Cérebros grandes precisam de mais carboidratos (???)
Comida Saudável

Cérebros grandes precisam de mais carboidratos (???)


Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por Mike Ben-dor


"Cérebro grande precisa de carbos" é o título de uma manchete que acompanhou a publicação de um artigo por Hardy et al., cujo título exato é  "A importância do carboidrato dietético na evolução humana" (1).

Eu não acho que cérebros grandes precisem de carboidratos, ou que até recentemente carboidratos fossem importantes na evolução humana – então aqui vai uma refutação incicial.

Muitos "times" podem ser identificados, entre aqueles que pensam que foi de fato a dieta que nos fez humanos.

  • Stanford e Bunn: “Caça e carne” (2, 3),
  • Wrangham “Cozimento e alimentos vegetais” (4, 5),
  • Anton, Aiello e Ungar: “Flexibilidade dietética” (6, 7),
  • Crawford: “Ômega-3" (8)
  • O meu solitário “Homem, caçador de gordura” (9) (alinhado com o "Caça e carne")

A hipótese de Hardy e colegas é uma variação da hipótese do cozimento de Wrangham, que afirma que cozinhar amido e carne 1.8 milhões de anos atrás permitiu o crescimento do cérebro – e portanto a evolução da espécie Homo. Hardy et al. empurram a data de de 1 milhão para 800 mil anos atrás.

Eles argumentam que a multiplicação do gente AMY1, da amilase salivar, coincidiu com a invenção do cozimento 800.000 anos atrás, de maneira a facilitar um alto consumo de carboidratos que um cérebro em expansão exigia. Eles concluem a pesquisa com: 

Apesar de incertezas permanecerem no tocante à antiguidade do cozimento e das origens do número de variações na cópia do gene da amilase salivar, a hipótese que apresentamos faz uma predição testável de que tais eventos são correlacionados.


Mais tarde eu vou tentar testar a correlação do tempo entre o cozimento e a multiplicação do gene AMY1, mas vamos começar com um teste de se quaisquer dos dois eventos propostos (multiplicação do AMY1, cozimento) aconteceu 800.000 anos atrás – quando, segundo Hardy e colegas, a taxa de aumento no tamanho do cérebro acelerou-se.

Chimpanzés, com apenas 2 cópias do gene AMY1, não comem muito amido e por conseguinte não têm necessidade de grandes quantidades de amilase salivar. Alguns humanos modernos que comem muito amido, conforme Perry et al. descobriram (10), têm na média números de cópias maiores do que aqueles que comem pouco amido. Além disso, há uma relação inversa entre o número de cópias que as pessoas têm e suas chances de tornarem-se diabéticas ou obesas (11-13), então um alto número de cópias do gene AMY1 parece ser um bom indicador de uma adaptabilidade genética ao consumo de grandes quantidades de amido.

Então quando começamos a acumular mais cópias do gene AMY1 ? Hardy e colegas afirmam que apesar de a data exata ser desconhecida, imagina-se que seja menos de 1 milhão de anos atrás. Em um artigo de 2014, que eles não citam, Perry et al. (14) concluíram que o evento da duplicação aconteceu depois da diferenciação entre os Homo sapiens e os neandertais, 550-590 mil anos atrás. Além disso, eles levantam a possibilidade de que a multiplicação dos genes ocorreu durante os últimos 200 mil anos, mas antes da origem da agricultura – baseado na similiaridade entre cópias do AMY1. Então em resumo é altamente provável, baseado nos estudos do AMY1, que os humanos tenham começado a consumir grandes quantidades de carboidratos não 800.000 anos atrás, mas depois de 550.000 anos atrás, e mais provavelmente entre 200.000 e 12.000 anos atrás – depois que seus cérebros já tinham atingido o tamanho máximo.

Mas e sobre o cozimento ? Cozimento era prevalente 800.000 anos atrás, e o início do cozimento esteve necessariamente associado com o consumo aumentado de amido ?

Para os arqueólogos, o domínio do fogo é indicado pela existência de fogueiras, preferencialmente com ossos carbonizados nelas e ferramentas de pedra ao redor. Não há boas evidências de fogueiras anteriores a 780.000 anos atrás em nenhum lugar do mundo. Com 780.000 há uma única afirmação do uso habitual de fogo em Gesher Benot Ya'qov (GBY), no vale do Rio Jordão em Israel (15). O problema com esse site é que ele está situado em uma área que passou por extensa atividade vulcânica e de fluxos de lava na época. Um desses fluxos atravessou o sítio arqueológico e na prática foi usado para datar o site como sendo de 780.000 anos atrás. Não se pode excluir a possibilidade, entretanto, de que concentrações existentes de material orgânico foram queimadas pelo calor da lava e tenham formado uma estrutura parecida com uma fogueira. De qualquer maneira, a evidência para o uso habitual de fogo no período em centenas de outros sítios do mundo é zero. Na minha opinião, o artigo recente (2014) mais importante sobre o assunto é o de Shimelmitz et al. (16). É importante porque examina uma caverna (Tabun, em Israel) que foi habitada por três culturas sucessivas de 800 a 100 mil anos atrás, e você não encontra muitas sequências completas como essas. Ao examiar ossos e ferramentas de pedra de todas as camadas da caverna, Shimelmitz e colegas concluíram que fogo não foi usado na caberna antes de 350.000 anos atrás, mas foi usado continuamente desde então. Resumindo, as pessoas da caverna Tabun, que pertenciam à mesma cultura (Acheuliana) e ao mesmo período (800 a 350 mil anos atrás) e a apenas 80km de distância de GBY, não usavam fogo – habitualmente ou não.

