?A história da humanidade tem sido, desde o princípio, a história de sua luta pela obtenção do pão-nosso-de-cada-dia?. Josué de Castro em "Geopolítica da Fome" A pobreza nunca me assustou. Cresci nela e vivi minha infância rindo à toa. O que me desconcerta é a miséria e a dor da fome, que nunca senti. Por estar hoje do lado de cá do rio e, quem mora em São Paulo sabe o que isto quer dizer, quis apenas saber o que leva alguém a enfrentar fila por um prato de comida de R$ 1,00; quem é esta pessoa; que sentimentos isto desperta nela e; claro; que comida é esta.
Faça sol ou faça chuva, a fila é sempre assim.
Os restaurantes Bom Prato são admnistrados por entidades assistenciais sem fins lucrativos e subsidiados pelo Governo do Estado, através da Secretaria de Agricultura. A idéia é vender comida a qualquer pessoa disposta a pagar R$ 1,00 por ela. É lógico que quem não precisa, prefere pagar mais por conforto e distração. Mas, para quem vive de pensão ou salários minguados ou para quem vive na rua, esta opção faz uma grande diferença. Ainda assim, não vi nenhum mendigo. Gente pobre, só isto.
eu lá
E lá fui eu, no dia mundial da alimentação, à Lapa enfrentar o desafio. Cheguei no horário de pico, meio dia e meia, com uma fila de gente de quase meio quarteirão. Homem motoboy segurando o capacete, mulher de cabelos brancos com sombrinha pra proteger do sol forte, trabalhadores com o uniforme da firma falando do seqüestro das meninas, gente em almoço de família e intervalo do passeio. Gente sozinha, sobretudo gente sozinha.
O operário me disse que vende por R$ 130,00 seus vales-refeições do mês, que somam R$ 150,00, para inteirar o salário que não dura os trinta dias. Compensa, já que ali gasta só R$ 20,00 e a comida é mais completa e equilibrada que aquela que conseguiria comer em restaurantes populares por R$ 7,50. E ainda tem refresco e fruta de sobremesa.
Tem gente que, para não arriscar perder viagem, já fica na fila desde as 9 da matina até 10h45, quando o restaurante abre. Para muitos, é o principal ou o único prato do dia. Alguns solitários vêm de longe, Pirituba, Jaguaré, Brasilândia, porque não se motivam a cozinhar e comer sozinhos. Uma parte grande dos que estavam ali é de gente viúva e aposentada ? já que não paga condução e não tem atividades (periferia tem atividades para aposentados além do bar?), pode gastar meia hora de ônibus para vir, de meia a uma hora na fila, mais meia para comer e outros trinta minutos para voltar para casa e fazer a digestão até o almoço do dia seguinte, com cardápio surpresa. E assim os dias de solidão passam mais rápidos e mais cheios. Com direito a uma alegriazinha.
Um lavatório na porta do restaurante incentiva quase todo mundo a lavar as mãos, mesmo sem papel para secar. O serviço é rápido, não dá para firulas do tipo feijão-por-cima, mas tive tempo para dizer: não, não, é muito, menos arroz, por favor. Um homem de máscara cirúrgica botava as carnes e outro com o mesmo paramento, o feijão com o caldo meio ralo da feijoada. A bandeja, prato e talheres chegaram limpos e ainda aquecidos, esterilizados em máquinas de jatos quentes como nos restaurantes de faculdade pública. O arroz não era soltinho; a couve era crua e não refogada como é costume; a farofa nem era muito crocante, mas tinha linguiça, carne seca e um pedaço de costelinha. Nada era assim tão bom de emocionar, mas também não era ruim de jeito nenhum.
O que impressiona é que ninguém fala mal da comida. Na USP, quando a comida parecia estranha, tinha sempre um revoltatinho que jogava a bandeja no chão e ia embora. No Bom Prato, todos parecem comer com um misto de submissão e agradecimento, mas também de alegria e dignidade por terem como pagar por aquela comida limpa e boa.
Quase não há desperdício. Cada um joga fora seus raros restos e devolve o prato de louça branca. Tudo devagar, sem tumultos. Uma moça não comeu o pão e veio à nossa mesa, antes de devolver o prato, ver se alguém o queria. Uma pessoa aceitou e o pão mudou de mãos.
