
Os grãos integrais são do tipo cateto (mais arredondados) e têm a película avermelhada. De vez em quando eu compro arroz vermelho do Piauí, no Mercado da Lapa. E meu amigo Arnaldo Lorençato já me trouxe um tipo maravilhoso de Piranguinhos, MG. É famoso também aquele plantado no Vale do Piancó, no estado da Paraíba, um dos produtos protegidos pela Fortaleza do Slow Food. Mas, para mim, foi novidade saber que a comida típica de Cruzeiro , aqui perto no Vale do Paraíba, é o arroz vermelho com suã, e que o cereal, que era uma cultura abundante por lá, já não é mais plantado, obrigando moradores saudosos a importar o produto de outras cidades se quiserem continuar a manter a tradição. Conversando com duas defensoras do tal grão, Lúcia e Romilda, no evento Revelando São Paulo, fiquei sabendo que nenhum produtor mais quer saber deste arroz, que é considerado praga pelos rizicultores porque tem baixa produção, dificuldade de controle, alto grau de infestação na cultura do arroz comum e pouca aceitação no comércio fora dalí. É que ele seca precocemente e cai no solo antes que os outros, germina e acaba dominando o arrozal. E tem mais: não há espantalho capaz de afugentar tantas pombas-rolas e marrecos selvagens que não resistem aos pequenos grãos de sabor amendoado. Por isto, agricultores locais deixaram a atividade para cidades vizinhas, que cuidam da iguaria contratando moleques para espantar as aves. Já os produtores de arroz branco, paradoxalmente, ?contratam? marrecos justamente para comer e eliminar o arroz colorido (depois da colheita estes marrecos são vendidos a preço de custo para irem pra panela no lugar dos grãos que comeram - ah, se eles soubessem). Quem sabe se este produto fosse cultivado isoladamente, com técnicas adaptadas para ele, se fosse vendido mais caro nos grandes centros ou se seu consumo fosse estimulado entre chefs, ele não poderia até ter um selo de denominação de origem; os produtores ganhariam mais e a população de Cruzeiro não veria seu prato típico desaparecer, como tende a acontecer.
Para entender um pouco: hoje vários biotipos de arroz vermelho são considerados grande praga na cultura do arroz não só no Brasil, mas em vários outros países. Porém, pesquisadores ainda não sabem se estes com características de planta daninha são descendentes dos biotipos cultivados no passado ou se foram sendo, com o tempo, modificados por meio de cruzamentos naturais com o arroz comum (de película marrom e não vermelha). A variedade foi introduzida na Bahia pelos portugueses no século 16, mas só prosperou mesmo no estado do Maranhão, onde virou arroz-de-veneza ou arroz-da-terra. Em 1765 os agricultores maranhenses receberam sementes de arroz importadas para que o vermelho fosse substituído. Diante da resistência do povo, em 1772 a Coroa proibiu sua produção porque precisava suprir Portugal com arroz branco, já que o vermelho era mais duro, mais cremoso, mais miúdo e mais quebradiço. Quem desobedecesse a ordem era punido com multa, cadeia e até surras. Com isto, a produção passou a se concentrar na região Semi-Árida, principalmente no Estado da Paraíba, seu maior produtor (onde o Vale do Piancó é o principal reduto dos produtores de arroz vermelho). Mas em Pernambuco também sua cultura é forte - um dos pratos típicos da culinária sertaneja é o arroz vermelho que acompanha carneiro, galinha e carne de bode defumada.
Prato pronto, servido no evento Revelando São Paulo, que aconteceu há pouco tempo no Parque da Água Branca.