Esse resultado casa perfeitamente com evidências da caverna Qesem em Israel, que também fornece uma data de 350.000 anos para o uso extensivo de fogo por pessoas da mesma cultura subsequente (Acheulo-Yabrudiana) à das pessoas em GBY (17).

Ok, então não são 800.000 anos atrás; mas a presumida dupla AMY1/cozimento entrou em cena 350.000 anos atrás ?

Primeiramente, precisa ser dito que por volta de 800.000 anos atrás o tamanho do cérebro humano já tinha dobrado, comparado aos Australopitecos – de 400cc para proximadamente 800cc. Uma vez que somos limitados em nossa habilidade de processar proteína para gerar energia, a única conclusão lógica possível é que antes de 800.000 anos atrás o cérebro recebia seu açúcar a partir de proteínas, pela via da gliconeogênese, e que uma grande parte do restante da energia era provida por gordura. O cérebro pode viver muito bem com a glicose da gliconeogênese ou de corpos cetônicos que o fígado produz a partir da gordura. Veja os Maasai ou os Inuit. Em outraspalavras, se aceitarmos a hipótese de Hardy et al., uma dieta rica em proteínas e gorduras é a única dieta possível durante o primeiro milhão de anos da evolução humana.

Eu não afirmo que humanos paleolíticos só comiam proteína e gordura. Hardy é expert em encontrar resíduo vegetal em fósseis dentários, e ela de fato os encontrou tão antigos quanto 350.000 anos atrás, na caverna Qesem (18). Entretanto, até onde vai a análise de proporções de matéria vegetal em ditas, há outros métodos – principalmente usando isótopos.

Eu observei as referências de Hardy e colegas, procurando por pesquisa com isótopos, e descobri isso:

... análise de isótopos estáveis indica uma dieta majoritariamente carnívora para neandertais; uma gama mais ampla de valores isotópicos foi observada em Homo sapiens contemporâneos do período Pleistoceno Médio (Richard e Trinkaus, 2009), indicando que diferenças consideráveis nos níveis de consumo de amido existiam entre essas duas espécies.

Fiquei um pouco confuso porque já citei esse artigo (19) no passado, e não conseguia me lembrar de qualquer referência a amido na dieta da população examinada. O artigo comparou N amostras de isótopos de 10 humanos modernos europeus de cerca de 40-30 mil anos atrás e 5 neandertais. Para resumir a história, eis uma citação do resumo do artigo:

Agora há dados isotópicos suficientes para ver padrões, e eles mostram que os neandertais e os primeiros humanos modernos tinham adaptações dietéticas similares, obtendo a maior parte da sua proteína a partir de animais...

Hmmm... Cérebros de 1500cc (de humanos modernos e neandertais) obtendo a maior parte da proteína dietética, que vem com muita gordura, de animais. Só para ter certeza – mais tarde, à medida que nos aproximamos da agricultura e a evidência arqueológica indica o aumento do consumo de carbos, os estudos isotópicos mostram isso direitinho (20).

Então nós somos cérebros de 900cc que precisam crescer até 1500cc, e esses 600cc extras precisam de energia. Sendo um economista por formação, eu vejo um problema substancial com os carboidratos como solução econômica para o problema. Coletar carbos sob forma de raízes e prepará-las para consumo é cerca de 10 vezes menos eficiente em termos de energia, quando comparado à caça (21). Com os homens fazendo a caçada que provê a glicose para os 900cc inciais de volume cerebral, a coleta e preparo de tubérculos precisa ser feita pela mulheres – que não podem caçar dado que precisam defender as crianças. Comida de origem vegetal também é sazonal e não necessariamente encontrada nos mesmos locais que os animais. Em resumo, é difícil ver como os carboidratos podem ser a solução. Mais gordura, obtida mais eficientemente, parece-me ser uma solução muito mais plausível. Presumivelmente, um cérebro maior permite rastrear animais mais eficientemente, o que significa na redução da necessidade de locomoção por quilo de carne, e assim obter a energia extra mais eficientemente.

