Oficina para padeiros no Senegal
Comida Saudável

Oficina para padeiros no Senegal


James Forest saindo com pão branco de uma pequena padaria numa aldeia
Talvez as fotos do álbum abaixo só interessem a nós três que estivemos tão próximos durante 15 dias ininterruptos, do café da manhã à hora de dormir. Ao final ainda tínhamos a mesma cumplicidade e empatia dos primeiros dias, mesmo com as adversidades que enfrentamos e a dificuldade da língua, que resolvíamos com um espanhol aqui, um inglês acolá. Quando nos empolgávamos, cada qual fazia seu longo discurso na língua materna, achando que o outro estava entendendo tudo, o que de fato acabava acontecendo como que por magia - ou osmose. Eles não diziam, mas sei que também já sentiam falta de casa e de seus pares - Michel, de Janette e James, de Christine. De minha parte, estava morrendo de saudade do Marcos. Ainda assim, continuamos de bom humor e firmes nos nossos propósitos até o final, quando fomos nos despedir na praia de Dakar - eu já com a roupa de viagem de volta.  


Michel Cirés e James Forest são padeiros franceses especialistas em pães orgânicos. Michel tem padaria em Lourdes, nos Pirineus, e James, além de trabalhar com projetos sociais nesta área, é também botânico e leciona numa escola de fitoterapia em Toulouse. Se eu tive dificuldades nas minhas oficinas com a falta de ingredientes e de equipamentos, os dois padeiros foram mais longe. Tinham à disposição um engenheiro para adequar às suas necessidades a temperatura e distribuição de calor de dois fornos a gás e, mesmo assim, tiveram que andar com formas de massa nas mãos para assar os pães em fornos tapalapas, que são os fornos de barro aquecidos a lenha usados por todos os padeiros que participavam da formação. Na primeira oficina, o forno ficava numa aldeia perto do local da oficina e eles iam a pé. Já em Louga, tinham que percorrer diariamente cerca de três quilômetros, de carro, equilibrando as formas com os pães a serem assados. No começo alguns pães queimaram, outros sairam crus. Mas depois do encontro com os tapalapas, tudo se ajeitou e os fornos à gás foram usados apenas para os biscoitos de milho ou milhete perfumados com água de flor de laranjeiras, divinos. Generosos, ensinaram tudo, todos os truques, todos os segredos. Querem que os senegaleses consigam fazer pães tão bons quanto aqueles da Boulangerie L´Ami du Pain, em Lourdes.  


O levain foi trazido da França, mas da primeira para a segunda oficina ele foi extraviado sabe-se lá como e sorte que tiveram tempo de começar outro na cozinha do hotel de Thiés. Todas as noites reformavam o fermento para que no outro dia estivesse muito ativo e borbulhante e houvesse quantidade suficiente para vários tipos de pães. A ideia era mostrar que podemos usar farinhas de cereais locais numa proporção maior que os 10% usuais - alguns poucos padeiros já fazem esta mistura, mas os ganhos podem ser ainda maiores se conseguirem usar milho, sorgo, milhete e também amendoim em proporções maiores. Michel e James, com uma receita melhor que a outra,  mostraram que isto é possível. Não sobrava uma só baguete ou brioche depois da degustação. E ficamos sabendo que alguns padeiros já começaram a aplicar a ideia em suas pequenas padarias, contentes com a economia que fariam e com o ganho nutricional. 


Aliás, visitamos algumas destas padarias artesanais, geralmente com estrutura precária - são simplesmente grandes fornos de barro protegidos por cabana de palha. Um grande recipiente de madeira serve para a mistura da massa. De resto, apenas formas, panos e pás, para um trabalho duro sob a luz fraca das estrelas. Às vezes o padeiro, que trabalha durante toda a noite, aproveita o frescor da manhã para dormir sobre a bancada onde foi amassado o pão.


Legado da colonização francesa, o pão branco, de trigo refinado e pouco nutritivo, está presente em todo o café da manhã senegalês. Como no nosso.  Às vezes também no almoço e no jantar. E, embora a produção de milho, milhete, sorgo e amendoim seja farta, os dois cereais mais consumidos diariamente, trigo e arroz, são resultados de importação. Infelizmente o cuscuz tradicional feito com os cereais locais está caindo em desuso na zona urbana, devido ao grande trabalho de pilar os grãos para descorticar, transformar em sêmola e depois cozer no vapor, soltar com as mãos e fazer isto mais duas vezes. A farinha destes grãos, extraída em moinhos particulares ou coletivos, pode ser uma solução, especialmente para os pães de padarias artesanais com fornos tapalapa. Milho quebrado como quirera poderia ser uma alternativa ao arroz, que vem do Vietnã e até da Argentina. Mas isto não foi abordado nestas oficinas, é assunto para outras missões. Com a alta do preço dos alimentos, ou se investe nos recursos locais provenientes sobretudo da agricultura familiar ou os países dependentes de produtos importados estarão fadados para sempre à pobreza e à fome. Promover a soberania alimentar é o que se pretende com este projeto da ong Solidaritè, do qual tivemos o prazer de participar. 


Depois que testar, publico a receita de biscoitos de amendoim com milho do Michel. E, para quem quiser ver todas fotos, aí estão:





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