Mastruz são três ou Sopa de feijão preto com epazote
Comida Saudável

Mastruz são três ou Sopa de feijão preto com epazote



Epazote dos mexicanos é nossa Erva-de-Santa-Maria
Engraçado que justo agora quando resolvi postar estas ervinhas, uma delas tipicamente mexicana, me dei conta que hoje é o dia da Fiesta de la Candelaria para os mexicanos. E inclusive fui convidada para ir hoje à casa da Maria Eugênia, Consulesa do México, para a demontagem do presépio, com comidinhas típicas (depois eu conto). Não foi proposital a homenagem, afinal as fotos já são da semana passada e eu não me lembrei disto, mas fica como sendo. O certo seria, pra não gerar ciumeiras, homenagear Iemanjá, que hoje é dia dela também, mas não me ocorreu nenhuma comida especial.
Por aqui fazemos a maior confusão com os termos mentruz, mastruço ou mastruz que são usados para três (ou mais?) plantas diferentes na forma, mas com aplicações similares. Todas com sabor meio amostardado. Em alguns estados do Nordeste (quais?), mastruz batido com leite é um remédio tão difundido para bronquite que virou até nome de banda. E o que é chamado lá de mastruz é conhecido aqui como erva-de-Santa-Maria, uma planta arbustiva diferente do que conhecemos aqui no sudeste como mastruz - uma erva rasteira com sabor picante. E depois, nos livros e no mato, ainda descobri outro tipo. Mas vamos a estes três mentruzes, começando com o que homenageia o México.
Erva-de-Santa-Maria, pazote, epazote, mastruz, mastruço..

Clique & Amplie. Aqui, a erva num quintal abandonado - este arbustinho na frente da couve, no quadrante inferior da direita.
Na minha infância esta era uma das ervas daninhas que cresciam de tempos em tempos nos quintais e me lembro dos galhos secos debaixo das camas para espantar formigas. Não é à toa que um de seus nomes em português seja também erva-formigueira. Ou esfregados nos cachorros para espantar pulgas. Em espanhol, dependendo do país, recebe diferentes nomes como paico, ambrósia, yerba de Santa Maria, té de los jesuítas, apasote e té de Méjico.
Felizmente a maioria dos seres vivos algum dia foi batizada com um nome científico latinizado, universal e único. Sem ele, eu jamais poderia imaginar que a nossa medicinal erva-de-santa-maria, que cresce à toa em qualquer praça abandonada, e o tal epazote fossem a mesma planta. Uma vez vi a cara dele num livro de cozinha mexicana, fiquei desconfiada e fui atrás de informações para saber o nome científico. A suspeita se confirmou. Era a mesma Chenopodium ambrosioides que temos aqui.
Americana de origem, pertence à mesma família da quinua e do amaranto, as Chenopodiáceas, e tem uma história antiga de uso terapêutico em toda a América, que vem desde etnias indígenas norteamericanas até a Argentina de hoje. E não são poucas as enfermidades tratadas com ela. Na forma de infusões ou emplastros, são usadas tanto as folhas quanto as sementes, ricas em óleo essencial. Entre seus poderes mais difundidos está o de expulsar parasitas intestinais (comprovado cientificamente - cerca de 60% de seu óleo essencial é composto por ascaridol que age contra Ascaris lumbricoides - mas em grande quantidade pode ser tóxico e hoje há anti-helmínticos mais eficazes e seguros), aliviar cólicas, diminuir gazes, estimular o apetite, melhorar a digestão, curar picada de insetos, bronquites, úlceras e tantos outros males.
Apesar de tantas aplicações, a não ser na cozinha mexicana e caribenha, quase nunca é citada como erva aromática. No Brasil não descobri uso algum na cozinha. Mas no México, epazote é tida como uma deliciosa erva aromática.
À primeira vista, o perfume é potente, lembra um pouco hortelã, mas na boca se mostra fresco e picante, um pouco como as folhas de mostarda. Desde o dia em que descobri sua utilidade como tempero, arrumei uma mudinha, me apaixonei pelo seu aroma e hoje tenho uma touceira dela ao lado de outras plantas aromáticas no meu jardim. As folhas são compridas e serrilhadas e as flores, verdes e miúdas, dispostas em cachos. As sementes germinam facilmente e no verão podem ser colhidas dos cachos, secas e guardadas para fazer novas mudas.
Parece que os astecas foram os primeiros a cultivar a erva epazotl, como a chamavam, não só pelas virtudes medicinais, mas também por suas propriedades aromáticas. Hoje, mais no centro e sul do México, ele é indispensável nos pratos de feijão, especialmente de feijões pretos. A justificativa para este uso é que além de condimentar, ameniza o efeito desagradável provocado por estes grãos, que é a formação de gazes. É usada também para temperar carnes de porco, pescados e dá um sabor especial ao recheio clássico da quesadilla ? tortilla recheada com queijo e um galhinho de epazote, dobrada e assada. Mesmo outros recheios, como de cogumelos, de huitlacoche (fungo que cresce no milho) ou de flor de abóbora, costumam receber um toque de frescor desta erva.
Outros nomes populares, segundo Harri Lonrenzi e F. J. Abreu Mattos (Plantas Medicinais no Brasil): ambrisina, cambrósia, ambrósia-do-méxico, apazote, caácica, canudo, chá-do-méxico, chá-dos jesuítas, cravinho-do-ato, erva-das-cobras, erva-ambrósia, erva-pomba-rota, erva-santa, lombrigueira, mastruço, mastruz, mentrasto, mentrei, mentruço, menstrusto, pacote, quenopódio, mata-cobra.
Aproveitei que tinha feijão preto congelado e que ganhei da Sofia Carvalhosa umas pimentas trazidas do México, onde o filho Gil trabalha, para fazer uma sopinha com a erva inspirada de alguma forma nas receitas mexicanas. Ficou saborosa, apimentada, perfumada, restauradora. Deu três porções exatas e toda a família teria comido mais se tivesse tido sobra.




