Comida Saudável
Tamuatá, o peixe do mato
"[...] tamuatá [...]. A carne tenra e muito saborosa." Jean de LÉRY. Viagem à Terra do Brasil (1555-1557). São Paulo, EDUSP/ Biblioteca Histórica Brasileira. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Martins Editora, 1972. p. 119 (com referência aos peixes de rio que servem de alimento aos Tupinambás)
Os tamuatás, suas ovas e fígados, aferventados para tirar a armadura e, depois, já despidos e prontos para o preparo.
Pois é, muita gente acertou e isto me deixa feliz. A resposta da charada do post anterior é mesmo tamuatá (cascudo, para alguns). Já tinha mostrado aqui, quando falei de Belém e dei a receita de tamuatá no tucupi. Na semana passada comprei duas vezes o peixe no Mercado da Lapa. Na plaquinha lia-se "caboge", mas não foi difícil reconhecer ali o mesmo tamuatá que comi no Norte - com a diferença que lá a carne era mais colorida. Não é sempre que tem por aqui, por isto aproveitei.
Da espécie Hosplosternum littorale, o tamuatá não é exatamente um cascudo, mas em alguns lugares é chamado assim. E que assim seja. É que as cerca de 250 espécies de cascudos encontrados no Brasil pertencem à família do loricarídeos que agrupa vários gêneros, entre eles Loricaria, Plecostomus, Ancistrus, Xenocara, Otocinclus, Farlowela e outros. Já o tamuatá pertence à família dos calictídeos. Cascudos também apresentam revestimento de placas ósseas, são vegetarianos e têm boca com espículos (ou dentes pontudos) adaptados para raspar a microvegetação de pedras. O tamuatá, que pode ser chamado ainda de tamboatá, camboatá, tamatá, tamoatá, tamutá, caboge, caborja, soldado (basta ver a armadura) ou peixe-do-mato, se alimenta de microorganismos e detritos orgânicos encontrados nos fundos dos rios e lagos. Na Bolívia, é buchere; na Colômbia, hoplo
Imagine um peixe resistente se arrastando pelo mato, pelo mangue, em busca da próxima poça de água. É engraçado, mas acontece com soldadinho tamuatá (que quer dizer peixe bonito). Nas secas, ele se desloca pulando em busca de água. Para isto dispõe de nadadeira peitoral com o primeiro raio duro e forte, em forma de espinho, que ajuda na sustentação. Ou se enterra no lodo durante a seca até a próxima chuva. Isto porque algumas espécies apresentam respiração dupla: aquática e aérea.
Pode ser encontrado em todo o Brasil, mas não é um peixe comercial. Tem importância econômica insignificante, considerado mais como pesca de subsistência. Mesmo nas regiões Norte e Nordeste, onde é mais apreciado, não é unanimidade. Senti isto quando estive em Belém e, no mercado, diante da carne salmão exibida pelos vendedores, alguns faziam cara de nojo e outros de delícia. Alguns preparam com a barrigada por causa do fígado, apreciadíssimo. Foi assim que comi. Gostei muito, mas preferi eviscerá-lo.
Aliás, a dificuldade maior é limpar, porque as placas no lugar de escamas não saem facilmente. É preciso passar em água fervente. Mas o processo é rápido. Outra coisa chata ? não para mim - é que, sendo um peixe pequeno (6 a 7 unidades por quilo), os peixeiros do mercado da Lapa não limpam. A vantagem é que podemos separar fígados e eventuais ovas para recheios. No sábado, quando comprei mais um quilo no mercado, encontrei outra admiradora com seu marido comprando o mesmo peixe. Marilu e Marcelo. Ela, maranhense; ele, mineiro. Ela prefere o peixe no leite de coco; ele, frito. Quanto às ovas, concordaram: uma delícia para misturar ao recheio e fritar. No caso do molho com leite de coco, o procedimento é o mesmo que já mostrei na receita da Naza. Para fritar, o peixe é mergulhado inteiro, com placas e tudo, no óleo quente. E, neste caso, o peixe deve ser limpo através de um pequeno corte no pescoço. É mais difícil, mas o recheio fica protegido. Para fazer em molho, a barriga pode ser limpa em campo aberto. E tudo fica mais fácil, inclusive para tirar ovas e fígados.
Bem, a informação do casal veio se somar ao pouco que já sabia e, então, comemos tamuatá dos dois jeitos neste feriado de muito trabalho. Tudo bem, afinal lagosta também dá o mesmo trabalho, custa dez vezes mais e ninguém reclama. Tá certo, a lagosta é superior no sabor, mas o tamuatá não fica muito atrás, não. Os dois jeitos ensinados pelo casal foram aprovadíssimos. O tamuatá no leite de coco, servi com cuscuz de farinha ovinha. O frito, com purê de banana-da-terra e mandioca. O preço? 4 reais o quilo.
