Seu Juarez dos arrozes
Comida Saudável

Seu Juarez dos arrozes



Clique e amplie: arroz jasmim (aromático), basmati, moti, farroupilha, vermelho e preto

Quando estive em Porto Alegre, minha amiga Mariângela queria muito que conhecesse o Seu Juarez dos arrozes, na feira ecológica, que acontece por lá há 17 anos. Eu também, mas choveu canivetes naquele final de semana que teve até ciclone. E o homem ficou ilhado, não foi. E eu, a ver navios.

Mas amiga que é amiga manda depois a encomendinha pelo correio. E na semana passada chegaram os seis preciosos saquinhos de arroz. Quando abri a embalagem, já vaporou um aroma delicioso a avelãs tostadas, pipoca, nozes, cheiro bom. Arroz jasmim, basmati, moti, vermelho, negro e farroupilha. Todos orgânicos, todos integrais. Nunca imaginei como seria um arroz aromático integral. Nem o basmati ou o moti, que encontramos sempre muito educados e polidos. Já o vermelho e o negro são sempre rústicos, íntegros, do contrário não seriam vermelhos ou negros, já que apenas a película é colorido. Polidos, todos são brancos ou quase brancos. Do farroupilha, nunca tinha ouvido falar.

Pois liguei hoje para o produtor de todos eles, Juarez Antonio Felipi Pereira, ou Seu Juarez, 52 anos. De família de pequenos agricultores com tradição arrozeira, plantou seu primeiro arrozal aos 17 anos à moda do pai, sem nenhum insumo químico que não fossem as gotas de uréia do próprio suor. Mas, segundo ele, já aos 38 tinha entrado na onda da agricultura química, até que um dia estava todo paramentado para mais uma aplicação de herbicida altamente tóxico. Ele e um amigo, com botas, chapéus, roupas de tecido especial, máscaras e luvas espaciais. O amigo olhou para aquilo tudo e disse: ?você parece um lunático? ao que ele retrucou: ?e você parece que vai pra guerra?. Acabou a aplicação e a frase que saiu da própria boca ficou martelando na cachola. E aí, depois de muito repercutir a expressão, tum, deu um estalo: guerra não combina com comida! Quem é o oponente? O sistema financeiro e comercial que te dá golpe baixo?; os insumos químicos que minam com a saúde de quem aplica e de quem come? ou aquelas ervinhas bobas que crescem onde bem entendem? A conclusão foi óbvia e rasteira. Daí a voltar à agricultura praticada pelos seus antepassados foram alguns passos largos, mas lentos. Durante 4 anos colheu pouco, ganhou quase nada, mas via pela frente toda a perspectiva possível para um agricultor feliz, coisa que não acontecia antes, quando vivia endividado para pagar sementes e insumos. Depois de cinco anos praticando uma agricultura mais limpa e sustentável, foi convidado a participar da feira ecológica de Porto Alegre, composta de produtores com estes mesmos propósitos. O inusitado da proposta é que sua banca seria temática ? apenas arroz. Recebeu um pacote de sementes, semeou em viveiros, cuidou e multiplicou. Começou a receber na feira uma outra forma de pagamento pelo seu trabalho ? além do preço justo, ganhou o respeito, o carinho e o interesse do consumidor. Só por isto já valeu. Mas também o motivou a abrir os olhos para outras variedades de arroz, de preferência do tipo japônico (aqueles de grãos mais curtos), também meus preferidos. Resgatou sementes antigas cultivadas antes da padronização trazida pela ?revolução verde? que fez sumir do mapa inúmeras sementes crioulas. E fez mais: conseguiu isolar variedades que hoje se multiplicam e mantêm suas características inalteradas. São 28 delas no total, cultivadas em apenas 50 mil metros quadrados. Do plantio ao beneficiamento, tudo é feito na propriedade. No entanto, senti que a menina dos olhos dele é o arroz farroupilha. Disse que a lavoura deste arroz é a maior lindeza deste mundo. De porte alto, tem ciclo longo e não exige terra limpa. E os fertilizantes, rejeita terminantemente. Cresce muito, fica espigado, pode tombar. Melhor sem. Parece ser uma das variedades mais antigas do Rio Grande do Sul, embora hoje ele não conheça mais que cinco produtores no Estado. Seu pai, com 85 anos, conta que quando tinha 10, cada família, incluindo a sua, ganhou 5 kg de sementes de arroz farroupilha para plantar e talvez revender para o empresário doador. Seu Juarez não sabe ao certo como foi. De qualquer forma, o arroz está aí até hoje resistindo às intempéries agroeconômicas, químicas e culturais. Ele é um arroz mais longo que o cateto e mais curto que o agulhinha. Na consistência também é intermediário entre os dois. E na panela, posso garantir porque foi o jantar de ontem, é muito bom. Lembra um pouco o Batatais que meu pai planta. Cremoso, bom para risotos. E com um sabor amendoado bem definido.

Atualmente, com a ajuda de marrecos e outros animais para a manutenção do equilíbrio da lavoura de arroz de outras culturas de subsistência, Seu Juarez diz que sua saúde física continua melhorando com a capacidade readquirida de entender as coisas e de se encantar com a comida que lhe faz bem. Agora se sente muito mais jovem, saudável e disposto que com 38 anos vestido para a guerra, com mochila de veneno nas costas.

Dos arrozes, falo depois.




Veja Também:

- Arroz Moti Aromático Ou Arroz Crotalária Do Seu Juarez
Já estava quase me esquecendo do Seu Juarez, sobre o qual já falei aqui, e seu arroz moti crotalária. Mas quando falei do waffeln e dos amigos Mariângela e Rui, me lembrei que tinha feito um vídeo com o produtor de arroz mais famoso entre os portoalegrenses...

- Feijão Com Arroz? Não. Feijão-arroz
Estes são feijõezinhos são parecidos com o azuki, Vigna angularis, do mesmo gênero dos feijões-de-corda. São conhecidos como feijão-arroz (Vigna umbellata - encontrei informações conflitantes). Comprei na feira orgânica de Porto Alegre, misturados...

- Aula Na Escola Wilma Kövesi
No dia 12 vou dar uma aula na escola Wilma Kövesi. Vou mostrar alguns ingredientes não encontrados facilmente nos pontos tradicionais de venda. Eles estão por aí pulverizados nos pequenos comércios, nas feiras de produtores, nos estandes dos eventos...

- DelÍcias Da RoÇa
Ontem fui buscar mama Olga na rodoviária. Uma malona inteirinha só de mimos de Fartura. Como o mamão caipira não tem igual ? tão doce quanto o papaia, só que mais perfumado, amarelo e infinitamente mais saboroso. Meu pai e eu, gulosos de frutas,...

- Arroz Vermelho De Cruzeiro
Os grãos integrais são do tipo cateto (mais arredondados) e têm a película avermelhada. De vez em quando eu compro arroz vermelho do Piauí, no Mercado da Lapa. E meu amigo Arnaldo Lorençato já me trouxe um tipo maravilhoso de Piranguinhos, MG....



Veja mais em: Comida Saudável