Comida Saudável
Senegal - a água
Claro, já tinha consciência da importância da água, mas foi mesmo naquela manhãzinha em que acordei numa cabana da pequena aldeia no interior do Senegal que me dei conta do artigo luxuoso que ela é.
Passava pouco das seis da manhã e, como chegamos no lugar à noite, não tinha visto nada do lugar. E também poucas crianças haviam me visto (se bem que eles enxergam no escuro, é incrível). Por isto, acordei assim que clareou e fui andar, seguida por crianças curiosas me perguntando coisas em wolof e risonhas das minhas respostas ininteligíveis. Começaram a me mostrar tudo o que achavam interessante. Esta é minha vaca. Quer ver as mulheres tirando água? Veja este fruto, a gente come a semente. Olha lá o pessoal socando o milhete para o cuscuz. Venha ver o rebanho de cabras. Aqui é nossa mesquita. E coisas assim. Sem entender uma palavra em wolof (um cumprimento e resposta e alguns nomes de espécies vegetais, vá lá), tenho certeza que me disseram tudo isto.
De tudo, de tudo mesmo o que vi, o que mais me impressionou foram aquelas mulheres tirando água do poço. Um poço fundo, com mais de cinquenta metros, todo revestido de cimento, com suporte para umas quatro carretilhas rodeado de mulheres puxando baldes remendados a seis mãos que se alternavam para dar ritmo contínuo às cordas. Simpáticas, ao me verem interessada, ofereceram a corda para que eu ajudasse. Bem que tentei. Puxei um pouco, mas me atrapalhei no ritmo, achei pesado demais e logo fui meio que expulsa aos risos de chacota. O movimento ao redor do poço era intenso, o trabalho era pesado, num ir e vir com bacias cheias na cabeça para abastecer os potes das casas, mas a alegria era contagiante, com ânimo para palmas durante a coreografia das mãos.
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Toda gente leva ao banheiro as chaleiras de plástico com um pouco d´água |
Ninguém ali é só, todo trabalho individual se junta para o bem coletivo e a alegria é pra ser dividida. Mas, voltando à água, vou me lembrar daquela cena a cada banho prolongado que porventura vier a acontecer por distração ou toda a vez que vir alguém empurrando um folha de acácia mimosa com um jato forte de água limpa na calçada. Ou lavando carro com a mangueira aberta abandonada no chão.
O Sahel, a faixa de terra ao sul do Saara onde fica o Senegal, tem pouca chuva. A maior parte do ano é de seca, com aquela vegetação cor de fogo se misturando com o chão de areia fina da mesma cor. E é raro ver uma poça d´água doce à medida que se afasta da costa. Dakar tem uma praia linda, com água cristalinas. De qualquer forma, o que se quer é água doce. Para conseguir água boa, os poços tem que ser profundos e nas aldeias é difícil ter energia elétrica para bombas. Então, aqueles braços fortes são conquistados na base de muita puxação de corda. E o equilíbrio e a coluna ereta, graças ao peso do carregamento, que não é só de água.
Depois, gasta-se pouco nos banhos, para lavar roupas, lavar louça, para beber e pra levar ao banheiro, em chaleiras de plástico chinesas. Tudo com moderação, sem desperdícios. Antes das refeições sempre aparecem duas pequenas bacias para se lavar as mãos, uma com produto, como costumam dizer, que é uma água com detergente. E outra, limpa, para enxaguar. Todos lavam ali suas mãos. No fim das refeições, a mesma coisa, porque a gente vai estar com a mão melecada de ter comido cabrito, arroz, peixe. E depois, circula entre todos uma grande canela com água fresca para beber. Não vi ninguém passar sede, mas nas aldeias não há hortas, que precisam ser regadas. E os animais, sempre que podem, também bebem água limpa. O que seria de nós sem água? Hoje, no mundo, muita gente já sabe.
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E agora, dando uma de colegial, uma divagação, que água tem poesia:
Água dos miseráveis minguados,da face suada e roupa encharcada
Terra rachada sob sol escaldante
O vento melado, o açude vazio
Água funda, turva, barrenta
Água da poça, lama seca
Salobramente contaminada
Lençol freático, roupa suja
Aguas passadas, roubadas
Água rasa, rara, cara
Água farta, furtada
Sombra da brisa do bosque
Toda água é fresca
Som da queda fabricada
Sertão fingido Éden
E jorra o poço artesiano
Água corrente, límpida
Insípida, que irriga, que intriga
Dinheiro, marca d´água
Água paga
Tratada, mineral, bicarbonatada
Potável, corrente
Água morna e água quente
Gelada e transparente
Que lava, refresca
Água de rosas, pras flores
Água que limpa, sanitária
Água pro gato
Azul turquesa, piscina
Pra descarga e gargarejo
A que faz colorido jardim
Que escorre no banho sem fim
A que varre imitando vassoura
Água vã
Água benta
Água de cheiro, chuvisco sereno
Grama orvalhada, poeira molhada
Água da bica, goteja, repica
Água que mina, a semente germina
Agua-vida, musgo, bolor
Água que nutre, que hidrata, que passa
Roçando pedras roliças
Verdejantes felpudas roças
Moinho, monjolo, roda d´água
Fino pó de grão macerado
Polenta ensopada na seca do dia
Abóbora d´água doce, macia
Água de batata, café ralo, aguardente
Água de graça
Água pra lá e pra cá
Água de lastro do porão do navio
Água má de Lisboa, boa do Porto
Água de noz dos padres cartuchos
Mãe d´água das Amoreiras
Aqueduto das Águas Livres
Água alta, revolta ou mansa
Inunda a bela Veneza
Diques no Mar do Norte,
Inventa impermeável Holanda
A mesma sagrada de Alá
Goteja agora turva em Bagdá
Água pra viagem
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