Comida Saudável
Pão de Paris
Estas delícias são do Michel Cirés e James Forest, feitos lá em Dakar Todo mundo sabe como o assunto pão é levado a sério pelos franceses, a ponto de terem posto na boca de Maria Antonieta a célebre e debochada frase "se o povo não tem pão, que coma brioches", provavelmente dita por outra princesa em outro momento, talvez de outra forma e em outra circunstância. O que não pode é faltar pão, representação muito simbólica e literal do alimento que nos livra da fome. E em época de paz e fartura também é prazer. O fato é que francês não passa sem pão a não ser que ele tenha doença celíaca ou sofra allergie du boulanger (sim, muitos padeiros precisam fazer pães com máscaras e não comem do próprio pão). Cheguei a Paris com muitas recomendações para conhecer os pães da Poilane, considerados os melhores. Logo descobri que não é unanimidade e, como não estava fazendo um programa apenas gastronômico, comprei baguetes em padarias diferentes e charmosas sempre que sentia o aroma de pão fresco invadindo calçadas. São muitas boulangeries anunciando pães artesanais, além das tradicionais baguetes feitas com levain, muito brancas, com miolo sedoso. Fazíamos nossos lanches com estes pães recheados com queijos brie, presuntos e saladas e levávamos na mochila com um pouco de vinho, suco ou água. Não via a hora de chegar o momento do lanche, entre um museu e outro passeio, quando sentávamos num banco de jardim e comíamos aquele pão de casca dura e miolo amolecido pela salada. Sinceramente não saberia diferenciar a qualidade das baguetes que comi, todas muito boas, a não ser que fizesse uma degustação comparativa, coisa que não fiz por lá.
Tive a sorte ainda de passar ao acaso em frente a uma padaria cheirando a pão quente em Montmartre. Não resisti e abocanhei um pedaço ali mesmo, descobrindo em seguida que estava mordendo a melhor baguete parisiense de 2010 - coincidentemente, já que acabava de chegar de Dakar, o vencedor foi o senegalês, Djibril Bodian, da Le Grenier à Pain, esta que me laçou pelo cheiro. Africanos, árabes, chineses e até franceses são os padeiros atuais de Paris. Já no aeroporto ganhei da amiga Dajuda um pão do padeiro Houssem que ela já havia recomendado e não tive tempo de provar. Tampouco comi na França os aclamados pães da Poillane, mas no último dia comprei um pacote dele no supermercado e trouxe para degustar aqui no Brasil, podendo comparar com o presente da amiga, que depois ainda me mandou fotos. Comparei os pães dois dias depois que cheguei. As duas fotos de cima são do pão presente da Dajuda, feito pelo padeiro Houssem Ait Kaci, da padaria recém aberta Les Delices d´Assia. Os pães da Poilane são lindos, aerados e se parecem com o que comi no Le Comptoir. No entanto, estavam totalmente ressecados enquanto o pão do Houssem, embora cortado em fatias mais finas, resistia macio e úmido, gostoso de mastigar, sentindo no dente um grãozinho aqui, outro ali, acho que de sementes de girassol. Achei que estava um pouco salgado para meu gosto e pedi pra Dajuda perguntar se era a receita, um erro ou chatice minha. De resto, era maravilhoso. Dajuda pegou sua bike e foi averiguar com Houssem - um tipo de Rodrigo, do Mocotó, bonito, simpático e talentoso.
Pães e padaria do Houssem. A bicicleta e estas fotos são de Dajuda Santana
Houssem ganhou mais um ponto meu admitindo que o pão esteve mesmo mais salgado naquele dia, mas que o erro foi notado e corrigido. Segundo Dajuda, diz-se na França que salgar comida além da conta é sinal de estar apaixonado. Melhor assim! Quando a paixão se transforma em amor, tudo volta ao conforto da normalidade. Dajuda aproveitou para comprar mais pães, dos quais tirou foto para nós e pegou o endereço certinho, carimbado num papel já que a pequena padaria ainda não tem site nem cartão.
Outras coisas que vi: pães são vendidos também nas feiras livres. Podem ser simples baguetes com preços baratos, como pães artesanais vendidos aos pedaços a um preço mais elevado. Pães da feira: engraçado que pão para os franceses é tão sagrado que é imune a contaminações. Se você pega uma banana com suas próprias mãos, o vendedor acha ruim - ele é que tem que pegar. Sei lá, talvez você possa sujar as outras bananas. Mas se ele pega a baguete com a mesma mão que recebe o seu dinheiro, tudo bem. Vá entender!
O próximo vilão: aguarde que isto ainda vai chegar por aqui: "sem óleo de palma" (além dos sem colesterol, sem leite, sem ovos, sem gordura vegetal hidrogenada, sem gordura trans, sem açúcar ...) De quebra, comi o melhor croissant de Paris, mas este não é pra qualquer um. Só para quem trabalha no Opéra (Dajuda é restauradora lá). Ou visitante - e eu tive a sorte de ser.
Um parêntese: faça sol, faça chuva a quase zero grau, meio dia ou meia noite, Dajuda segue de bicicleta até Issy-les-Moulineaux, já fora de Paris. E teve ainda tanta disposição para nos mostrar Paris.
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