Nunca vi com bons olhos o tempero pronto à base de alho e sal preparado pela minha mãe. Era o único senão ao seu modo de cozinhar. E talvez o último. É que gosto do ritual de picar ou socar o alho e sentir seu aroma fresco e pungente quando cai no azeite ou gordura quente. Mas tenho que dar o braço a torcer que a comida da dona Olga é muito melhor que a minha e desconfio que só pode ser o raio desse tempero pronto.
Está certo que o alho fresco tem um outro perfume e em alguns pratos com na couve-refogada minha mãe opta por ele picado bem fininho. Em compensação não é sempre que se tem tempo para descascar, picar ou socar alhos na quantidade que seria desejável para um determinado prato e aí entra a praticidade deste tempero que passa longe daqueles mal-cheirosos de supermercados. Aliás, tenho náuseas quando passo pelas prateleiras de temperos-das-vovós e afins, que contaminam tudo à sua volta.
A diferença é que o tempero que minha mãe faz não vira uma pasta. Ela faz no processador de alimentos, de modo que o alho fique apenas picadinho. E o sal só entra depois, que é pra não virar uma papa, segundo ela que pegou meu cunhado Darly no pulo misturando o sal ao alho triturado, numa tigela, fazendo movimentos como quem bate massa de bolo. Não, não, senão vira papa. É devagar, com delicadeza, que é pro sal não puxar água do alho. E ela nunca deve ter ouvido a palavra osmose. E completa: A consistência tem que ficar assim ó, só meio molinho, assim - gesticulando com a cabeça, mãos e quadris na esperança de se fazer entender. Quem já cozinhou os dentes inteiros, picou ou socou o alho, sabe que as respostas a estes estímulos são totalmente diferentes. É porque seus compostos aromáticos ficam em compartimentos separados das enzimas que reagem com eles. Quando o alho é esmagado, estas substâncias se encontram dando origem principalmente à alicina, composto à base de enxofre que dá o cheiro pronunciado. Por isto, o alho cozido antes de esmagar, quando a enzima é inativada, perde parte deste poder de pungência. Já o alho esmagado imediatamente antes de ser frito tem muita alicina presente e por isto é mais aromático. Com o tempo, torna-se desagradável. Quando o alho é finamente picado, como é o caso deste tempero, só parte das células foi rompida e por isto a mistura se degrada mais demoradamente que no caso daquele alho que vira pasta e empesteia os corredores dos supermercados.
Outro fator que me levou a preparar pela primeira vez meu próprio tempero foi saber que a Elzinha, do Restaurante Dona Lucinha, também usa tempero pronto, só que feito com alho, sal e quitoco, erva que ela traz da região do Serro, em Minas Gerais. Diz que este é o segredo da sua comida cheia de sabor. E não está mentindo. Muitas outras boas cozinheiras devem fazer seu próprio tempero como os tailandeses fazem suas pastas de curry para ter a base da cozinha do dia-a-dia sempre à mão. Fiz duas versões, uma só com o alho que compramos em Carlópolis-PR e sal e outra com pimenta e folhas da alfavaca que nasce no mato lá no sítio. Já usei para temperar suã, que trouxe do açougue de Fartura, para fazer arroz, macarrão com manjericão e refogar couve rasgada. Estou adorando a experiência de fazer uma comida quase igual à da minha mãe. Vamos à receita, que dona Olga costuma fazer sem medidas, mas desta vez fiquei atrás com a balança: Separe umas folhinhas de alfavaca ou manjericão e duas pimentas dedo-de-moça, se quiser incrementar o tempero. Higienize, enxague e seque bem com pano limpo
Básico: com alho e sal
Incrementado: com alfavaca e pimenta dedo-de-moça
Tempero de alho e sal 400 g de alho descascado 250 g de sal
Coloque no processador de alimentos só o alho e ligue o aparelho. Deixe só até ficar tudo finamente triturado. Se for possível, use o modo "pulsar". Passe para uma tigela e junte o sal. Mexa devagar homogeneizando a mistura - sem bater.
Rende: 650 g de tempero pronto
Para incrementar, junte ainda no processador a alfavaca ou manjericão (cerca de 1 xícara de folhas limpas e secas) e duas pimentas dedo-de-moça. Depois de tudo triturado, junte o sal à parte.
As equivalências: 1 colher (sopa) padronizada, de 15 ml, rasada, de sal pesa 14 g. Já a mesma colher de tempero pronto pesa 20 g que, mantendo as proporções da receita, equivalem a 13,20 g de alho e 6,80 g de sal. Logo, se quiser temperar e salgar com a mistura, use o dobro da quantidade que usaria de sal. Mas em alguns pratos que não queira muito alho, use apenas a metade e complete com mais um pouco de sal.
Para o macarrão, fritei o tempero com alfavaca e pimenta em um pouco de azeite, juntei o macarrão cozido e folhinhas de manjericão (que também veio de Fartura). Polvilhei com flocos de pimenta Baniwa - meio defumada. E nhac!