Sentei-me numa mesa de plástico com mais cinco pessoas. Seu Luiz Chagas, brincalhão, aposentado, ex-detetive da Polícia, viúvo, de Pirituba, cheio de malícia e segundas intenções, convidou para almoçar a ex-cunhada Cleide, do Jaguaré, que, feliz sem marido, só quer mesmo sua amizade. Ela, ali pela primeira vez, estava adorando a feijoada. E a maior felicidade dele é chegar sem saber o que vai comer e ainda encontrar os amigos de fila.
Dona Ivone, separada, veio com a irmã Teresa, viúva, do bairro do Jaguaré. Tímidas, de falar baixinho, diziam ?num instantinho a gente está aqui. A comida é muito boazinha, não faz mal pro estômago da gente, é limpinha?. Do solitário Antônio só sei que é do Rio Grande do Norte. Este parecia triste.
Quando tirei a bandeja de plástico azul e enfiei por baixo do prato um jogo americano pra ficar mais bonita a comida na foto, todos me ajudaram com palpites na produção. Depois, Seu Luiz quis foto com chapéu ? a mesa toda reprovou, por ser falta de educação. Ele deu risada e fez pose. Dona Ivone quis saber de mim, baixinho: "limão serve pra quê?" A Cleide emenda: "ouvi falar que chá da casca de laranja faz emagrecer. É verdade?" E o Luiz brincalhão: "sabe o que é bom pra emagrecer? Cabo!! Cabo de foice, cabo de enxada... É trabalho que emagrece!".
A doce estagiária de nutrição formada em cinema, Livia Michelazzo, da USP. E eu.
Foto que uma voluntária fez questão de tirar. O papo estava bom, mas vamos lá trabalhar, minha gente. Tchau, tchau, Seu Luiz deu endereço pra eu mandar a foto. Na hora de devolver o prato, perguntei pela nutricionista, minha colega de profissão, que estava de saída, mas tinha a estagiária. Ainda de touquinha no cabelo, jaleco da USP e cara de menina, estava pegando a mesma comida que todo mundo, já que era hora de fechar. Perguntei se podia acompanhá-la em seu almoço e comecei pelo gancho de que estudei na mesma escola.
A nutricionista, chef dela, estava indo apressada, mas pela Lívia fiquei sabendo tudo: como funciona a cozinha, como é o repasse de verbas da Secretaria de Agricultura e como rebolam para montar um cardápio enxuto e nutritivo ? veja lá embaixo como funcionam estes restaurantes, e manter tudo funcionando em ordem, já que a fiscalização da Secretaria é rigorosa.
No estágio obrigatório há apenas 15 dias, Lívia disse que já aprendeu muito. Por exemplo, que não abrem mão de ingredientes baratos, porém, de boa qualidade. Nada de carne moída de segunda nem carnes com retalhos de gordura. Verduras vêm frescas de um fornecedor do Mercado da Lapa. O que mais ouvi na fila e na mesa: a comida é leve, não dá aquela sensação de peso no estômago, nem moleza. Também senti isto. Lembro das comidas pesadas do bandejão da faculdade, que todo mundo dizia ter salitre (é claro que isto é um mito, mas a comida era mais gordurosa).
Por que a feijoada na quinta se, a gente sabe, em todo lugar é sempre às quartas e aos sábados? É que se tivesse dia certo, segundo Lívia, seria a certeza de aborrecimentos, filas intermináveis, gente além da conta, bloqueando calçadas, entrada de bancos e lojas, enfim um tumulto. Porque, de longe, a feijoada continua sendo o prato preferido. Então, ela aparece de surpresa (o cardápio só é fixado na porta momentos antes de abrir).
Sei que provavelmente ninguém que me lê precisa comer nestes restaurantes, mas saiba que a comida é honesta, limpa, bem feita e equilibrada, e ninguém pede atestado de pobreza na porta. Se tiver alguém a quem indicar, lá embaixo estão os endereços das unidades da cidade de São Paulo.
