Comida Saudável
Pães, padeiros, padarias
|
Baguetes da padaria PPG, Ilha do Pesqueiro - Soure, Marajó - PA |
Trigo em excesso não é bom, mas o que seriam de nossas melhores lembranças sem ele? Quando eu tinha quinze anos meus pais viajaram de férias para o sítio dos meus avós e pela primeira vez eu não pude ir junto porque já trabalhava. E não era época de férias escolares - eu estudava à noite. Estava triste, mas logo na primeira falha em casa alheia a recompensa viria, pois para não ficar sozinha me hospedei na casa de uma amiga. Chegamos da escola depois das onze e a surpresa. Ela morava na parte de cima de uma padaria. A surpresa foi o aroma que já invadia a rua assim que descemos do ônibus. Só então ela me contou que ali funcionava uma padaria e que os padeiros começavam a assar o pão no começo da noite, para o outro dia. Em vez de subirmos a escada da sua casa, que saia da porta da rua, entramos pelo portão lateral que dava para os fundos da padaria já fechada para o público. Fiquei encantada e saímos de lá com um saco de pão francês quente de queimar os braços. Com todos da casa dormindo, abrimos o saco na cozinha que repousava já limpa da louça da janta. Passamos manteiga e comemos muito, tipo uns três pães cada uma. Fui dormir feliz, animada para a chegada da próxima noite, até torcendo para que minha família não voltasse logo. E assim se repetiu durante cerca de uma semana que passei ali. Não sei quando engordei, mas me lembro que fiquei fortinha. Era o perfume do pão quente. Isto realmente me tira do sério até hoje.
|
Os padeiros de Florença |
Tive a mesma sorte em Florença, quando duas amigas e eu alugamos no escuro um apartamento que, apesar do calor, ficava em cima de uma padaria. E já contei esta história aqui.
E acho que tive hoje estas lembranças porque o pão da semana não deu muito certo - quis testar aumentar a quantidade de polvilho junto ao trigo, mas acho que coloquei mais do que a massa suportava e saiu um pão duro e abiscoitado. Restam, portanto, as boas lembranças.
|
Padaria PPG, no Marajó - o padeiro e o fotógrafo da Saveur |
|
Padaria PPG - os pães |
|
Padaria PPG - o cliente |
Lembrei também dos pães incríveis da Padaria Pequena e Grande lá no Marajó, cuja história contei lá na revista Saveur, abrigada numa casa de madeira de teto muito baixo que machuca a cabeça dos descuidados. Quando provei aquelas baguetes crocantes e deliciosas, com queijo marajoara, no café da manhã, lá na Fazenda São Jerônimo, me comprometi a acordar cedo no outro dia e ir comprar o pão com Seu Brito. E cumpri o acordo. Ainda dava pra sentir a brisa da manhã vinda do mar, que ficava a poucos metros da padaria, na Praia do Pesqueiro. Estava tudo em silêncio no vilarejo que ainda dormia. Da pequena padaria de nome PPG (Padaria Pequena Grande) vinha um bom aroma de pão quente. Achei que James Oseland, da Revista Saveur, iria adorar aquela paisagem. Chegando à fazenda, o convenci de que deveríamos voltar para fotografar a padaria e o vilarejo. O proprietário Edvaldo Luiz Antonio Pereira é do Marajó, de uma praia ali perto. Ele me mostra, apontando com o dedo, o Areião, aonde só se chega de barco. Diz que aprendeu a trabalhar como padeiro na prática. Entrou como faxineiro, virou padeiro e depois foi gerente de uma grande padaria em Belém, quando era moço. Mas resolveu voltar a viver no sossego e já tem vinte e um anos que mora na região. Sem ambição e com a ajuda do filho, Deni, e do vizinho Luciano ou Tiquinho, está feliz com a fabricação de apenas dois tipos de pão em pequena quantidade ? cerca de cento e setenta pães doces de massa fina e quinhentos salgados de massa grossa, como ele mesmo classifica. O salgado é uma baguete pequena e fina, de casca crocante, delicioso para se comer com manteiga ou queijo marajoara. Perguntei se ele tinha uma masseira e ele me mostrou as mãos. Aliás, ele conta todos os seus segredos para um pão de tanto sucesso: usar as mãos em vez de masseira, fazer a própria receita em vez das misturas prontas, como acontece nas grandes padarias e, finalmente, o mais importante é não ter pressa para assim poder usar pouco fermento. Sua receita leva apenas 15 gramas de levedura granulada para 20 kg de farinha, 3 colheres (sopa) de açúcar e 8 colheres (sopa) de sal. Amassa, modela e deixa crescendo a noite toda, no ritmo marajoara.
