Comida Saudável
Se tomate é fruta ou legume? Eu sei.
Do nada. Alguém levanta a mão e pede a palavra: tomate é fruta ou é legume? Ouvi uma vez a pergunta num congresso de nutrição. Mas não só. Há um mês uma amiga me mandou a pergunta por email porque seus colegas na redação precisavam saber de um especialista. Numa conversa no bar, na reunião de condomínio, na manicure, no discurso do padre ou em qualquer situação tendo ou não que ver com o universo botânico ou hortifruti, esta pergunta, uma hora ou outra, vem à tona. Você certamente já passou por isto. Se não, aguarde, sua vez chegará.
Meu encafifamento quando ouço a pergunta não é quanto a resposta, que, é lógico, todo mundo sabe mas mesmo assim, sem saber porque, alimenta a dúvida, como se ela fizesse parte do nosso dna. Minha dúvida é o porque da dúvida? Por que se dá apenas em relação ao pobre do tomate? Porque ninguém pergunta se pepino é fruta ou legume; ou abóbora, chuchu, quiabo, pimentão, abacate, fruta-pão?
Acho que se pedirmos a qualquer criança que esteja aprendendo a teoria de conjunto para formar um de frutas e outro de legumes, ela saberá onde agrupar uma manga, uma laranja, uma berinjela e um tomate. Os dois primeiros itens no grupo das frutas e os dois outro em legumes.
O que acontece é que o termo legume é uma classificação leiga de interesse culinário e hortifruti apenas, usado para designar várias hortaliças de ciclo curto, cujas partes comestíveis são de natureza botânica diversa: raiz (mandioca), flor (alcachofra, brócoli, couve-flor), caule (ruibarbo, salsão), tubérculo (batata, batata-doce, cará) e frutos (pepino, abóbora, maxixe, quiabo, berinjela, jiló, pimentão e, claro, tomate). Chamamos de fruta, também uma definição extra-botânica, aos frutos que geralmente comemos crus como sobremesa por serem doces ou casarem melhor com açúcar que com sal. Mas, claro, esta é uma definição sem muito critério científico, padecendo, portanto, de inúmeras exceções, afinal podemos fazer salada salgada com uma maçã e uma torta doce com abóbora. Mas uma coisa é certa: são todos vegetais. E o tomate, para sermos botanicamente corretos, é um fruto - não fruta. E, hortifrutamente e culinariamente, é um legume. E pronto.
Mas, também, o que importa? Minha pergunta é o porque da dúvida. E não vamos achar que a dúvida seja só nossa. Está marcada a ferro e fogo no inconsciente coletivo do planeta. Basta uma busca no Google com os termos tomate+fruta+legume traduzidos numa língua que você domine e verá que a questão está presente em todas elas - achei até em japonês. Faça o teste.
Lembrei que a questão também não é bisbilhotice recente. Quando era bem pequena, tinha uns 10 anos, uma comadre da minha mãe chegou falando dos benefícios do tomate. E quando o assunto era comida eu sempre estava de butuca atrás da porta. Algo como: ?É, comadre, sabia que tomate é fruta? Pois é, fazem até suco com ele e fica uma delícia.? Minha mãe, sempre cética e com teorias muito próprias em relação a ingredientes, parece não ter dado muita bola. Já eu, não via a hora que ela fosse à cidade pagar contas pra me apoderar da cozinha e fazer o tal suco com a tal fruta. Gastei os tomates da geladeira liquidificando-os com água, gelo e açúcar. Bati, coei, coloquei num copo bonito, achando que iria provar o rei dos sucos de frutas. Bonito, até que era. Mas... Eca! Coisa horrível. Só mais tarde descobri, coisa que a comadre Alaíde não contou, que o tal suco deveria ser salgado, bem temperado, apimentado. Mas era tarde. Porque, naquele dia, inconformada, tentei salvar de qualquer jeito a aberração. Se a comadre disse que era uma delícia (e desconfio que ela nunca o tenha provado, nem doce nem salgado), estava, certamente, faltando um tempero. Que coisa bem boa poderia contribuir? Ah, já sei, Toddy, talvez! A cor você pode imaginar. E o sabor, credo, cem vezes eca. E se eu colocasse um pouco de leite condensado? Doce, doce de doer. E, cruzes, cem mil vezes eca. A coisa foi piorando de um jeito que não podia ter outro destino que não o ralo da pia, protegendo o nariz do cheiro nauseabundo. Ainda me lembro do cheiro. Talvez astecas, íntimos dos dois igredientes, tenham algum dia misturado tomate e chocolate numa bebida doce, mas duvido que tenha funcionado. Como tinha o dom de não deixar rastros e proibia minhas irmãs mais novas de contarem, ninguém nunca soube como sumiram os tomates.
O suco, minha mãe não fez, mas a coisa de tomate ser fruta também mexeu com seus dogmas e logo ele começou a aparecer discretamente, sem alarde pra não dar braço a torcer, na nossa vitamina da merenda, com banana, abacate, maçã e mamão. Assim, até que passava despercebido e a combinação era harmônica. Mas, até aqui e agora, não tinha relacionado esta história com a dúvida ancestral em relação à crise de identidade do tomate. Imaginem, então, quanta monstruosidade já foi criada e desprezada por conta deste enigma que penetrou por todas as frestas, criando cismas e certezas. Alguns, como a comadre Alaíde, já foram logo tomando partido e decretando: ?é sim, é fruta e vai pra fruteira?.
Bem, então fui atrás de saber por que, por que, meu Deus, cismaram com o pobre do tomate? Pelo que descobri, é mais ou menos isto. Se estiver errada, aceito contribuições: Acontece que até o final dos anos 1800 o tomate era, nos Estados Unidos, classificado como fruto. Mas, em 1893, a questão foi levada por um consórcio de agricultores à Suprema Corte* que, finalmente, decretou que o tomate era um legume sim e, portanto, sujeito aos impostos de importação aplicados aos seus iguais ? pepinos, quiabos, berinjelas. Isto protegeria o preço do tomate nacional, pois impediria que o estrangeiro entrasse no país com preços baixos, já que as frutas naquela época eram livres de taxação. Lembrando, é claro, que o tomate já era dentre as espécies vegetais comestíveis uma das mais populares e apreciadas por milhões de pessoas no mundo todo. A questão, claro, causou debates populares acalorados que atravessaram gerações e, como todo assunto americano, seja de tomates ou de presidentes, é de interesse coletivo, ele ainda mora em nossas mentes. O que você acha: tomate é fruta ou legume? * Lembram do filme Lemon Tree, em que o limão também foi levado à Suprema Corte? Quem sabe um dia a história do tomate também vira filme e fica decretado de vez o fim da dúvida.
Quem viu o filme Bubble, que conta a história de três amigos de Tel-Aviv e uma paixão palestina, deve se lembrar da salada de tomate que aparece em cena. Eram simplesmente tomates muito mais vermelhos que estes orgânicos, com sal, manjericão e azeite. O filme é excelente, recomendo. E a salada, nem preciso dizer. Esta, temperei com umas gotinhas de limão, azeite e flor de sal.
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