Uauá. Parte 5: Dieta da Joana na caatinga
Comida Saudável

Uauá. Parte 5: Dieta da Joana na caatinga



Quer me ver morrer triste é dizer que enveneneram todos os quiabos do mundo, me disse Joana.  Mas por que a tristeza, Joana? Os quiabos não foram envenenados, não - alguns, sim, com agrotóxicos, mas não estes seus plantados aqui. A pois, respondeu ela, é como se fosse porque de todo jeito não posso comer. Como assim, Joana?  E ela me contou. 

Só então liguei os dois fatos que havia observado anteriormente.  Joana pedia pra alguém que ia ao mercado aproveitar para ver se tinha feijão mulatinho. Não, não tem. Outro ia e voltava, não, não tem feijão mulatinho, nem sabem que feijão é este.  Na hora estava ocupada com outra coisa e isto chegou de forma subliminar, mas ficou registrado:  feijão mulatinho pra lá, feijão mulatinho pra cá. Em outro momento, Joana foi à feira, fui com ela,  dizendo que iria comprar suas maçãs ? olhei a caixa, vinham do Sul, de tão longe. Na banca, ficavam bem ao lado de lindas goiabas, tão cheirosas.  Seriguelas, maracujá-da-caatinga, melancias. Mas ela comprou maçãs e não pagou barato.  Sou muito palpiteira e curiosa, mas não perguntei o porque das "suas" maçãs. 

Estávamos em sua casa, na fazenda, quando  veio esta estória do quiabo e da consulta à nutricionista que consultou na cidade grande mais próxima, a 180 km dali, ainda caatinga. Pedi para ver os exames, com várias taxas alteradas,  e a recomendação nutricional. E aí sim entendi  a determinação de Joana apesar da inconformidade com as proibições.  Por que, meu Padim Cícero, por que não posso comer quiabo? E lá estava o papel, quatro páginas de dieta e orientações, com a resposta.  Mas se fosse só isto...  Ah, e por que tem que ser feijão mulatinho?  E também não encontrei atum sem ser com óleo. Comprei atum ao óleo mesmo, completou Joana. Tá difícil de seguir esta dieta, mas estou tentando, só não sei até quando. 

A dieta já começava recomendando leite de soja com manga no café da manhã e seguia com tudo aquilo que costumamos ver nas dietas de 1500 e 1800 calorias nas revista que pregam corpo perfeito:  linhaça, queijo branco, pão integral,  margarina light, filé de peixe ou peito de frango grelhado,  2 colheres  de alface, suco com adoçante, arroz integral, feijão mulatinho  ou grão de bico, lentilha e feijão branco.  No jantar, sanduíche de atum.  De sobremesa, uma fatia de laranja ou (tem sempre opções) gotas de limão.

No complemento, alimentos proibidos, a serem evitados, e os recomendados. Muito mais proibições, claro.  A começar pelos "causadores de gases por conterem muito enxofre, como quiabo, repolho, couve-flor, espinafre, ovo cozido, parmesão".  Você tem problemas com gases quando come quiabos, Joana? Eu não, e você, Neide? Mas se não pode repolho, como é que tem repolho refogado na dieta do almoço, Neide? Sei não, Joana, sei não!

Não pode ou recomenda-se não comer uma porção de coisa, até frutas ácidas como o umbu e o maracujá e ainda: vinagre, café, chá, nada. No final uma explicação que fica faltando para quem não entende o que são frutas ácidas, começando com um termo novo: ?algumas vezes nos perguntamos o que são frutas cítricas. As frutas cítricas (citrinos) são as que pertencem ao gênero Citrus. Estas frutas são consideradas frutas ácidas, veja a lista com algumas delas: abacaxi, caju, tangerina, jabuticaba, laranja, limão, romã, nespera, ameixa, cidra, lima, marmelo, acerola.?   Para quem não sabe, o gênero Citrus engloba as frutas de gomos como a laranja, limão, cidras, mexericas etc. As outras frutas citadas,  de gêneros diversos, podem ser ácidas, mas não Citrus.  Mas por que não posso comer umbu, maracujá da caatinga, se é o que tem por aqui?, queria saber Joana.  E além disso não entendi nada desta coisa de fruta ácida e fruta cítrica. Se quem escreveu não sabe diferenciar frutas ácidas das frutas cítricas, Joana vai saber?  E por que? Vem cá que eu te explico, Joana.  Mas pode comer, sim.

A lista proíbe as frutas ácidas, mas recomenda alimentos ricos em fibras, como granola, aveia, barra de cereais!  Bode pode não, melhor preferir salmão, robalo, merluza e bacalhau.  Não fala nada do queijo de leite de cabra, não, mas é melhor preferir minas frescal, ricota e queijo cottage, isto está lá. 

Joana, a nutricionista quis ouvir o que você come cotidianamente ou tem ao seu dispor aqui na caatinga, a forma como você cozinha, as frutas que tem na sua feira ou os legumes que você encontra nesta época de seca?  Quis não.  Pediu para você voltar para lhe dar uma dieta de acordo com os seus gostos, corrigindo seus erros, adaptada ao seu ambiente? Pediu não. Explicou a importância da quantidade dos carboidratos consumidos para o controle da glicemia? Não. Explicou o que estava no papel ou só tirou a papelada pronta da gaveta e lhe entregou?  Tirou da gaveta. Ah, tá! 

Joana adora comer um docinho, uma raspa de manuê da panela, compota de umbu e só um cafezinho bem doce pela manhã, mas adora também feijão de corda e feijão de caldo comum  -  nem sabe que raio é este de mulatinho), quiabo, abóbora, repolho, salada, arroz integral, umbu, maracujá-da-caatinga, melancia, peixe cozido, laranja. Come pouca carne vermelha, em vez de pão come cuscuz e inhame no café da manhã, não liga pra queijo ou pra leite, não bebe álcool nem refrigerante,  não fuma e sedentarismo passa bem longe da sua casa na caatinga. Está com peso dentro da média e taxas um pouco mais altas que o recomendado - de colesterol, triglicérides e glicemia. 

É tão difícil resolver?  Ou nutrição agora é isto, um tanto-faz, um descaso pela Joana, uma escada pra lugar nenhum, e não me contaram? Felizmente isto não é regra, a julgar pelo que vejo nos nutricionistas leitores do Come-se. Mas fica o recado: conheça quem é a Joana que você atende, saiba onde ela vive, limpe bem os pés antes de entrar em sua casa, e ouça o que  ela tem a lhe ensinar. 







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