Uauá. Parte 5: A água
Comida Saudável

Uauá. Parte 5: A água



Venha cá, Neide, eu vou lhe mostrar o lugar mais lindo que você nunca viu, o lugar que você vai guardar no seu coração, que você vai querer voltar toda vida aqui, que é o lugar mais lindo de lindo do mundo, que você vai dizer pra todos seus amigos, que você nunca na vida vai esquecer, calma, calma, que está chegando, você vai ter uma surpresa, que você vai ficar emocionada de ver, que vai contar pro seu pai e pra sua mãe que viu um lugar mágico de maravilhoso.  E assim Joaninha, filha de Nenê, irmã de Pietro, sobrinha de Jussara, neta de Joana, foi saltitando com pezinhos descalços se arriscando nos espinhos de xique-xique e cabeça-de-frade, me conduzindo pelas mãos, emendando uma palavra na outra sem vírgulas mas com ritmo, fantasiando frases adultas. Pietro, mais tímido, seguia atrás, em silêncio, correndo pra compensar os passos curtos. 


Viu, eu não tinha razão? Miúda, atravessou a cerca de arame farpado como uma cabritinha, seguida pelo irmão, pra me mostrar de perto.  Confesso que tive que disfarçar meu ar de decepção quando vi uma pocinha rasa quase barrenta e esverdeada no fundo de um poço de pedra - um pequeno açude.  Mas disfarcei bem, a tempo de perceber a importância daquela pequena poça de água que ainda resiste sob o sol forte e a estiagem de meses. Imaginei a beleza daquela visão na época das chuvas. É esta água, que sobe por força de motor até a caixa d´água, que abastece a água encanada da casa destinada para banhos e limpeza e que tem cheiro de lodo. Para beber e cozinhar, a água limpa, clara e inodora,  vem da cisterna, que recolhe água no período das chuvas. 


Há por lá também quem tenha dom de encontrar cacimbas (poço, como conheço). Algumas pessoas, usando hastes de arame, galhos ou cipós, segurados em duas mãos,  tem sensibilidade para detectar onde tem água no subsolo. Segundo Joana, tem gente que descobre não só o ponto, mas sabe a qualidade, a profundidade e a vasão. Há quem não distingua água de minério, há quem não saiba a vasão nem a profundidade e há aqueles que não distinguem água salobra de água boa. Então, os que acertam sempre são excessivamente requisitados para um trabalho que não se costuma cobrar. Mas a perfuração de cacimbas também custa caro e os pontos não são encontrados em todas as propriedades. Veja um vídeo sobre hidroestesia aqui. 


Um grande açude no caminho para Bendengó - BA

As cisternas são fundamentais
Eliane, que trabalha de doméstica aqui em casa, sempre me contava da seca da caatinga que viveu na sua infância, dos baldes na cabeça para ter um pouco de água destes poços que ficavam a até 3 quilômetros de sua casa, das várias viagens que tinha que fazer. Quando, desta vez, lhe mostrei as fotos, ela contou mais, que naquela época ninguém tinha cisternas e que esta água verde era usada também para beber e cozinhar. Para limpar minimamente esta água, colocavam cal e deixavam até o outro dia. Até que o pai descobriu que a cal fazia mal e então começaram a usar a cinza do fogão. Só que o cheiro continuava e, para cozinhar, às vezes usavam esta água in natura deixando o arroz com coloração esverdeada.  Quando nem arroz havia, comiam maxixe com farinha e bucho seco frito que chegava a trincar nos dentes de tão duro. 





Nas nossas andanças por Uauá, notei que a água limpa de beber é guardada com zelo em lugar de destaque da casa. Os filtros recebem toalhinhas e capas de crochê ou pano bordado denotando a reverência. As canecas usadas para servir, areadas como prata, dão destaque ao líquido precioso. 


Para que nunca nos esqueçamos de que água é vida, é bom de vez em quando ler e/ou assistir ao Deus e o diabo na terra do Sol,  O Quinze, Guerra de Canudos, Vidas Secas. 






Ontem começou uma série sobre o assunto, na Record. Veja a lá o lugar por onde andei. A primeira parte do vídeo está aqui. Segue hoje à noite no Jornal da Record. 


Já falei da água no Senegal - veja lá, a problemática é parecida. 






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