Segundo a Sofia, a pequena, do meio, é a Chipotle - defumada e não muito picante. A média se chama Pasilla, é gostosa de comer pura hidratada. A grande, de baixo, se chama Guajillo - com ela os mexicanos fazem um molho com alho, redução de vinho branco e muita manteiga para acompanhar peixes e camarões. Usei um pedaço de guajillo e uma chipotle inteira.

Sopa de feijão com macarrão, legumes, chiles e epazote
Ingredientes
1,5 xícara de feijão preto cozido (300 g)
750 ml de caldo de frango ou água quente
1/4 de pimenta guajillo
1 pimenta pasilla hidratada e sem sementes
1/2 cebola picada (70 g)
3 dentes de alho
2 colheres (sopa) de azeite
1 cenoura picada em cubinhos (70 g)
2 batatas cortadas em cubinhos (150 g)
2 raminhos ou umas 20 folhinhas de epazote/ erva-de-santa-maria (Chenopodium ambrosioides)
1/4 de xícara de massa curta para sopa - usei corallini (mas qualquer outro tipo serve)
Sal a gosto
30 g de queijo de cabra ralado
Modo de fazer: bata no liquidificador o feijão preto com o caldo ou parte dele, juntando o resto depois, e as pimentas mexicanas (reserve uns pedacinhos de pasilla para decorar). Reserve. Numa panela, em fogo alto, refogue até dourar a cebola e o alho no azeite, junte a cenoura e a batada e refogue, mexendo, por cerca de 2 minutos. Junte o feijão batido e metade das folhinhas de epazote e mexa bem. Quando ferver, abaixo o fogo, tampe a panela e deixe cozinhar por cerca de 5 minutos após a fervura, ou até a batata amaciar. Junte o macarrão e deixe cozinhar por mais 10 minutos. Se for necessário, junte mais água quente. No final, prove o sal e corrija, se precisar. Na hora de servir, espalhe por cima um pouco de queijo de cabra ralado, umas folhinhas de epazote e pedacinhos de pasilla. Nhac. Rende: 3 porções

Um pezinho de mentruz rasteiro meio franquino com o o calor - ele gosta mais do inverno
Esta outra ervinha rasteira, Coronopus didymus, pertence à família das Crucíferas (da couve, da mostarda, rúcula etc) e é nativa do sul e sudeste do Brasil. Tem folhas penadas e sabor e cheiro parecidos com os do epazote. Porém, diferente daquele, tem mais sabor que perfume. Lembra muito a mostarda ou agrião, tem um quê picante muito bom e vai bem com batatas ou em saladas de folhas. Comecei a prestar mais atenção neste mentruz desde o dia que dona Albina, minha sogra, me contou que o avô italiano costumava colocar a erva sobre o pão com sal e azeite e dar para as crianças comerem. De fato, dá uma boa incrementada ao simples pão com azeite que já não precisaria de mais nada pra ser bom. Foi a única referência dela como ingrediente comestível e não medicinal que encontrei. Mas a danada tem potencial. Experimentem e me contem.