E, para ver a relação completa que inclui grande São Paulo e cidades do interior, consulte o site:. http://www.codeagro.sp.gov.br
O projeto ? aqui o texto de apresentação que aparece no site: Criado pelo Governo do Estado de São Paulo, e desenvolvido pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, este projeto de cunho social, visa oferecer segurança alimentar a população de baixa renda, fornecendo em sua rede de restaurantes populares, refeições balanceadas com qualidade, através de um cardápio variado ."As refeições totalizam 1600 calorias e são compostas de arroz, feijão, carne, farinha de mandioca, salada, legumes, suco, frutas e pão. O custo de cada refeição é R$ 3,25. O Governo do Estado subsidia R$ 2,25, conforme Resolução SAA 22, de 01.08.2005, fazendo com que o usuário tenha uma refeição completa pagando apenas R$1,00. Menores de seis anos de idade não pagam e o Estado assume o custo integral da refeição". São 30 unidades em funcionamento, fornecendo até 42.320 refeições subsidiadas por dia.
Para a instalação do Restaurante BOM PRATO, é firmado um convênio entre o Governo do Estado de São Paulo e entidades comunitárias e assistenciais da sociedade civil, sem fins lucrativos, que já atuem junto à população na área da futura unidade.
As refeições são constantemente monitoradas por nutricionistas da própria Secretaria de Agricultura e Abastecimento e periodicamente são enviadas amostras para análise no Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL). Devido ao elevado padrão de qualidade exigido pelo Projeto, todas as unidades do BOM PRATO obrigatoriamente contam com uma nutricionista fixa.
Além do fornecimento das refeições, vale lembrar que cada unidade gera de 15 a 20 empregos diretos, entre: profissionais administrativos, gerentes, nutricionistas, cozinheiros, auxiliares de cozinha e limpeza, todos vinculados à entidade gestora, contribuindo para política pública de geração de renda, emprego e capacitação profissional.
O prato base (arroz, feijão, farinha de mandioca e pão) é servido todos os dias, já as guarnições (salada, carne, legumes, fruta e o suco) são variadas diariamente, mediante aprovação da equipe de nutricionistas que avaliará critérios calóricos, combinação de alimentos, densidade, coloração e apresentação do prato.
Texto original do site http://www.codeagro.sp.gov.br/
Endereços na cidade de São PauloR.25 de Março, 166 - Centro Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feira das 10h30 até o término das 1.800 refeições
Rua Dr. Almeida Lima, 900 - Mooca
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à Sábado das 12h até o término das 1.000 refeições
Largo Coração de Jesus, 28 - Campos Elisíos
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feira das 10h30 até o término das 1.800 refeições
Av. Comendador Sant´Anna, 240 - Capão Redondo
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feira das 10h45 até o término das 1.200 refeições
R. Otelo Augusto Ribeiro, 343 - Guaianases
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feiradas 11h até o término das 1.200 refeições
Av. Marechal Tito, 4.719- Itaim Paulista
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feiradas 11h até o término das 1.600 refeições
Rua Victorio Santim, 247 - Itaquera
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feiradas 11h até o término das 1.200 refeições
Av. Engenheiro George Corbisier, 1.351 - Jabaquara
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feiradas 10h45 até o término das 1.200 refeições
Av. Dep. Cantídio Sampaio, 140 - Vila Nova Cachoeirinha
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feiradas 11h até o término das 1.500 refeições
Avenida Nova Cantareira, 2.099 - Tucuruvi
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feiradas 10h45 até o término das 1.200 refeições
R. José Otoni, 256 - São Miguel Paulista
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feiradas 11h até o término das 1.500 refeições
Av. Mateo Bei , 2,604 - São Mateus
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feiradas 11h até o término das 1.600 refeições
R. Mario Lopes Leão, 685 - Santo Amaro
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feiradas 10h30 até o término das 2.040 refeições
R. Dr. Zuquim, 532 - Santana
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feiradas 10h40 até o término das 1.320 refeições
R. Galvão Bueno, 747 - Liberdade
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feiradas 10h30 até o término das 1.800 refeições
Estrada M´Boi Mirim, 4.561 - Jardim Ângela
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feiradas 10h45 até o término das 1.200 refeições
Rua Afonso Sardinha, 245 - Lapa - foi neste que fui
Horário de Funcionamento:de 2ª feira à 6ª feiradas 10h30 até o término das 1.500 refeições