|
Padaria Santo Antônio - Uauá - BA |
|
Xeba ou Cheba - Padaria Santo Antônio - Uauá - BA |
|
Bicicleteiro entregador - Padaria Santo Antônio - Uauá - BA |
|
Padaria Santo Antônio - a família |
Em Uauá, sertão da Bahia, visitei duas padarias cujo modelo está entre esta do Marajó e as do Senegal que consiste simplesmente de um forno de barro coberto e um cocho de madeira para a massa, além de uma bancada à frente do forno que serve para deixar repousando ou os pães a crescer ou o padeiro a descansar. Como no Senegal, as padarias são tocadas pela família, que vendem no local e com o bicicleteiro que percorre o bairro. Na padaria Santo Antônio havia não só o pão mas também a cheba (ou xeba?), que é a massa do pão aberta como pizza grossa e polvilhada de açúcar que sai do forno caramelizada. Deliciosa.
Já no meu bairro há uma padaria que faz o melhor pão francês da região, mas o atendimento é tão ruim e a acolhida tão pouco gentil que nunca me interessei em me aproximar muito. Em vez de placa de boas vindas, avisos de é proibido, é ilegal, não pode entrar.
|
Padaria Dias - Uauá - Bahia |
|
Padaria Dias - a família, herdeirinhos |
|
Padaria Dias - o padeiro |
|
Padaria Dias - os clientes |
Em Uauá ou no Marajó, onde se fala português, padaria é padaria. Em Florença, é panetteria. Em Paris ou no Senegal, com língua oficial francesa, padarias se chamam boulangeries. E, engraçado, aqui em São Paulo também... |
Boulangerie em Paris |
|
Boulangerie no Senegal |
|
Boulangerie no Senegal - a matéria prima e a masseira |
|
James, padeiro francês, saindo de uma padaria senegalesa |
|
Padeiros senegaleses |
|
Padeiros franceses com padeiros senegaleses |
|
James e Michel, padeiro francês, numa padaria senegalesa com seu padeiro |
|
Padaria no meu bairro: proibido entrar sem camisa, proibido entrar de capacete, proibido entrar animais, comprar de bicicleteiro é ilegal |
Veja Também:
-
Pão De Paris
Estas delícias são do Michel Cirés e James Forest, feitos lá em Dakar Todo mundo sabe como o assunto pão é levado a sério pelos franceses, a ponto de terem posto na boca de Maria Antonieta a célebre e debochada frase "se o povo não tem pão,...
-
Pão Com Fubá Feito Pelo Padeiro Francês
O pão francêsEstou com hóspede em casa, por isto também a falta de escrever aqui (no instagram, veja aí do lado, tenho publicado algumas fotos). Aquele amigo padeiro francês que conheci no Senegal, Michel Cirès, veio passar vinte dias e estou tendo...
-
Pão Do Zero, Com Fermento Natural (levain)
Durante o 6º Paladar - Cozinha do Brasil, fiz o que pude para ver o máximo de aulas possível. Para isto, às vezes entrava, via um pouco e saía. Por uma feliz coincidência, estava já saindo da sala do Rogério Shimura, onde acontecia um...
-
Pão De Batata Doce
A receita original é do francês Michel Cirés que conheci na missão da Ong Solidarité no Senegal (veja também o blog aqui) Ele e James Forest eram os dois padeiros do projeto. Foi Michel quem me emprestou sua máquina fotográfica depois que perdi...
-
Delícias De Santos: Pão De Cará Sem Cará E Broa Portuguesa Com Abóbora
Pão de cará sem cará! Broa Portuguesa com abóbora Cheguei há pouco de Santos. Fui dar uma palestra para os alunos do curso de nutrição da Unifesp, a convite da professora Fernanda Scagliusi. Ela passou aqui na parte da manhã e pegamos a estrada....
Veja mais em:
Comida Saudável