Há muitas outra evidências de que humanos eram basicamente carnívoros até 30-20 mil anos atrás, logo antes da revolução agricultural. Algumas das evidências são mostradas na minha apresentação no AHS13, que pode ser encontrada aqui. Se verdadeiras, elas apontam uma diferença de 300.000 anos entre o domínio do fogo e o consumo de grandes quantidade de amido, e portanto da adição de múltiplas cópias do gente AMY1 – então a sincronicidade entre os dois também parece improvável.

Referências


  1. Hardy K, Brand-Miller J, Brown K, et al.; The importance of carbohydrates in human evolution. The Quarterly Review of Biology 2015;90(3):251-267.
  2. Dominguez-Rodrigo M, Bunn HT, Mabulla AZP, et al.; On meat eating and human evolution: A taphonomic analysis of BK4b (Upper Bed II, Olduvai Gorge, Tanzania), and its bearing on hominin megafaunal consumption. Quaternary International 2014;322:129-152. doi: 10.1016/j.quaint.2013.08.015.
  3. Stanford CB, Bunn HT. Meat-eating & human evolution: Oxford University Press Oxford, 2001.
  4. Wrangham RW, Jones JH, Laden G, et al.; The raw and the stolen. Current Anthropology1999;40:567-594.
  5. Wrangham R, Carmody R; Human adaptation to the control of fire. Evolutionary Anthropology: Issues, News, and Reviews 2010;19(5):187-199.
  6. Antón SC, Potts R, Aiello LC; Evolution of early Homo: An integrated biological perspective.Science 2014;345(6192):1236828.
  7. Ungar PS, Grine FE, Teaford MF; Diet in early Homo: a review of the evidence and a new model of adaptive versatility. Annu. Rev. Anthropol. 2006;35:209-228.
  8. Cunnane SC, Crawford MA; Energetic and nutritional constraints on infant brain development: implications for brain expansion during human evolution. Journal of human evolution2014;77:88-98.
  9. Ben-Dor M, Gopher A, Hershkovitz I, et al.; Man the fat hunter: the demise of Homo erectus and the emergence of a new hominin lineage in the Middle Pleistocene (ca. 400 kyr) Levant. PLoS One 2011;6(12):e28689. doi: 10.1371/journal.pone.0028689.
  10. Perry G, Dominy N, Claw K, et al.; Diet and the evolution of human amylase gene copy number variation. Nature 2007.
  11. Carpenter D, Dhar S, Mitchell LM, et al.; Obesity, starch digestion and amylase: association between copy number variants at human salivary (AMY1) and pancreatic (AMY2) amylase genes.Human molecular genetics 2015;24(12):3472-3480.
  12. Falchi M, Moustafa JSE-S, Takousis P, et al.; Low copy number of the salivary amylase gene predisposes to obesity. Nature genetics 2014;46(5):492-497.
  13. Mandel AL, Breslin PA; High endogenous salivary amylase activity is associated with improved glycemic homeostasis following starch ingestion in adults. The Journal of nutrition2012;142(5):853-858.
  14. Perry GH, Kistler L, Kelaita MA, et al.; Insights into hominin phenotypic and dietary evolution from ancient DNA sequence data. Journal of human evolution 2015;79:55-63.
  15. Alperson-Afil N; Continual fire-making by hominins at Gesher Benot Ya ‘aqov, Israel.Quaternary Science Reviews 2008;27:1733-1739.
  16. Shimelmitz R, Kuhn SL, Jelinek AJ, et al.; ‘Fire at will’: The emergence of habitual fire use 350,000 years ago. Journal of human evolution 2014;77:196-203.
  17. Shahack-Gross R, Berna F, Karkanas P, et al.; Evidence for the repeated use of a central hearth at Middle Pleistocene (300 ky ago) Qesem Cave, Israel. Journal of Archaeological Science2014;44:12-21.
  18. Hardy K, Radini A, Buckley S, et al.; Dental calculus reveals potential respiratory irritants and ingestion of essential plant-based nutrients at Lower Palaeolithic Qesem Cave Israel. Quaternary International 2015.
  19. Richards MP, Trinkaus E; Isotopic evidence for the diets of European Neanderthals and early modern humans. Proceedings of the National Academy of Sciences 2009;106(38):16034-16039.
  20. García-González R, Carretero JM, Richards MP, et al.; Dietary inferences through dental microwear and isotope analyses of the Lower Magdalenian individual from El Mirón Cave (Cantabria, Spain). Journal of Archaeological Science 2015.
  21. Stiner MC, Kuhn SL; Paleolithic Diet and the Division of Labor in Mediterranean Eurasia. In:Hublin J-J, Richards MPs (eds). The Evolution of Hominid Diets: Integrating Approaches to the Study of Palaeolithic Subsistence: Springer, 2009, 155-168.



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