Não sabia de véspera o que iria comer no Natal, embora minha mãe tenha sempre a certeza do almoço de hoje e o de amanhã. O que ela servisse em Fartura estaria de bom tamanho, fosse o que fosse, embora sejam sempre o mesmo pernil de leitoa, a mesma salada de maionese, o mesmo frango de sítio recheado. Todos muito bons mesmo. Ainda assim, prefiro continuar na dúvida se terá ou não alguma penosa além. Tem ano que tem peru caipira, mas nesta temporada foram todos vendidos muito antes. Só sobraram os patos, que ninguém fez questão de comer. As angolas, muito menos. E foi bom assim. Gosto de natal e reveillon porque tiro uns dias de férias e a família se reúne, mas a obrigação de comidas assim e assadas me cansam.
Sorte que no sítio as coisas são um pouco diferentes. As únicas frutas secas que chegaram por lá foram as do panetone que fiz e levei. E únicos também foram estes panetones, que adoro preparar. Fora isto, nada de cereja chilena (que se me derem eu como, mas não compro), peru temperado com termômetro ou bacalhau da Noruega. Em compensação, muita lichia, que o pé carregou novamente. Banana, muita como sempre. E manga, que na última safra mingou e agora apareceu de montão, da coquinho, da bourbon, da espada e da haden (se eu fosse dentista iria ficar rica mandando fazer capas de plástico personalizadas para os dentes só pra chupar manga coquinho sem pensar nos fiapos póstumos). Abóboras muitas, da redonda, da pescoçuda, da verde, da madura, da verdolenga. Eu passaria o natal comendo abóboras e abobrinhas sem problemas.
De certezas para este ano novo, quase nenhuma, a não ser as de curto prazo - que estou na Vogue de janeiro, que vou pro Senegal no mês que vem e que preciso aprender francês. E que o pé de taperebá ou cajá manga está coalhado de frutos ainda verdes que hão de amadurecer. Assim como a seriguela. O cacto trepador ensaia duas pitaias grandonas enquanto cactáceas mais velhas chegam à frente - mandacarus já trincando de maduros e figos-da-índia amarelando espinhudos. O jambeiro deu a primeira safra e os jambos vermelhos e crocantes hão de resistir às bicadas dos sabiás até minha próxima ida ao sítio. Toda tarde minha mãe, sem tirar o avental, continua pegando seu chapeu e saindo de mansinho pelo jardim enroseirado para voltar em seguida com ovos de pata ou angola nas mãos, toda sorridente. E todo meio do dia, com sol a pino, o boi continua lá parado fingindo se proteger sob uma árvore que deixa vazar mais luz que sombra. E a família segue falando de pimentas enquanto o almoço não chega à mesa. Desta vez o ano novo chegou tranquilo por aqui, como uma simples virada na folhinha do calendário. Aproveitei o tempo em São Paulo para limpar gavetas, jogar tralhas fora, fazer faxina na casa, costurar cortinas novas, passear com o marido, ir ao cinema. Dias sem ver email, sem ligar o computador, sem saber o destino do celular. Tantos dias que quase desacostumei de fazer blog e morri de preguiça de responder emails. Mas calma que vou chegando de mansinho.