Há alguns meses estive em Salvador e minha amiga Silvia Lopes fez questão de me levar para conhecer a cidade de Nazaré das Farinhas, no Recôncavo, onde finalmente descobriríamos o que é a tal farinha de copioba, que todo baiano venera e sabe que é boa, mas poucos sabem explicar as razões especialmente para uma paulista xereta e ignorante neste assunto. Para mim, até há pouco tempo, farinha era mandioca ralada, espremida e seca. E só. Tudo farinha do mesmo saco.
Em Nazaré, a farinha de copioba no tacho - quase tudo motorizado
A cidade é famosa pela tal farinha de copioba, mas mesmo lá ninguém conseguiu nos esclarecer direito o que ela tem de diferente de outras farinhas de boa qualidade. A prefeitura nos cedeu um guia que nos levou a uma casa de farinha, a única que estava funcionando no dia. Pelo que pudemos apurar, uma farinha excelente era feita na Fazenda Copioba localizada na Serra de mesmo nome. Depois, toda farinha boa feita na região passou a se chamar farinha de copioba. Mas nem toda farinha de Nazaré é de copioba. Bem, esta foi uma das versões que ouvimos lá, nada com muita certeza. Se pelo menos ela fosse feita de um jeito artesanal e único ou a mandioca fosse de uma variedade específica, poderia até se pensar em algo como queijos e vinhos europeus e suas regiões demarcadas. Mas ainda há muito caminho a se percorrer até lá, pois as mandiocas às vezes são compradas em outro canto e o método de fabricação varia muito ? nesta casa que visitamos, por exemplo, era motorizado e eu imagino que a técnica primitiva da farinha regional tenha sido muito diferente e ainda deve ser praticada por lá. Mesmo assim, desde que sejam fininhas, limpas, ricas em goma e gostosas, são todas farinhas de copioba. Já ouvi definições desta farinha como sendo sempre amarela. Ela pode até ser colorida, mas a cor é conseguida às custas de cúrcuma, na melhor das hipóteses, ou corante artificial. Passando os olhos curiosos em cada cantinho da casa de farinha encontrei um saquinho empoeirado contendo um pó amarelo. Perguntei o que era e o farinheiro contou a verdade. Era um corante. Questionei se era natural ou artificial e a resposta foi não sei. Cheirei e experimentei uma pitada. Era cúrcuma ou açafrão-da-terra, nada demais. Agora, na dúvida, fiquemos com a branca. Trouxe 5 kg da iguaria que arrematei ainda no tacho, quentinha, para presentear os amigos.
Oxe, esta paulista é doida, deve estar pensando Silvinha; comendo o corante que o homem usa para colorir a farinha! É cúrcuma, declarei. Ufa. Na feira de São Joaquim comprei mais farinhas para degustar. Descobri que há
farinha quente e
fria. A
quente é aquela que trinca nos dentes, como se diz por lá, de tão crocante, tão fresquinha. É aquela que acabou de ser feita, parece ainda estar morna. Já na
fria os grãos não se quebram porque já absorveram umidade, já estão meio murchos. Uma amiga de Silvinha, a Rita, já foi farinheira também da região do Recôncavo e conta que a qualidade da farinha depende bastante das condições da mandioca. Quando aguada, rende farinha pobre, com muita fibra em relação ao amido (neste caso, boa parte do amido vai embora quando a massa ralada é espremida). E isto tem a ver com a época do ano em que a raiz é plantada e colhida e com a variedade. Outra coisa que só sabe quem faz já fez farinha artesanal é que o
peso das mãos de quem rala também têm influência no produto final. Gente de
mão leve produz farinha mais fina já que a mão pesada demais força a raiz no ralo, deixando passar pedaços maiores. E quem reclama é aquele que está no comando do tacho, que fica com o braço doendo de mexer aquela farinha pesada (eu, com minhas mãos nada delicadas, jamais serviria para ralar mandioca, então)
Como é feita: depois que a mandioca foi descascada e ralada, na mão ou em máquinas, ela é colocada em sacos, como era na casa que visitamos, ou no tipiti (a cesta de palha que pode ser comprida e retrátil ou em formato de pote, também flexível) e espremida na prensa (ou, no caso do tipiti comprido, puxado para baixo, pressionando a massa), para tirar o máximo de sumo, que contém grande parte da goma ou amido. A massa espremida é passada na rupemba, como diz a Rita (a peneira com tramas de palha também conhecida como arupemba, urupema e arupema) ou peneira de arame mesmo e o tamanho dos furos também vai determinar a leveza da farinha, que deve ser torrada por 3 a 4 horas, sem parar de mexer. Está pronta.
A farinha e o teste do pirão: leia Jacupiranga em vez de Paraibuna Teste de liga para o pirão
Não consegui fazer uma degustação honesta com as farinhas baianas versus a de Jacupiranga (veja post de ontem), pois esta estava incrivelmente fresca, quente e crocante. As outras, já meio maduras. E farinha não é vinho, afinal. Mas como o teor de amido não se modifica, fiz um teste rápido só para saber como se sairiam num pirão. 100 ml de água e 1 colher (sopa) de farinha. Levei ao fogo e deixei cozinhar até espessar. A de Jacupiranga (identificada na foto como Paraibuna, erro meu) me pareceu ser o melhor resultado, com boa liga e cremosidade na medida certa. As mais comuns, com mais fibras, rendem um mingau cremoso, mas com pouca liga. A de copioba se saiu muito bem também.
Como comprar Como vê, não entendo nada de farinhas e pirões, mas quero aprender. Então, passo a palavra para os baianos e nordestinos em geral. Ou a quem possa contribuir.