Sorvete de fava tonka, ops, sorvete de amburana-de-cheiro
Comida Saudável

Sorvete de fava tonka, ops, sorvete de amburana-de-cheiro


A amburana foi um dos ingredientes estranhos que apresentei na aula da escola Wilma Kovesi na semana passada. Tudo começou com o cumaru ou fava-tonka que ganhei do Carlos Dória numa aula dele também na Wilma Kovesi. Falei dela aqui. Cheguei em casa e mostrei a semente para a Eliana, minha ajudante baiana, que foi logo decretando: isto tá parecendo amburana-de-cheiro que lá na Bahia a gente usa como remédio para má-digestão. Prazer, amburana-de-cheiro!
Fui atrás de informações para descobrir que pito tocava esta tal amburana. Primeiro, identifiquei a planta no livro Árvores Brasileiras, do Harri Lorenzi (http://www.plantarum.com.br/). Depois fui procurar a semente na banca de chás e ervas do Mercado da Lapa. Pronto, achei no Rei dos Temperos, para usar como chá ou banho de cheiro e não como tempero. Mas o perfume maravilhoso, o mesmíssimo do cumaru (fava tonka) é da cumarina, de aroma doce, perfumado, um tipo de baunilha. Diferente, porque baunilha tem mais vanilina que cumarina, mas igualmente muito bom. Já é usada na perfumaria e na fitomedicina. Perguntei pra Eliana se as sementes ficam lá caídas no campo, dando sopa e ela disse que não, que todas as sementes são coletadas e vendidas. A Dipteryx odorata (fava tonka), esta sim é exportada não só para ser usada como aromatizante na indústria alimentícia e de perfumaria, mas também para uso culinário. Por aqui, já podemos encontrar na Bombay.
Já quanto à amburana, não encontrei nenhum registro de uso como ingrediente culinário, além do uso em cachaça e xaropes para bronquite. Mas o fato é que pode ser usada como o cumaru e na índústria ambos extratos tem os mesmos usos - aromatizar chocolate, charutos, fumos para cachimbo. Ainda assim, como tem uso na medicina popular, ela está por aí, fácil de encontrar. E barata - paguei um real por um saquinho com umas 70 sementes.
Passei a usar amburana como uso a fava de baunilha, e isto deixa a casa toda perfumada. Outro dia estava fazendo um mingau aromatizado com ela e a Ananda perguntou o que era aquele cheiro que subia ao seu quarto e que lembrava as balinhas de guaco que eu fazia quando ela tinha tosse, ainda muito criança. Fiquei impressionada com a lembrança do aroma, que realmente é marcante, mas não tinha ideia que fosse tanto. Quem já passou perto de um pé de guaco (Mikania glomerata) e sentiu seu perfume sabe do que estou falando. Aliás, quem não tem amburana vá de guaco, que também funciona. Uma infusão com algumas folhas no leite. E usa o leite.
Bem, na sobremesa do jantar de ontem teve sorvete com amburana-de-cheiro e de novo a Ananda que tem bom nariz e um ótimo paladar lembrou do guaco, achou melhor que sorvete de baunilha e sugeriu combinar com bolo ou compota de goiaba, por intuição. E hoje cedinho lá fui eu comprar goiaba e fazer uma compota que testei anos atrás quando trabalhei numa cozinha experimental onde eram desenvolvidas receitas para revistas e livros. A receita é de sorvete com as metades de goiaba em compota usada como suporte. Usei apenas a receita da compota. E não é que Ananda tinha razão? Combinou muito. Mas, independente da goiaba, o sorvete tem sabor delicioso e intrigante. Corra, antes que o calor acabe.
Sobre a planta: A Amburana cearensis Fr. Aliem é uma leguminosa da família Fabaceae que pode atingir de 15 a 30 metros de altura. Está presente em toda a América do Sul, do Peru à Argentina. No Brasil, é bastante difundida no sertão nordestino, mas pode ser encontrada também em Minas Gerais, Espírito Santo e sul do Mato Grosso, na Serra Bodoquena. É conhecida como imburana, umburana, cumaru-de-cheiro, cumaru-do-ceará, cumaru-das-catingas, cerejeira-rajada, cerejeira, cumaré entre outros. A madeira de cheiro agradável é usada na marcenaria e em tonéis para envelhecer cachaça. Outros usos populares são como aromatizante de ambientes, repelente de insetos e xarope para combater doenças respiratórias (seu extrato é broncodilatador). As sementes trituradas fazem o rapé-de-imburana, usado para fazer espirrar quando se está com nariz congestionado. Por causa da cumarina, um anticoagulante, o uso em excesso pode não ser muito bom (mas na cozinha, usada em infusão, é difícil de se atingir uma dosagem indesejável).

