Quinta sem trigo 17: Cuscuz marroquino? Não, attiéké da Costa do Marfim
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Quinta sem trigo 17: Cuscuz marroquino? Não, attiéké da Costa do Marfim


Três tipos de attiéké
Fora nossos vários tipos de cuscuz - de arroz, de fubá, de flocão, de tapioca, de mandioca com amendoim, mandioca com coco, de cará etc, todos sem gluten, conhecemos o cuscuz marroquino,  feito com sêmola de trigo duro e é este que é considerado o tal, importado, caro, que aparece nos restaurantes.  


No entanto, na parte norte da África, o cuscuz de trigo é só mais um e custa bem barato, já que tudo o que faz farinha pode se transformar também em cuscuz, até banana verde. Comprei em Dakar e em Paris vários tipos de cuscuz africano - de sorgo, de fônio, de arroz, de milho, de milhete e até de trigo. Mas um que me deixou feliz mesmo foi o attiéké, da Costa do Marfim. 


Além de ser o primeiro produtor mundial de cacau (ou era até antes dos conflitos), a Costa do Marfim produz muita mandioca e, embora a planta tenha sido introduzida no continente africano a partir do Brasil, nem toda a técnica indígena para lidar com a raiz acompanhou a viagem. Não se vêem por lá, por exemplo, beijus de tapiocas ou outros produtos e receitas feitos com a fécula. Em compensação, parece que assimilaram a preparação da pubagem ou fermentação para inativar o glicosídeo que dá origem ao ácido cianídrico nas mandiocas bravas. E assim são feitas algumas farinhas por lá. 


O processo de fabricação do attiéke é mais ou menos parecido com aquele usado para fazer nossa farinha d´água, ou seja, a raiz é descascada, deixada imersa em água por alguns dias até amolecer, esmagada, prensada e seca. A diferença é que a massa fermentada é misturada a um pouco de massa de mandioca fresca e deixada mais uns dois dias para refermentar, e, no final, a massa prensada é posta a secar por algumas horas sob o sol. Deve haver peneiragem antes e depois para manter o tamanho dos grãos uniformes. Aí é só cozinhar no vapor e está pronto para comer. Ou vender. 


Depois de cozido no vapor, os grãos podem ser embalados e vendidos em saquinhos para que se esquente em casa na cuscuzeira ou no microondas. Pode ser congelado também. Mas, para vender ao mercado internacional (há attiéke em Paris, por exemplo), o produto, depois de cozido no vapor, é desidratado, bastando, na hora de consumir, hidratar e aquecer (no vapor ou cuscuzeira). 


Cuscuz marroquino e Attiéké, da Costa do Marfim
Os grânulos do attiéké seco são uniformes e algo translúcidos, lembrando um pouco aquele risilho que mostrei aqui. E você agora pode me perguntar, mas onde vou conseguir este tal de attiéké? Na África, em Paris, nos Estados Unidos. Talvez você não encontre facilmente, mas se um dia se deparar com ele já vai saber que não tem gluten e é delicioso para se comer com peixe. Lembra na forma o cuscuz marroquino com um delicado sabor ácido da fermentação.  No sabor, aproxima-se mais à nossa farinha de Uarini - tipo ovinha, que tem os grãos arredondados e você pode usá-la se encontrar (é só encomendar àquele amigo que vai pra Belém ou Manaus). Em último caso, compre uma boa farinha d´água e peneire para obter grãos do tamanho de grãos de triguilho. E é só preparar como fiz o cuscuz com a farinha de Uarini.  Ainda há a opção de fazer um bom  engroladinho de mandioca fresca para comer à guisa de attiéké com a tilápia - companhia constante naquele país.


Assei a tilápia embrulhada em folha de bananeira - com dendê, cebola, pimentão, tomate, limão e leite de coco
Preparei o cuscuz como recomenda o rótulo, hidratando e aquecendo no vapor. Abri o peixe e nhac!

O attiéké pode ser acompanhamento de carnes, frango, legumes e especialmente tilápia (nossa tilápia veio da África, lembra?), que costuma ser servida frita. Comprei o peixe com meio quilo, fiz uns cortes na pele e temperei com sal, pimenta, alho, cebolinha e coentro picado. Deixei dentro de um saco plástico, na geladeira, de um dia para outro. No outro dia embrulhei em folha de bananeira, recheei e cobri com rodelas de cebola, pimentão, tomate, limão, azeite de dendê e leite de coco.  Deixei assar em forno médio por cerca de meia hora nhac!

Se quiser, pode passar em farinha e fritar para comer com o Attiéké 
 Prometo para a próxima quinta algo bem fácil e gostoso!  




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