Feijão Sopinha
Comida Saudável

Feijão Sopinha



As folhas são de outro feijão. Clique & amplie
Algumas pessoas devem se lembrar que estive no Terra Madre, evento do Slow Food realizado em Brasília em outubro do ano passado. Junto, aconteceu a grande Feira de Agricultura Familiar. E foi lá que comprei um pouco de feijão sopinha, em saquinhos de 50 ou 100 g, não me lembro, pois a comunidade quilombola que estava divulgando e vendendo não tinha produção suficiente para uma feira daquele porte - pelo menos, muita gente pode comprar um pouco. Como podem ver na foto quando postei aqui sobre os produtos que trouxe de lá, o feijão bolinha é o que aparece num potinho em menor quantidade. Para comer ou experimentar era pouco, então segurei a curiosidade e resolvi fazer crescer aquele punhadinho. Levei pra Fartura e meu pai plantou. Da última vez que estive lá, ele veio me mostrando nossa produção ? cerca de 1 quilo. Quase pulei de alegria. Compensou a espera.

O mais incrível é que este feijão delicioso, nutritivo, rústico no cultivo, não-perecível, de cozimento rápido e tantas outras virtudes, tenha quase desaparecido. Há só cerca de 8 anos um grupo de estudantes de duas universidades gaúchas começou um trabalho multidisciplinar com o intuito de resgatar a diversidade alimentar de comunidades quilombolas nas cidades de Mostardas e Tavares, no Rio Grande do Sul. Toda a motivação teve início quando um pesquisador local ganhou de uma senhora descendente de escravos um pouco das sementes deste feijão, praticamente extinto na região. Hoje ele já pode ser encontrado na feira ecológica de Porto Alegre. Estarei lá em breve e pretendo trazer mais para comer e plantar, pois virei adepta. Eles foram trazidos ao Brasil pelos africanos e nas senzalas eram preparados pelas escravas com sobras de carne de porco, miúdos de vaca ou mariscos.
Minúsculo em relação aos feijões que conhecemos, o feijão sopinha (Vigna unguiculata (L.) Walp.), pertence ao mesmo gênero do feijão canapu (também conhecido como feijião-de-corda ou caupi). Branquinho, cremoso, ele cozinha rápido, sem se desmanchar nem engrossar o caldo ? embora isto possa ser conseguido amassando ou liquidificando um pouco dele.
Em matéria de feijão, no Brasil quem domina o mercado é o carioquinha. E isto não tem muito tempo. Desenvolvido pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), pelo pesquisador Luiz D?Artagnan e lançado em 1970, o carioquinha sufocou todos os outros comuns na época, como o rosinha, chumbinho, mulatinho, jalo. Ironicamente o Rio de Janeiro resistiu ao assédio e continua com seu feijão preto no dia-a-dia, mas, de modo geral, de norte a sul quem manda é o carioquinha, atingindo cerca de 80% da produção de feijões (95% no estado de São Paulo). Todo mundo sabe os males que a monocultura traz, os impactos ambientais da agricultura industrial, o dano para a biodiversidade - a erosão genética, como se diz. Sem falar na perda da identidade cultural de certas comunidades, como é o caso do sopinha para os quilombolas.

Por isto, fico feliz em saber que várias sementes de leguminosas estejam sendo recuperadas (o próprio IAC vem tentando fazer isto), afinal havia centenas de variedades que, embora não tão caldosas quanto o carioquinha, eram ótimas para saladas, sopas e pratos gostosos.

Bem, se o nome é feijão sopinha, tinha que inventar uma sopinha, é claro. Faltou um marisco, um camarão, uma lagosta ? teria ficado melhor, mas, ainda assim, ficou deliciosa.


Sopa de feijão sopinha


1 xícara de feijão sopinha cozido (cozinhei 1 xícara dele, sem remolho, panela normal, por cerca de 20 minutos, em 3 xícaras de água e louro - rendeu o dobro, congelei o resto).
1 colher (sopa) de azeite
2 dentes de alho micropicado
Meia cebola micropicada pra ficar do tamanho do feijão
1 pedaço de pimentão vermelho e 1 do verde micropicado
1 pitada de pimenta vermelha seca em flocos (ou 1 pimenta dedo-de-moça sem sementes micropicada)
Meia cenoura grande micropicada
1 batata grande micropicada
1 tomate sem pele nem sementes micropicado
¼ de xícara de aipo/ salsão micropicado (não coloquei porque não tinha, mas tenho certeza que vai somar sabor)
1 colher (chá) de páprica doce defumada (usei pimenton de la Vera). Se não tiver, use colorau ou páprica comum socados com bacon.
3 xícaras de caldo quente de galinha caseiro e desengordurado ou água
Sal a gosto
2 colheres (sopa) de salsinha picada

Aqueça o azeite e refogue nele o alho e a cebola até começarem a dourar. Junte todos os outros ingredientes, menos a salsinha, e deixe cozinhar em fogo médio até a cenoura ficar macia (cerca de 10 minutos). Prove o sal e a pimenta e junte mais, se necessário. Espalhe por cima a salsinha e sirva. Com pão torrado vai bem.

Rende: 4 porções



Só para ver o tamanho: feijão bolinha, favas e feijão
carioquinha




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