Pão, azeite, folhinhas de mentruz rasteiro e flor de sal
Embora seja mais comum no inverno, consegui achar um pezinho ao menos para foto, no meu jardim. Nos matos por aqui quase não se a encontra agora. Mas quando é época, várias moitinhas podem ser vistas em quintais, hortas e nas roças. E, claro, no meu quintal onde as plantas crescem meio a esmo. Tem sabor picante tão forte que, dizem, ele é passado para o leite quando vacas comem a ervinha durante lactação. Imagino que o mesmo valha para gente. E vai ver este é o verdadeiro mastruz com leite, que não deve ser de todo ruim. Na medicina popular é usada como expectorante, digestivo, estimulante de funções hepáticas entre outros.
Outros nomes segundo as autores já citados: Mastruz-miúdo, mastruço-dos-índios, erva-vomiqueira, erva-formigueira, mastruço, mentruz-rasteiro.
Outro mentruz: Lepidium virginicum
Clique & Amplie. O mentruz Lepidium é este com espiguinhas verdes

Tanto as folhas como sementes são gostosos e lembram mostarda
Muito parecido com o anterior, só que não rasteiro. Recebe os mesmos nomes populares e é usado para os mesmo fins. Pertence à mesma família das Crucíferas, mas tem folhas comprida e não penadas, e também cresce espontaneamente. Aqui no meu bairro há bastante dele mesmo agora no verão quando não se vê o tipo rasteiro. Embora nunca tenha ouvido ou lido sobre seu uso na cozinha, tampouco tenho notícia de que seja tóxico. E como tem os mesmos usos que a espécie anterior, me senti à vontade e segura para arriscar. Outro dia usei as sementinhas para temperar batatas salteadas e elas ressaltaram o sabor da mostarda, que também usei. E foi acompanhamento do peixe-serra que postei aqui há uns 20 dias.

Cozinhei as batatas no vapor polvilhadas de sal e depois passei pela manteiga onde refoguei um pouco de alho, cominho, sementes de mostarda, dadinhos de pimenta dedo-de-moça e sementinhas de mentruz.




Veja Também:

- Palmas, Nopales
No México os nopales, alimento tradicional dos aztecas, são vendidos nas feiras livres e mercados, já raspados os espinhos. Ou já limpos e picados. Nada mais são que folhas de palma (Opuntia ficusindica) que nos dá o figo da índia ou frutos parecidos....

- Hortelã-pimenta Ou Balsamita, O Tempero Esquecido Do Fogado
Depois de meses, talvez anos, procurando saber que espécie era aquela que em Paraibuna chamam de hortelã-pimenta sem ser hortelã, finalmente descobri. Fiz o pedido de informações no final do post sobre Fogado e descobri duas coisas: primeiro que...

- Sopa De Tortilla, De Lourdes Hernandéz
Eu tinha tortilhas sobrando e caldo de galinha caipira na geladeira. Pedi para Lourdes Hernández uma receita da tradicional Sopa de Tortilas, que sabia ser um jeito clássico de aproveitar tortilhas amanhecidas. Ela me disse que teria que usar chiles...

- Flor De Babosa Para Comer
Soube pela primeira vez que se come  flor de babosa com a mexicana Carmen, que tem um blog que adoro e onde aprendo um bocado sobre ingredientes mexicanos: saboreartentusiasma.blogspot.com.  Depois, também vi as flores num catálogo...

- Cará Moela E Tomatinhos Do Quintal
Agora minha horta é meu quintal e meu sítio são as ruas e praças do meu bairro, onde tenho plantado de cambuci a bananeiras.  Da minha horta já estou colhendo carás-moelas ou cará-do-ar, do branco e do roxo - se você está chegando agora...



Veja mais em: Comida Saudável