Além da confusão de nomes com o cumaru, Dipteryx odorata (que, por sua vez é do mesmo gênero do baru, Dipterix alata, que também é chamado de cumaru), pode causar equívocos ainda com outra planta conhecida como imburana-de-espinho, a Commiphora leptophloeos.
Como usar amburana-de-cheiro
Para fazer xarope de amburana ? bom para doenças respiratórias e também pra servir com sobremesas, como sorvete, basta levar para ferver 1 xícara de água com 10 sementes de amburana, 1 pedaço de canela, dois cravos e meia xícara de açúcar. Ferva até adquirir consistência de mel. Coe e guarde na geladeira para tomar às colheradas durante crises de tosse ou para regar sobre sorvete.
Para perfumar açúcar: faça como se faz com as favas de baunilha - coloque umas 5 sementinhas num vidro com 1 xícara de açúcar e use depois de uma semana. Vá completando o açúcar até o cheiro ficar fraco.


Sorvete de creme ao perfume de amburana com compota de goiaba
Ingredientes
550 ml de leite integral
10 sementes de amburana (Amburana cerarensis)
150 g de creme de leite fresco
120 g de gemas (cerca de 5 unidades)
160 g de açúcar
Modo de fazer: ferva o leite com a amburana. Desligue o fogo, tampe a panela e deixe em infusão até esfriar o leite. Junte o creme de leite e leve novamente ao fogo para ferver. Enquanto isto, à parte, bata na batedeira as gemas com o açúcar até resultar numa mistura esbranquiçada e fofa. Junte o leite fervente, coado, misture bem e volte ao fogo baixíssimo. Cozinhe, mexendo sempre, sem deixar ferver, até virar um mingau (cerca de 5 minutos). Resfrie em banho-maria de gelo, mexendo com batedor de arame. Coloque na sorveteira e deixe congelar. Para completar, deixe no freezer por mais 2 ou 3 horas para firmar. Se não tiver sorveteira, leve a mistura ao freezer numa tigela de inox. De vez em quando, misture bem com uma colher. Sirva goiaba em compota congelada (receita abaixo) e sua calda.
Rende: 12 bolas de 70 g
Nota: adaptado do sorvete de baunilha do livro Il Gelato Artigianale italiano, de G. Preti, sem os 15 g de glicose e 5 g de estabilizante recomendados - quem quiser é esta a proporção.
Compota de goiaba para servir com sorvete
Ingredientes
6 goiabas médias maduras (900 g)
2 xícaras de água
1 xícara de açúcar
Modo de fazer: descasque as goiabas, corte-as ao meio e, com uma colherinha, tire o miolo com as sementes. Misture as sementes com a água e leve ao fogo. Cozinhe por 10 minutos, passe por peneira. Descarte as sementes e junte ao caldo coado o açúcar. Leve ao fogo e cozinhe até obter uma calda rala (cerca de 10 minutos). Acrescente as goiabas em metades e cozinhe por cerca de 5 minutos ou até que amoleçam, sem desmanchar. Espere esfriar, reserve a calda, apóie as metades escorridas dentro de xícaras forradas com plástico (para ficar fácil de descolar depois) e leve ao freezer para congelar ? cerca de 2 horas.
Rende: 12 metades com calda
Nota: adaptada da coleção O Gosto Brasileiro ? cozinha baiana ? Editora Globo). Se quiser, sirva a compota sem congelar, com sua calda.




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