O fato é que o torrador deveria ter alguém na manivela rodando por 30, 40 minutos sem parar. Em vez disso, uma gambiarra faz a engenhoca funcionar. Perdeu-se parte da poesia, em compensação trabalha sozinha liberando tempo e braços para outras atividades como tirar fotos, por exemplo - atividade a que meu pai vem se dedicando depois que demos a ele uma câmera. É a revolução digital chegando àquele rincão.
Todo o resto é artesanal, do cuidado com o cafezal e colheita do café à secagem dos grãos no terreiro. É um tal de espalha ao sol, amontoa à tarde e cobre à noite, que se arrasta dias a fio. Todo sítio de café, destes caipiras, tem um terreirão de tijolo cru onde crianças brincam de pega-pega, corda e outras marotices quando não está sendo usado. É um porto-seguro nos dias úmidos quando os pés pesam de arrastar sapato velho com barro. Era assim nos meus avós, nos meus tios e de uns anos pra cá, em Fartura, onde meus pais seguem a mesma toadinha pra conseguir aquele café cheiroso.
Na etapa final, com os grãos já secos e pelados, a torra é cheia de segredos. Não sem antes jogar os grãos na mesa, escolher tirando eventuais pedrinhas ou grãos carcomidos. Depois de 38 minutos na torradeira, meu pai confere quando começa a sair fumaça e aquele aroma inebriante. Ainda não está bom. Volta ao fogo e depois de 18 segundos confere de novo. É a hora. Corre pra jogar na peneira e abanar rápido com braços fortes em sobre-e-desce para esfriar e não continuar torrando com o próprio calor.
Ninguém ainda fez questão de motorizar o velho moinho de café, nem comprar destas modernas cafeteiras com moedor elétrico. Pois é a parte que todos gostam. Os grãos que, frios, vão pra lata, são moídos com prazer a cada cafezinho. Enquanto a água esquenta, é tempo de deixar pronto o cenário: a mariquinha sustentando o coador de pano sobre o bule asseado e as xícaras esperando a função. Uma chaleira ferve outra água pra aquecer o caminho do café. Tudo pra que chegue muito quente às xícaras. Antes desta coisa de um querer menos açúcar, outro, totalmente amargo ou com adoçante, o açúcar cristal era dissolvido na água quente antes de jogar o próprio pó na água. Tudo para não esfriar a bebida e passar rapidamente pelo coador.
Na fila do moinho tem sempre uma criança ou uma visita pronta pra fazer daquilo um prazer mais que trabalho, afinal aqueles grãos quebram sem resistência a cada volta da manivela, mandando de um lado o pó marrom escuro e cheiroso e de outro só moléculas perfumadas e voláteis a preparar nossos sentidos.
E assim, o momento do café no sítio, seja no secar do sereno ou na despedida do sol, não é só o sabor da bebida, mas o zunzunzum de quem espera, o som do moinho e da lenha crepitando, a fumaça do bule e da chaminé e os perfumes de tudo isto. E embora traga sempre café de lá, a bebida aqui às vezes me parece ácida demais, amarga demais, adstringente enfim.
Agradeço à minha amiga Inês Correa e à sua filhinha Júlia Bulhões, de oito anos, que passaram horas pacientes e alegres até a madrugada para fazer milagres com minhas fotos e vídeos.