Tamuatá no leite de coco
4 tamuatás (cerca de 700 g)
2 colheres (sopa) de óleo de urucum ou azeite
2 dentes de alho picado finamente
1 cebola picada
2 colheres (sopa) de folhas de coentro
1 tomate sem pele picado
Meio pimentão verde picado
2 pimentas vermelhas e ardidas sem sementes picadas
¼ de xícara de água
Sal e pimenta-do-reino a gosto
2 xícaras de leite de coco
Suco de limão Limpe bem os tamuatás, abrindo-os pela barriga e retirando todas as vísceras (separe eventuais ovas e fígados para usar em recheios). Corte as nadadeiras e os barbilhões com uma tesoura. Se quiser, mantenha a cabeça. Eu não quis. Deixe de molho por cerca de 1 hora em 2 litros de água e meia xícara de vinagre. Escorra bem. Numa frigideira, afervente 2 litros de água com 1 colher (chá) de sal. Coloque os peixes quando a água estiver borbulhando. Conte um minuto e vire. Conte mais um minuto e tire do fogo. Tire as cascas, empurrando-a com a ponta de uma faca ou com os dedos. Reserve.
Numa panela, aqueça o óleo de urucum. Doure o alho. Junte a cebola, o coentro, o tomate, o pimentão e a pimenta. Junte a água e deixe amolecer. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto. Junte o peixe e cubra-o com um pouco do molho. Despeje metade do leite de coco e deixe cozinhar por cerca de 15 minutos ou até o peixe ficar bem macio. Junte o leite de coco restante e deixe ferver. Confira o sal e corrija, se necessário. Antes de servir, espalhe por cima ervas frescas ? coentro, cebolinha e salsinha. Se gostar, acrescente umas gotinhas de limão. Sirva com farinha ou arroz branco.
Rende: 4 porções
Nota: se quiser, antes de tirar a casca, cozinhe por mais tempo, separe o peixe em dois filés, empane e frite. Ou ainda, desfie a carne e use em bolinhos, tortas e casquinhos.
Com jambu. Este, fiz parecido. Só que usei água no lugar o leite de coco. E, no final, juntei folhas cozidas de jambu, que tenho plantado no quintal. Também ficou muito bom.
Tamuatá frito recheado com suas ovas 2 tamuatás (380 g)
Sal e pimenta-do-reino a gosto
Suco de meio limão
2 xícaras de óleo para fritar Recheio
Ovas de 2 tamuatás
2 colheres (sopa) de farinha de mandioca fina
1 colher (sopa) de coentro picado
1 colher (sopa) de salsa e cebolinha picadas
1 dente de alho finamente picado
Meia cebola picada
1 pimenta dedo-de-moça vermelha, sem sementes, picada
¼ de colher (chá) de sal Limpe o tamuatá por uma abertura no pescoço. Corte as nadadeiras e os barbilhões com uma tesoura. Lave bem a cavidade e deixe de molho em água com vinagre (ou limão, ou um pouco de álcool) para tirar o cheiro forte. Enxágüe, escorra. Tempere o peixe por dentro com sal, pimenta-do-reino e suco de limão. Misture todos os ingredientes do recheio até formar uma farofa úmida. Recheie com esta farofa a cavidade dos peixes e faça fritura de imersão em óleo quente. Deixe até dourar dos dois lados. Antes de servir, tire a casca, afastando-a com a ponta de uma faca. Servi com purê improvisado que ficou muito bom. Receita abaixo. Rende: 2 porções
Purê de mandioca com banana da terra e cúrcuma
400 g de mandioca
160 g de banana-da-terra
½ colher (sopa) de cúrcuma em pó
1 xícara (chá) de leite de coco
½ colher (chá) de sal
2 colheres (sopa) de manteiga
Cozinhe à parte mandioca e banana, ambas sem casca, com água que cubra e uma pitada de sal (cerca de 30 minutos a mandioca e 15, a banana). Deixe a água quase secar. Descarte os miolos duros da mandioca, junte a banana e homogeneíze com mixer. Junte a cúrcuma, o leite de coco e o sal. Bata bem e leve ao fogo. Deixe começar a ferver. Apague o fogo, junte a manteiga, misturando bem. Prove o sal e corrija, se necessário. Para servir com o peixe.
Rende: 6 porções
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