Até há pouco tempo eu não dava muita atenção às pamonhas. Talvez pela trabalheira. Não sei, mas nunca entendi como aquelas mulheres podiam gastar um dia inteiro para colher o milho, ralar as espigas naqueles raladores grandes de folha de lata furados com prego, que às vezes ralam juntos os nós dos dedos, fazer e encher saquinhos de palha com aquela massa mole e esperar cozinhar por quase 1 hora para, no fim, se deleitar com meia horinha de descanso e prazer comendo pamonha com café. Achava uma coisa boba, muito trabalho para pouco, coisa de mulheres maduras que se reúnem para contar causo. Embora eu já esteja passando de madura, a atividade ficou todo este tempo nas mãos de avós, mãe e tias (agora já sem as avós), que também têm lá sua parcela de culpa por nos tratar como jovenzinhas até hoje e por ter nos chamado, quem sabe um dia, de pamonhas lerdas quando fazíamos corpo mole. Claro, pamonhas são lerdas, mas para quê pressa? Hoje estou começando a entendê-las ? as ditas e quem as faz. Da última safra de milho para cá é que comecei a me dar conta de que cabe a mim e às minhas irmãs a tarefa de continuar a tradição. Do contrário, talvez acabe, já que ninguém, nem minhas irmãs nem primas, sabem da arte. E eu não quero que acabe. Então, no próximo verão, quando os grãos de milho estiverem granados em Fartura, lá vou eu virar especialista em pamonhas - ainda não coloquei a mão na massa. Por enquanto vou fazendo um estudo antropológico a respeito das diferenças regionais de feitio, tempero, envoltório.
Neste último fim de semana fomos ao Revelando São Paulo, um evento que acontece todos os anos no Parque da Água Branca e já está na sua 11ª edição. Lá a gente encontra artesanatos (muito pano-de-prato bordadinho para o meu gosto) e comida regional de várias cidades paulistas, como bolinho de mandioca recheado com carne-seca; sanduíche de coração de bananeira; carne de lata; pastel de angu, queimada do alho e, é claro, pamonha. É tudo muito precário, com pratinhos de plástico, mas vale em nome do tal estudo antropológico. E no Vale do Paraíba as pamonhas são peculiares, pois em vez de palha são usadas como bolsinha as folhas de caetês ? nome dado a várias plantas da família Musácea, a mesma da bananeira, do gênero Heliconia. Estas folhas têm consistência das de bananeira, sendo porém mais flexíveis e menores. Usa-se uma folha por pamonha e parece prático. De onde veio esta idéia é que ainda estou para descobrir. Comi as duas versões: doce e salgada. A doce é bem doce (300 g de açúcar por dúzia de milho, em média), como costumam ser em todo canto; e a salgada pode ser recheada com queijo. Não levam tempero algum além do sal ou do açúcar (a da minha mãe leva óleo e/ou manteiga e sempre sal e açúcar ? tanto na doce quanto na salgada, mudando as proporções conforme a natureza; na Bahia pode levar leite de coco; em Goiás pode ser recheada com lingüiça e assim vai). Estavam bem gostosas.
Veja também sobre pamonhas de Piracicaba e de Franca, aqui.
11ª Revelando São Paulo ? Festival da Cultura Paulista Tradicional
Culinária, música, dança e cultura indígena
De 8 a 16 de setembro
Parque da Água Branca - Avenida Francisco Matarazzo, 455, Perdizes, São Paulo ? SP