Uauá. Parte 1
Comida Saudável

Uauá. Parte 1


Uauá - BA


Repita bem rápido: Bendegó, Caititu, Cocorobó, Cocobocó, Caratacá, Creitu, Marruá, Macururê, Curundundum, Quinjingue e Quembrenguenhem.  Não, não é nenhum travalínguas. São nomes de cidades e lugarejos da região da caatinga para onde fui e que o povo de Uauá repete sem gaguejar.  Estar ali, a propósito do Festival do Umbu, para o qual fui convidada para falar a convite da organizadora do evento, a Coopercuc, quase me fez sentir os movimentos nas novas sinapses, tanto eram as coisas novas que aprendia, de nome de lugares ao léxico botânico, culinário e cotidiano. E aquele céu azul lapis de cor era por si só a poética da caatinga. 

Umbu à vontade no Festival 
Uauá fica lá em cima, no caminho pra Juazeiro e Petrolina, virando na esquina em Bendegó. Viajei  louca pra conhecer a caatinga, a importância do umbu e a terra de Antônio Conselheiro.  O festival agitou tanto a cidade (e também literalmente já que o forró em megassom ia até o sol raiar), que já dizem que está ficando melhor que o São João.  Para beber, muito suco gelado de umbu, batida e cerveja gelada e,  não sei se é pelo calor que não combina, mas em Uauá não se fuma.  A não ser no Senegal, nunca tinha visto isto. No chão, nenhuma bituca. 

Carol Leone, uma amiga que trabalha com cinema, foi junto. Ficamos na casa da Jussara, amiga do Slow Food e gerente comercial da Coopercuc.  Mesmo casadinha de novo com um bebê lindo de três meses de quem não se desgrudava,  mudou-se com o marido Marquinhos, a prole e as coisas do menino para outro cômodo para nos ceder o melhor quarto da casa. Não teve acordo que os fizessem mudar de ideia. E ali ficamos no quarto presidencial do casal com a foto da Dilma na porta. Por aí já tivemos a primeira mostra da hospitalidade que nos esperava.

Entrada do Parque de Canudos. Mudas protegidas do sol e das cabras
Depois do festival, Carol e eu seguimos para conhecer os povoados e seus moradores, homens e mulheres que trabalham com o umbu. Tivemos sempre bons acompanhantes. Ora Jussara, Marquinhos e o bebê, ora Dona Joana, mãe de Jussara, ora todo mundo, no Fiat possante do casal.  O mesmo possante nos levou para lugares áridos, de cor verde-limão de pau-de-rato com brotos novos,  de verde escuro das faveleiras espinhentas ou amarelos de galhos secos. Até para o Parque Estadual de Canudos, onde ocorreu a guerra nós fomos.  Carol filmou muitas coisas e gentes relacionadas ao umbu e à caatinga,  que talvez vire um documentário.

Queria ter tido mais tempo para reter um pouco da sabedoria da Dona Joana, que faz manuês de verdade para vender na feira. É a Joana dos manuês, afinal tem também Zeca de Julinha, Júlio de Custódia e outras indicações de origem como Rio de Zefona (mãe da Joana).  Joana faz poesia, canta, agrega mulheres em luta por causas justas e trabalha de sol a sol.  Ia passando pelas paisagens que mudavam a cada vinte quilômetros e dizendo o nome das plantas e as doenças que elas curam, além de outras utilidades.  Eu corria para anotar, fotografar, arrancar folhinhas para o caderno.  Mas falo desta paisagem num outro post.  E de outros assuntos em vários outros posts, com fotos, prometo. 

Comemos muito bode com carne boa por ter se alimentado de umbu. O umbuzeiro é a majestosa oliveira da caatinga a quem todos sertanejos se curvam em reverência. Dele comem o fruto verde ou maduro e o fruto de suas folhas que alimentam os bodes que vão pra panela.  E as panelas locais são lindas quando feitas de barro pintadas por fora com tauá. As que cozinham bodes fazem  também feijão de caldo ou de corda para comer com farinha.  E a farinha me serviu num dos dias de almoço com fiapos de carne de bode seca e melancia, que misturei por minha conta num só prato. E isto era só um lanche na casa do Seu Isaias e Judite, que não sabiam que não tínhamos almoçado ainda àquela hora da tarde.  Aquela refeição foi, como se diz, a refrigela dos bichos na seca.  Assim como refrigelo da minha ignorância foi também esta viagem.

De longe, o destaque para o umbuzeiro de copa arredondada






Veja Também:

- O Que é Que A Caatinga Tem? Ou: O Que Pode Vir Na Mala
Ainda estou chegando, me organizando. Mas, como prometi, aqui estou. E como é de praxe, mostro o que veio na mala. Nem tudo é da Caatinga, mas tudo veio da Bahia, estado de que tanto gosto. Ainda mais agora que decidi espalhar por aí que meus pais...

- Uauá. Parte 5: As Panelas De Barro
Coisa difícil é eu ir para lugar que tenha boa argila e tradição em panelas de barro e não voltar com a mala pesada. Além de frutas, grãos, artesanatos, doces e invariavelmente alguma muda de planta engarrafada, sempre há espaço para umas panelas...

- Festival Do Umbu Em Uauá
Está chegando o dia do V Festival Regional do Umbu em Uauá, no sertão da Bahia, onde a gente não sabe se come umbus doces ou azedos, se admira o céu a consumir todos os tons da caixa de lápis de cor ou conversa com a gente hospitaleira de lá. Ou...

- Mala Cheia Na Volta De Salvador E Uauá
Voltei, mas ainda estou chegando. Como sempre, a mala veio cheia, beirando o excesso. Coisas compradas no caminho, no sertão, em Salvador. Sacola de palha de Caldas de Jorros, panelas de cerâmica de Uauá, sementes de mamão, manga pingo de ouro, manga...

- A Mala Da Volta De Uauá
Estou de volta pro meu aconchego, trazendo na mala bastante coisas de comer, de plantar, de lembrar. A temporada no sertão foi de muito trabalho, mas também de novas descobertas, de aprofundar conhecimentos, desfazer mitos. Aos poucos, vou contando...



Veja mais em: Comida Saudável