo. A tradicional é feita a partir de pão de centeio ou outro. Geralmente leva soro de leite,  massa fresca de pão ou o próprio fermento...

- Aberém
FOTO: TADEU BRUNELLI/ESTADÃO Aberém foi um dos doces preparados pela Mara Salles, chef do restaurante Tordesilhas, na nossa aula no Paladar Cozinha do Brasil.  Durante nossos encontros investigatórios, Mara apareceu um dia aqui com o milho fermentado...

- Preparando O Levain Para O Panetone. Parte 4
Sua massa já está fofa, borbulhante, espumante? Pois bem, já tem aí um bom levain. Agora você pode continuar seu panetone por conta própria seguindo a receita cujo link dou na primeira parte desta série (http://come-se.blogspot.com.br/2014/12/vamos-comecar-fazer-o-fermento-para-o.html),...

- Vinagre De Caldo De Cana
Use vidros reaproveitados para envasar No capítulo sobre caldo de cana, rapadura, mel de engenho, alfenins etc do livro "Gastronomia Sertaneja, Ana Rita Suassuna diz: "Para fazer vinagre, é colocado  para fermentar em vasilha de barro, ágata,...



Veja mais em: Comida Saudável